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Crítico em relação aos efeitos do teto de gastos sobre o baixo nível de investimentos públicos e a atividade econômica do país, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), candidato à Presidência da República, trabalhará com dois pilares fiscais para o país caso seja eleito.
Em entrevista ao InfoMoney, o economista e deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE), coordenador do programa econômico do candidato, diz que a atual regra fiscal não foi capaz de conter despesas obrigatórias (que respondem por quase 90% do Orçamento federal) e defende que o país adote uma meta de endividamento e vincule investimentos públicos ao comportamento da receita.
“O ajuste fiscal não é um fim em si mesmo, como todo mundo prega pelo mundo afora. Ajuste fiscal é dotar o Estado de condições para investir, para atender às demandas da população. Sem essa visão, o país não anda, o Produto Interno Bruto (PIB) não cresce, o emprego não é gerado. Mas, infelizmente, o que eu vejo no país é uma defesa de um teto de gasto que não existe”, afirmou
“O teto do gasto não controlou absolutamente nada. As despesas obrigatórias continuaram subindo. O ajuste que foi feito no Brasil foi na melhor despesa, o investimento”, complementou.
A ideia da campanha pedetista é retirar os investimentos públicos de regras que limitam despesas primárias correntes, como é o caso de hoje com o teto de gastos, e vinculá-los a um percentual (entre 80% e 90%) do crescimento das receitas públicas.
Já no caso do endividamento, Mauro Benevides, que, além de parlamentar é professor de Economia na Universidade Federal do Ceará (UFC), sugere uma relação da dívida consolidada líquida sobre receita corrente líquida da União, como já ocorre para estados e municípios.
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“Está na hora de pensarmos em uma meta de endividamento. Para os municípios, isso já existe: eles não podem se endividar mais do que 1,2 vez a receita corrente líquida. Os estados não podem mais se endividar além da razão de 2 vezes a receita corrente líquida. E qual é o limite da União? O céu é o limite. Ninguém está preocupado com essa relação”, disse.
Mauro Benevides participou da série de sabatinas com os assessores econômicos dos candidatos ao Palácio do Planalto, que o InfoMoney publica desde segunda-feira (26).
Os convites foram feitos às campanhas dos seis candidatos que tiveram ao menos 1% das intenções de voto em levantamento realizado pelo Ipec entre os dias 9 e 11 de setembro. O levantamento está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-01390/2022.
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São eles: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Avila (Novo). A campanha de Bolsonaro foi a única que não designou representante para falar sobre as propostas do candidato.
Durante a entrevista, Benevides defendeu uma reforma tributária que reduza a cobrança de impostos sobre o consumo e introduza impostos sobre dividendos e grandes fortunas, questionou a política monetária adotada pelo Banco Central, criticou a política de preços praticada pela Petrobras e explicou os programas sociais prometidos pela campanha de Ciro Gomes.
Veja abaixo os principais trechos da sabatina e assista, na íntegra, pelo player acima, ou clicando aqui.
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InfoMoney: O teto de gastos foi criado em 2016 com a intenção de limitar a evolução dos gastos públicos. Entusiastas dizem que a missão foi cumprida e ressaltam que a regra ajudou a reduzir as taxas de juros do mercado naquele período. Já os críticos alegam que isso se deu às custas de menores investimentos públicos. Para o ano que vem, há uma série de despesas já contratadas, e economistas dizem que a conta não vai fechar. O que a campanha de Ciro Gomes planeja para o arcabouço fiscal de modo a viabilizar as políticas públicas apresentadas no programa de governo?
Mauro Benevides: Temos que lembrar que Ciro foi prefeito [de Fortaleza] e nunca teve déficit. Foi governador [do Ceará] e nunca teve déficit. Aliás, foi o único governador que resgatou toda a dívida imobiliária do estado do Ceará. Vale lembrar também que, como ministro da Fazenda, ele teve o maior superávit primário da história que o Tesouro registra nas suas publicações. Então, a pessoa tem que estar comprometida com esse conceito [de ter controle fiscal].
Em segundo lugar, o ajuste fiscal não é um fim em si mesmo, como todo mundo prega pelo mundo afora. Ajuste fiscal é dotar o Estado de condições para investir, para atender às demandas da população. Sem essa visão, o país não anda, o Produto Interno Bruto (PIB) não cresce, o emprego não é gerado. Mas, infelizmente, o que eu vejo no país é uma defesa de um teto de gasto que não existe. Nós temos que sair da conversa de que tem e examinar os números.
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O teto de gastos foi feito pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016. Em 2017, 2018, 2019 e 2020, as despesas obrigatórias, que representam 88% do total, cresceram em termos reais [descontada a inflação do período]. Descumpriram o teto. Mas aí meu aluno vai me perguntar: ‘professor Mauro, o governo está dizendo que cumpriu o teto como um todo’. Neste sentido, é verdade. Ele vai no investimento, que é despesa de capital, mas, apesar disso, é despesa primária – e, em sendo despesa primária, está no teto de gastos. Ou seja, o Brasil não está fazendo ajuste nenhum.
[Gasto com] Pessoal continuou crescendo em termos reais, Previdência continuou crescendo em termos reais. Então, que história é essa que o teto está sendo cumprido, se, de uma hora para outra, o que se tem é uma redução brutal do investimento? Portanto, o teto do gasto não controlou absolutamente nada. As despesas obrigatórias continuaram subindo. O ajuste que foi feito no Brasil foi na melhor despesa, o investimento.
Há uma contrapartida que diz que o investimento é muito ruim no Brasil. Como é muito ruim? Aqui, no Ceará, temos a matriz de insumo/produto e, na hora da definição do investimento, vemos qual é o impacto dele maior em determinados setores da economia. O Brasil precisa levar esse tipo de sofisticação. Nós temos, subsequentemente, um modelo geral que vê o impacto no wellfare state [Estado de Bem-estar Social] do próprio estado. Então, o problema é aquela história do gaúcho que, quando fala que tem um carrapato na vaca, mata ela e não resolve o problema.
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Se existe algum problema de investimento, ele tem que ser consertado, mas jamais reduzi-lo a zero. O Brasil já chegou a investir R$ 140 bilhões por ano, vai investir, em 2023, R$ 25 bilhões. É isso que queremos? Tirar dinheiro do investimento e colocar no pessoal? Essa é uma reflexão que não existe no Brasil.
Em terceiro lugar, não existe na literatura, em nenhum país do mundo, teto de gasto que permaneceu por 20 anos. Portanto, é uma falácia o que estão pregando para o Brasil.
IM: E qual seria o novo arcabouço fiscal em um eventual novo governo de Ciro Gomes? Seria limite para endividamento? Um teto para despesas, mas excluindo investimentos?
MB: Há dois arcabouços. O primeiro é deixar o investimento vinculado ao crescimento da receita. Ele não vai ficar solto, como as pessoas imaginam. O investimento vai ser vinculado a um percentual do crescimento da receita. Vamos discutir se é 80%, 85%, 90%. E o teto do gasto pode até existir, desde que controle a despesa primária corrente – ou seja, a despesa de capital fica fora. E nela podemos permitir os acréscimos do PIB. Ou seja, se o PIB cresceu 2,4%, ele [o teto] cresce inflação mais 2%, deixa o 0,4 p.p. para diminuir essa proporção que hoje está por volta de 19% do PIB.
Eu pessoalmente – o governo e o Tesouro finalmente começaram a falar sobre isso – [acredito que] está na hora de se pensar em uma meta de endividamento. Uma relação de dívida consolidada líquida sobre receita corrente líquida da União. Para os municípios, isso já existe: eles não podem se endividar mais do que 1,2 vez a receita corrente líquida. Os estados não podem mais se endividar além da razão de 2 vezes a receita corrente líquida. E qual é o limite da União? O céu é o limite. Ninguém está preocupado com essa relação. E agora estão vendendo essa imagem positiva que [a dívida pública] caiu de 80% para 77% [do PIB], porque não estão olhando o impacto do aumento do deflator do PIB. Elevam o PIB nominal como se fosse crescimento, e, ao inflar o denominador, a relação dívida/PIB cai, mesmo com a dívida crescendo e o volume de juros aumentando.
Essa meta [de endividamento] pode ser, sim, analisada. Os Estados Unidos, que é o maior país capitalista do mundo e ancora toda a poupança líquida externa do mundo, tem [meta para o endividamento]. Quando atinge esse teto, para tudo. Para pagamento de museu, para pagamento de pessoal – para vocês terem uma ideia do quão forte que é essa meta. Aí sim, o Banco Central e o Tesouro têm que ir ao Congresso Nacional para explicar o que aconteceu, o que houve com a movimentação dos juros. É só isso que queremos: dar maior transparência e exigir [explicação] dos gestores, tanto do Banco Central quanto do Ministério da Economia.
Para todas as despesas que estão sendo colocadas [no programa de governo], no livro [“Projeto Nacional: O dever da esperança”, publicado por Ciro Gomes em 2020], há todas as fontes de receitas. A primeira delas é o imposto sobre grandes fortunas. Antes que qualquer advogado tributarista entre no circuito, imposto sobre renda é sobre fluxo; e imposto sobre grandes fortunas é imposto sobre estoque. São duas coisas totalmente diferentes. Antes que os candidatos a presidente digam que na França tentaram fazer e não deu certo, [a alíquota estabelecida de] 7% é quase um confisco. Aqui, no Brasil, nossa ideia é fazer 0,5% ou até 1%. Ou seja, de cada R$ 100 dos super-ricos, aqueles [com patrimônio] acima de R$ 20 milhões, ele daria 50 centavos para poder contribuir com os menos favorecidos.
Para mim, o fiscal é a bola mestra de tudo. Ele resolve câmbio, taxa de juros elevada. Porque a taxa de juros não vai cair com canetada, como as pessoas pensam. Vai cair porque, quando você ajusta o fiscal, a política monetária passa a ser secundária. A curva a termo da taxa de juros cai. A demanda por risco, que o sistema financeiro faz para financiar a dívida, também cai. Então, [temos que] ajustar o fiscal com imposto sobre grandes fortunas, com imposto sobre dividendos, com alíquota de 15%, conseguindo R$ 48 bilhões de arrecadação, e outros impostos patrimoniais. [A ideia é] Aumentar [a tributação] na questão do patrimônio e diminuir o imposto sobre o consumo, hoje a maior fonte de arrecadação. Vamos reverter esse sistema tributário.
IM: Tanto o senhor quanto o candidato Ciro Gomes chamam atenção para as despesas financeiras e o quanto o país gasta em juros da dívida pública. Diante disso, muitos questionam a campanha sobre como seria feito o controle desta linha do Orçamento. Qual seria a ideia? Há espaço para canetada?
MB: Você acha que um governador que resgatou toda a dívida mobiliária, de tão líquido que estava, qual é o exemplo que pode dar? Existe espaço para canetada? Nos últimos cinco anos, 22 estados entraram no Supremo [Tribunal Federal, o STF] para não honrar suas dívidas. Veja quantas vezes o estado do Ceará entrou. Até São Paulo questionou, quebrou contratos. Portanto, não existe canetada, isso é conversa.
Agora, temos que chamar atenção: por que quando aumentamos o Auxílio Brasil e gastamos mais R$ 27,6 bilhões foi essa confusão toda? Ao mesmo tempo, [o Banco Central] aumentou a Selic de 2%, em março de 2021, para 13,75% ao ano [em agosto de 2022], elevando [o pagamento de] juros [pelo governo para dívida pública] para R$ 700 bilhões ao ano. Será que ninguém pode chamar atenção disso? São R$ 700 bilhões! Então, não podemos fazer despesa primária, porque tem todo um regramento, com Lei de Responsabilidade Fiscal, Emenda Constitucional nº 95 (teto de gastos), Emenda Constitucional nº 109, regra de ouro. É uma parafernalha de controle e nada funciona. Para dívida financeira, não tem absolutamente nada. As pessoas, sobretudo parte da imprensa, dizem que o Orçamento da União é R$ 1,8 trilhão, que são exatamente as despesas primárias. Isso não é verdade. O Orçamento da União é R$ 4,8 trilhões. Esses R$ 3 trilhões passam ao largo. Quando eu chego ao Congresso Nacional e começo a discutir essa questão, as pessoas perguntam: ‘como assim? Onde estava isso?’. Nós examinamos que [a despesa financeira] cede com o fiscal ajustado, que é a premissa da gestão de Ciro Gomes: taxa de juros cai, curva a termo de longo prazo cai, risco cai e assim por diante.
Na teoria econômica, não há aumento de taxa de juros para controlar a inflação de preços administrados. Vai controlar a taxa de juros para controlar o preço da gasolina e do diesel? O problema é que 70% da carga brasileira é transportada por rodovias. Quando o diesel sobe, encarece tudo, e a inflação fica disseminada para todos os produtos. Perceberam que foi só baixar os preços do combustível e da energia, que a inflação vem cedendo? E todo mundo acha que ela está cedendo porque a taxa de juros aumentou. É um erro. Temos que analisar tecnicamente. Será possível que só vale uma posição? Vários países no mundo fixam a taxa de juros do Banco Central no core inflation (núcelo da inflação), e não na inflação total. Mas parece que as pessoas esqueceram a teoria econômica.
IM: Como será a relação entre um eventual governo de Ciro Gomes com o Banco Central? A autonomia será respeitada?
MB: A autonomia prevalecerá. Mas o Banco Central não vai se eximir de discutir e prestar contas do que está fazendo. O Brasil, em 2021, fez a maior elevação de taxa de juros do mundo, 8%. Por quê? A maioria dos países estão com taxa de juros real negativa. Só o Brasil tem que ter taxa de juros real positiva e mais: a maior do mundo. No Brasil, tudo de ruim é o maior do mundo. Será possível que ninguém tem oportunidade de discutir isso? Está bloqueado? O sistema financeiro não deixa essa discussão acontecer? Por que que o Brasil tem que ter toda vida a maior taxa de juro real do mundo? Inclusive em períodos em que há uma diminuição da atividade econômica. Em 2015 e 2016, quem controlou a inflação foi a recessão. A economia caiu 7% nesses dois anos, e muitas vezes nossos colegas não querem ver o impacto que isso tem.
O Banco Central manterá sua autonomia [em um governo Ciro Gomes], mas isso não quer dizer que ele vai ser independente ao extremo [ao ponto] de não poder aceitar [o convite a prestar] um depoimento e explicar o que é que está sendo feito. Faz sentido um diretor do Banco Central, em determinados movimentos de volatilidade do câmbio, sozinho decidir colocar US$ 25 bilhões para acalmar. São R$ 125 bilhões. Um cara sozinho consegue manipular R$ 125 bilhões? No caso da inflação, não. O Copom [Comitê de Política Monetária, do Banco Central] é institucionalizado, tem um regramento, várias pessoas decidindo. Mas no swap, não. No swap, uma pessoa decide. Como? Por que? Será que ele é déspota? Ele é tão iluminado que sozinho ele vai decidir isso?
IM: E o que poderia ser feito nesse caso, então?
MB: Deveria ser institucionalizado. Deveria haver um comitê. Apesar de câmbio ser resultado, variar em conformidade com a política econômica. Agora, quando a volatilidade se excede, o Banco Central entra muitas vezes fazendo isso [leilões de swap cambial]. Então, eu defendo que tinha que ter uma institucionalidade dentro do Banco Central – para não dizer que estou querendo intervir de fora no BC. Hoje não é transparente. O Banco Central diz assim: ‘já estou liberando 150 contratos cambiais’. Mas temos que pressionar para o valor sair, senão não temos conhecimento.
Quanto à política monetária, com o fiscal resolvido, ela passa a ser secundária. Ninguém vai nem ouvir falar na taxa de juros. É o que fizemos no Ceará esses anos todos. Quando você olha a receita de cada estado, somos o maior investidor do Brasil. São R$ 4 bilhões por ano. Nossa meta com ajuste fiscal é investimento, é atender as demandas da população.
IM: A campanha é critica ao Preço de Paridade Internacional (PPI), política de preços praticada pela Petrobras. Qual seria o papel da estatal em um eventual governo de Ciro Gomes? E o que seria feito com os preços dos combustíveis?
MB: A Petrobras vai ter que mudar seu foco. Continuar trabalhando em produto fóssil, como gasolina, isso tem que acabar. O mundo inteiro está mudando para energia eólica, energia solar. No Ceará, já temos 40% da nossa rede nessas duas [fontes de energia], estamos mudando para hidrogênio verde. A Petrobras vai mudar seu foco, saindo de combustível fóssil e indo para combustíveis do futuro, e não nesse atraso que estão procurando mantê-la. Estão mantendo o atraso para privatizá-la por um preço bem baratinho.
O Brasil tem petróleo para 98% de seu consumo, mas só refina 70%. Portanto, ele tem que importar 30% da sua demanda de combustível. As pessoas dizem que, se não reajustar, a empresa não vai ter como comprar, terá prejuízo. Então, no mínimo, a fixação do preço da Petrobras não deveria ser baseada em 100% do PPI. Deveria ser ponderado com os 30% que ela tem que comprar.
Um diretor da Petrobras me disse que algumas refinarias não são capazes de refinar o petróleo mais “grosso”, se não me engano. Eu questionei quanto seria para a Petrobras se modernizar e poder refinar 100% [da produção]. Sabe o que ele me disse? R$ 40 bilhões. Eu perguntei: ‘Como? Vocês acabaram de distribuir R$ 101 bilhões de dividendos. Como vocês não têm R$ 40 bilhões para modernizar?’. A resposta: ‘Não, porque o futuro da Petrobras ainda não está definido’.
A Petrobras tem solução. Ela tem que acabar com esse PPI e modernizar suas refinarias. E ela vai ser superavitária, como toda empresa pública deve ser. Ela não pode é ter esse absurdo de vinculação para definir preço dissociado de seu custo de produção, depreciação de seu capital, tributos e lucros. A Petrobras vai ser como qualquer empresa normal do sistema capitalista, mas nunca tendo uma meta de preço. Não pode ser assim. Aí vão dizer que ela vai ser deficitária ou ter interferência. Não haverá interferência nenhuma. Ela terá que provar que é superavitária com aquele preço que está cobrando.
Se você olhar lucro líquido sobre patrimônio líquido, a Petrobras tem uma razão de 40 vezes. A média de todas as petroleiras do mundo é 15. E mais grave: a relação dividendos por ação na Petrobras é de 20 vezes, enquanto a média mundial é de 5,9 vezes. Que absurdo? Ela pode cobrar o que quiser, diferente do mundo inteiro, alegando o PPI e provocando um processo inflacionário que trouxe a pobreza de volta. Aí dizem que a Petrobras devolveu R$ 22 bilhões em dividendos para a União. Pois é, devolveu R$ 22 bilhões, aumentou a inflação, o Banco Central aumentou a taxa de juros, e elevou [o pagamento de] juros [pelo governo] para R$ 700 bilhões. Deu R$ 22 bilhões, e o Brasil gastou R$ 700 bilhões como consequência dessa política absurda.
Não temos nenhum dogma, mas privatização, para nós, tem que começar pelas empresas que drenam recursos do Tesouro. Comecem por elas, e aí depois pensamos nas outras. Mas a Petrobras é zero possibilidade de privatização. Ela vai mudar o foco, vai ser superavitária, mudando a meta de preços do PPI.
IM: E o papel da iniciativa privada? Vocês têm um plano para aumentar as parcerias público-privadas (PPPs)? Em quais setores?
MB: Esse é nosso grande mote [da campanha]. No Ceará fazemos muito isso. Investimos R$ 1,9 bilhão no Porto do Pecém, conseguimos trazer uma empresa privada sem PPP, com investimento privado de R$ 30 bilhões de uma siderúrgica. O Ceará hoje é exportador de placa de aço. Então, as PPPs estarão presentes [em um governo Ciro Gomes]. Até porque a recuperação dessa capacidade de investimento tem que ser focada em algumas áreas. E o setor privado vai ter certeza que contratos serão honrados. Não é fazendo PEC dos Precatórios, que quebra contrato… E ninguém está falando que essa PEC vai levar, para 2025 e 2026, R$ 900 bilhões de dívida. Como vamos fazer um primário de R$ 900 bilhões para pagar esses precatórios? Parece que esse assunto morreu.
IM: Do lado da reforma tributária, a campanha promete reduzir incentivos fiscais em 20% no primeiro ano (o que resultaria em R$ 70 bilhões aos cofres públicos), a recriação do imposto sobre lucros e dividendos (R$ 48 bilhões), taxação sobre grandes fortunas com uma alíquota de 0,5% sobre patrimônios acima de R$ 20 milhões e a junção de impostos federais…
MB: Há também a atualização [da tabela] do Imposto de Renda [Pessoa Física], criando mais duas alíquotas para rendas mais elevadas. Extinguimos a PJ. Porque, quando você contrata uma pessoa para trabalhar, ela vai pagar 27,5% de IR. Quando a mesma pessoa é contratada como PJ, só paga 15%. Há uma drenagem de recursos muito grande do erário.
Também há as desonerações fiscais, hoje diminuídas de R$ 360 para R$ 320 bilhões, mas podemos reduzir. Ciro tem falado muito em 20%, o que daria R$ 60 bilhões. Acho que conseguimos alcançar pelo menos 15%.
O fiscal nós sabemos como fazer. O problema é que ninguém consegue cobrar imposto de rico no Brasil. Sempre existe um contraponto sem nenhum alicerce na teoria econômica.
IM: A campanha também sinaliza, do lado da simplificação de impostos federais, com algo parecido com o que tem sido discutido no Congresso Nacional…
MB: A reforma tributária [pelas PECs 45 e 110] só trata de simplificação. Ela não trata de progressividade, não altera o imposto sobre o patrimônio. A população não entende como um rico compra um barco de R$ 200 milhões e paga R$ 0,00 de IPVA. É isso mesmo que queremos?
Nosso primeiro conceito é de criar duas alíquotas adicionais de Imposto de Renda para salários mais altos. Em segundo lugar, alterar dois impostos: o IPVA, que permanece estadual, e o ITCMD, que vai ser federal e distribuído para compensar os estados, sem perda em relação aos valores recebidos hoje. A alíquota máxima no Brasil para o ITCMD hoje é 8%. Nos Estados Unidos, a menor alíquota de herança sobre patrimônio é de 20%, com isenção de US 5 milhões no total. Temos 58 mil brasileiros super-ricos. Eles não podem contribuir com esses impostos? É uma reflexão que temos que fazer. Vamos continuar permanentemente cobrando impostos sobre o consumo? Ou seja, o pobre pagando mais imposto proporcionalmente do que os ricos? Enquanto não houver esse avanço também sobre [os impostos] para a propriedade, fica difícil.
Outro ponto é que no IVA [o Imposto sobre o Valor Agregado, em discussão no Congresso Nacional], a indústria, como tem várias anteriores à produção final, vai abatendo a carga de tributo paga anteriormente. No setor de serviços, 60% do custo é pessoal, não tem abatimento. Os setores de saúde e educação terão um aumento brutal de alíquota, de 9/10%, para 27%. Eles estão apavorados. Por mais que se diga que haverá abatimento na cadeia anterior, não há cadeia anterior significativa. Isso gerou um impasse no Congresso. São setores proeminentes da economia brasileira, que exercem relativa pressão no Congresso. Então, há a proposta de simplificação… Renda e patrimônio fora da discussão. Setores essenciais da economia brasileira tendo elevação de carga.
Para a população brasileira, reforma tributária é para diminuir carga. Para quem está no governo, é no mínimo manter a carga. Há conflito federativo: o que São Paulo pensa não é o que pensa o pessoal da Região Norte. Não é uma questão fácil.
IM: Na discussão sobre os combustíveis, observamos uma redução significativa de alíquota de ICMS para uma série de bens e serviços considerados essenciais. Isso provocará uma perda de arrecadação para os estados, sobretudo nos próximos exercícios. Um dos pontos mais tratados quando se fala em reforma tributária é justamente a guerra fiscal. Qual é a proposta da campanha para atacar esse problema?
MB: Se nós criarmos aquele fundo [de compensação], proposto pelos secretários de Fazenda dos estados, que vai permitir ter recursos para poder dar sequência aos investimentos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, não haverá nenhum problema. O que está sendo discutido é a fonte. Foi proposto até tirar um percentual do IVA para poder ser destinado a esse fundo incentivo.
Apenas um ponto adicional sobre a reforma tributária: a cesta básica hoje 9% de ICMS, que saiu de 18%, e 0% de PIS/Cofins. Com o IVA, ela para uma alíquota de 27%, segundo o Ipea. Então, haveria um aumento da carga tributária para os mais pobres. Quando eu digo isso, as pessoas respondem que em 30 dias será devolvido o dinheiro [dos impostos]. Agora, o Brasil vai ser o único lugar no mundo em que pobre vai precisar ter capital de giro. Ele vai pagar o tributo para receber de volta. A não ser que haja um programa que, na hora do pagamento, o tributo já não seja pago.
IM: Hoje, 33 milhões de brasileiros passam fome, segundo levantamento divulgado pela rede Penssan. Há também muitas famílias endividadas. A campanha propõe a criação de um programa de renda mínima. O senhor poderia comentar o papel dos programas sociais em um eventual governo Ciro Gomes?
MB: Ciro Gomes quer acabar com a pobreza no Brasil. Isso não é retórica. Tem linha de corte e números. Demos apenas uma leve aprimorada naquilo que Eduardo Suplicy (PT-SP) propôs a vida inteira. Ninguém nunca prestou atenção, nem o partido dele.
A linha de extrema pobreza é de R$ 147,00, e a de pobreza é de R$ 417,00 [mensais]. Resolvemos aplicar o conceito de renda mínima por domicílio, que daria R$ 1.011,00 [mensais] para garantir os R$ 417,00 [per capita]. De onde [vamos tirar os recursos]? Nós não vamos acabar com a aposentadoria rural, com o BPC, nem com o Auxílio Brasil. Nós pegaremos os valores desses programas e veremos quanto falta para chegar nos R$ 70 bilhões [de diferença para atingir o valor necessário para garantir os pagamentos]. É aí que entra o imposto sobre grandes fortunas, que dá R$ 50 bilhões. Podemos retirar R$ 20 bilhões das desonerações ou dos R$ 48 bilhões dos dividendos.
Fonte [de recursos] nós temos todas. O programa são R$ 1.011,00 por família, atingindo a linha de pobreza do Brasil. E com condicionalidades: estamos devolvendo [aquelas estabelecidas pelo Bolsa Família, como vacinação e frequência escolar das crianças] para dentro do programa.
Já a proposta para o endividamento das pessoas foi apresentada em 2018. Todo mundo achou que era brincadeira, mas, decompondo o PIB pelo lado da demanda, percebemos que o responsável por 60% que fazem a economia crescer é o consumo das famílias. Como o PIB pode crescer se boa parte dessas pessoas estão endividadas?
Pensou-se em fazer aquele leilão de 90%. A Serasa e o SPC compraram a ideia, mas queriam o pagamento à vista. Mas as pessoas perderam o emprego, estão sem nada. Por isso, nós faremos um financiamento de 36 meses, com os bancos públicos – se o privado quiser entrar, ótimo, mas não na taxa de juros que está aí. Vai ser uma taxa de juros que dê rentabilidade ao banco. Com isso, vamos devolver 69 milhões de pessoas ao mercado consumidor, que têm a maior propensão marginal a consumir.
O mesmo modelo econômico que está funcionando gerou um crescimento de 0% do PIB. Não podemos obter outro resultado com o mesmo modelo. É isso que o presidente Ciro está tentando mostrar para a população brasileira.