Marina Helena Santos, economista de Felipe d’Ávila, defende teto de gastos e privatização da Petrobras: “Estado empresário perde o foco”

Em entrevista, ela fala sobre corte de gastos públicos e reforma administrativa como "mãe de todas as reformas", além do estímulo ao crédito de carbono

Anderson Figo

Em entrevista ao InfoMoney, Marina Helena Santos, coordenadora do programa econômico da campanha de Felipe d’Ávila (Novo) à Presidência da República, defendeu o teto de gastos, que limita o aumento das despesas do governo pela inflação no ano anterior. Segundo ela, o mecanismo é importante para trazer a consciência de que não podemos mais desperdiçar dinheiro e que precisamos reavaliar a qualidade de cada pagamento feito pela União em relação ao benefício que ele gera à sociedade.

“Qualquer regra fiscal vai precisar de um ou outro ajuste, é lógico. O mundo muda e a gente tem que se adaptar. Mas o que tem ali de fundamental, que precisa permanecer, é essa ideia de que: se um gasto aqui está sendo aprovado, primeiro vamos ver se é um gasto bom ou ruim para a sociedade. Espero que isso seja feito e que todos os atores políticos tenham essa consciência”, disse.

A entrevista faz parte de uma série de sabatinas com os assessores econômicos dos candidatos ao Planalto nas eleições 2022 que o InfoMoney publica a partir desta segunda-feira (26) no site e no canal do YouTube. Os convites foram feitos às campanhas dos seis candidatos que tiveram ao menos 1% das intenções de voto em levantamento realizado pelo Ipec entre os dias 9 e 11 de setembro.

São eles: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Avila (Novo). Apenas a campanha do presidente Bolsonaro não designou um representante para falar sobre as propostas do candidato.

Durante a entrevista, Marina Helena falou ainda sobre a defesa da privatização da Petrobras e outras estatais como forma de gerar recursos para pagar passivos da União. “O Estado empresário perde o foco”, afirmou. A economista também explicou como o candidato pretende mudar o Auxílio Brasil, sendo o único a não defender a permanência dos R$ 600 mensais entre os que disputam o Planalto, além de detalhar como seriam as reformas administrativa e tributária em um eventual governo de d’Ávila.

Sobre o meio ambiente, Marina Helena disse que o Brasil tem uma “oportunidade única” no mercado de crédito de carbono, e falou sobre o projeto do candidato do Novo para tornar o país uma nação carbono zero e com abertura comercial. Veja abaixo os principais trechos da sabatina e assista, na íntegra, pelo player acima, ou clique aqui.


InfoMoney: Vamos falar de arcabouço fiscal. A campanha de Felipe d’Ávila é a favor do teto de gastos, que é a regra fiscal criada em 2016 para tentar conter o avanço das despesas públicas. O candidato já criticou o fato da regra ter sido violada no atual governo. Como manter o teto em 2023 dado o aumento de gastos previsto? Onde será preciso cortar?

Marina Helena Santos: Um dos nossos principais problemas é exatamente a questão da responsabilidade fiscal. E eu estou falando isso numa trajetória longa. Nos últimos 40 anos, a gente teve um crescimento da nossa renda per capita média de 0,6% ao ano. Demoraria 120 anos para a gente dobrar a renda per capita. E a gente viu países que conseguiram fazer isso, dobrar, triplicar a renda per capita, em um período bem mais curto, em duas décadas. A gente realmente ficou para trás.

Por que? Houve a hiperinflação e, desde a redemocratização a gente tem tido crescimentos muito fortes dos gastos, muito acima do que deveria ser. Isso acaba se traduzindo em um monte de coisa que atrapalha o crescimento e é ruim para a sociedade. Hiperinflação nos anos 1980, depois muitos impostos, um aumento muito expressivo da carga tributária que faz com que hoje a gente seja o país com a maior carga tributária entre os países emergentes, e mais recentemente um aumento forte da dívida, que faz com que o Brasil tenha uma combinação dívida/juros pior do mundo. Não tem nenhum outro país que tenha essa taxa de juros com esse endividamento.

A gente está deixando um legado ruim para as próximas gerações. Isso é ruim por diversos motivos. Um deles é porque, assim, a poupança das famílias e das empresas é ‘sequestrada’ pelo governo, vamos dizer assim, e com isso, você torna o crédito muito escasso, muito caro. Isso atrapalha muito a geração de oportunidade de crescimento e renda das pessoas. Tudo isso é resultado de um governo que tem esse apetite muito forte por gastar.

O mais impressionante é que os gastos sabidamente não têm surtido muito efeito, tanto em termos de justiça social, quanto em aumento de oportunidades para as pessoas.

Um Estado bom, um governo que consiga melhorar a vida de seus cidadãos, deveria prover segurança, saúde e educação de qualidade. Mas a gente não vê isso, apesar dos nossos altos gastos. O governo brasileiro gasta quase 40% do PIB. É um gasto bastante elevado, mas que não se traduz em qualidade de vida para a sua população.

Muito pelo contrário. Esse dado é algo que me choca bastante. Se a gente pegar tudo o que o governo arrecada e tudo o que ele devolve para a sociedade, cerca de metade vai para os 20% mais ricos e 5% vão para os 20% mais pobres. Estou falando de maneira macro, é algo que perdurou durante as últimas décadas. Estou falando de políticas públicas que não são avaliadas.

O que eu vejo que foi o grande valor do teto de gastos? Primeiro, que foi a primeira vez em que se falou em controlar os gastos no Brasil. Porque a gente sempre teve gastos descontrolados, que se traduziram em hiperinflação, alta de impostos, alta de endividamento. Foi um momento em que viram que os gastos não estavam ajudando, estavam atrapalhando, e começaram a tentar avaliar esses gastos. Nossa ideia é tentar avaliar os gastos e cortar os maus gastos.

Se for necessário aumentar algum tipo de gasto, às vezes acontece, tivemos por exemplo a pandemia, a guerra [entre Rússia e Ucrânia], a gente tem que, por outro lado, cortar os privilégios que existem hoje no Brasil. Uma reforma administrativa é muito importante, porque a gente tem uma elite no serviço público que ganha muito acima do que ganham a maioria dos brasileiros.

A gente tem o judiciário mais caro do mundo, por exemplo. A gente tem o Congresso, em relação à nossa renda, também mais caro: 528 vezes a renda média do brasileiro. Tem uma série de coisas que dão para fazer dentro de uma reforma administrativa para duas coisas. Primeiro, de fato, oferecer saúde, segurança e educação de qualidade, ter o foco no cidadão, mas também corte desses privilégios.

Fora isso, a gente tem vários subsídios por aí. A gente tem um monte de subsídios para setores específicos, que também deveriam ser cortados e, assim, aumentar a produtividade da economia. Tem outra questão: nós temos ativos, muitas estatais. Mas também temos o passivo grande, como os precatórios. Então, dá para tentar equalizar isso. Vender alguns ativos para pagar alguns passivos.

IM: Muita gente crítica o teto de gastos porque ele reduz os investimentos públicos para fazer com que o governo pudesse respeitar a regra fiscal ao longo do tempo. As despesas obrigatórias aumentam. Houve a ajuda da reforma da Previdência, mas isso não foi suficiente.

Muitos economistas dizem que terá que ser discutida a adoção de outro arcabouço fiscal em decorrência das flexibilizações que fizeram no teto. Você concorda que o teto teve a sua credibilidade atingida nos últimos anos? Se for necessário, qual seria esse novo arcabouço crível?

MHS: Eu vejo que qualquer regra fiscal, e a gente tem algumas, não é só o teto, a gente tem a Lei de Responsabilidade Fiscal, a gente tem a regra de ouro, mas o que eu vejo é que elas vão se adequando ao grande problema do momento. O valor do teto de gastos é entender que não dá mais para a gente ampliar os gastos. A gente chegou num ponto em que o foco deveria ser avaliar a eficiência desses gastos. Esse é um grande trunfo que a gente não pode abrir mão.

Uma coisa que eu acho boa, porém, é que a gente deve encerrar o atual governo com a dívida nos mesmos níveis que ela estava quando se iniciou esse governo, sendo que a gente teve uma pandemia, uma guerra. Houve escolhas que tiveram que ser feitas, como o congelamento do salário do funcionalismo público. Foi num momento em que a economia inteira teve um baque. No setor privado, teve muita gente demitida, que perdeu renda. Então, todo mundo perdeu renda e, no setor público, você teve um congelamento. Não fazia sentido ter ganho.

Essas decisões, bem ou mal, só foram tomadas porque tem o teto de gastos. Antigamente, não era assim. Antigamente, mesmo que tivesse uma pandemia como essa, vai lá e gasta para ajudar, se endivida e que as gerações futuras paguem a conta. O teto levou a essas discussões, assim como a ideia agora de que a venda de ativos, como estatais, poderia ser utilizada para pagar passivos. Se não existisse o teto, isso poderia não ser pensado.

Continua sendo um mecanismo importante. A gente está com um nível de endividamento que até o mercado acaba pressionando [para ter mais controle fiscal]. A pergunta que a gente tem que se fazer, enquanto sociedade, é: há espaço para aumentar tributo? Há espaço para aumentar dívida? Se a resposta for não, não tem espaço para aumentar gastos públicos.

Qualquer regra fiscal vai precisar de um ou outro ajuste, é lógico. O mundo muda e a gente tem que se adaptar. Mas o que tem ali de fundamental, que precisa permanecer, é essa ideia de que: se um gasto aqui está sendo aprovado, primeiro vamos ver se é um gasto bom ou ruim para a sociedade. Espero que isso seja feito e que todos os atores políticos tenham essa consciência.

O ponto é que não dá para ter uma carga como é a do Brasil hoje, em que os mais pobres pagam mais impostos, metade da renda vai em imposto sobre consumo, que é o pior de todos. Não dá para ter esse nível de endividamento, que já paga esse juros [alto] por todas essas questões. E, nesse cenário, não cuidar das nossas contas. O custo para a sociedade é muito alto. Eu entendo a pressão por investimentos, mas aí vai lá e corta. Tem tanto subsídio por aí, vamos cortar subsídio.

IM: Mas subsídio não entra no teto, ele afeta arrecadação. 

MHS: Mas é uma discussão que temos que ter. Antes, você diminuía subsídio de um lado e aumentava gastos do outro. Hoje não. Eu fico feliz, porque se diminuir um subsídio você vai cair a carga tributária como um todo. No limite, você não vai ter um tributo mais alto, uma carga tributária mais alta. Está vendo? O mecanismo é bom, não é ruim.

Aqui no Brasil, esse é um ponto relevante, toda vez que a gente faz ajuste fiscal é pelo lado da receita. Antes você não podia baixar a carga tributária como um todo porque aumentaria os gastos. Hoje não, e isso é bom para a sociedade. A mãe de todas as reformas, até antes de a gente discutir a reforma tributária, é a reforma administrativa. Tem muito espaço sim para cortar. Tem muito privilégio, muita coisa que está ali que não deveria estar. Com isso, abre-se um espaço para mais investimentos.

IM: Vamos falar sobre privatizações. A campanha do d’Ávila defende as privatizações, inclusive a da Petrobras. Como seria uma eventual venda da estatal? Onde seriam utilizados os recursos? Quais outras empresas públicas poderiam ser privatizadas? E o que podemos esperar sobre as parcerias público-privadas (PPPs)? 

MHS: O Estado empresário perde o foco. Perde o foco totalmente. Como você vai providenciar segurança, saúde e educação com empresas para administrar? Eu lembro de ter chegado ali no ministério e a gente descobriu participações minoritárias e majoritárias [da União] em 700 empresas. Isso é uma loucura, primeiro porque é falta de foco, segundo porque você tem uma possibilidade de interferência política em diversos setores da economia, onde não deveria ter.

Em relação à Petrobras, há pouco tempo a gente viu ela sendo usada para fins políticos. Era uma empresa saudável e chegou a ser a empresa mais endividada do mundo. Uma loucura. Com toda uma ideia de investimentos errados. Eu gosto de citar um exemplo de uma refinaria no Rio de Janeiro, Comperj, onde US$ 13 bilhões viraram sucata. Tem Angra 3 também, no caso da Eletrobras, que foram colocados vários bilhões e não saiu do papel. Abreu e Lima, que acabou custando mais de 10 vezes o que deveria, US$ 19 bilhões.

A gente vê uma série de maus investimentos na Petrobras que levaram a empresa a quase quebrar. Esses investimentos afetaram nosso país. Eu digo que foi via a operacionalização das estatais que muito da nova matriz econômica, que levou a gente à pior crise que a gente já teve neste país, com 7% de queda de PIB e 7 milhões a mais de desempregados, foi prejudicada.

Teve um marco importante no governo de Michel Temer, que foi a Lei das Estatais, que blindou de alguma maneira a governança dessas empresas. Mas eu levei um susto agora quando se discutiu a questão da alta dos combustíveis. O presidente da Câmara falou em rever a Lei das Estatais. A gente está sempre suscetível. Eu, que estive em Brasília, vi de perto como essas empresas [estatais] atraem os piores instintos dos políticos.

Eu me lembro que a gente estava apresentando um projeto de Eletrobras para uma base parlamentar e eram só pedidos de cargos. Ninguém estava interessado em saber o que ia acontecer com a conta de luz ou o que ia acontecer com o setor elétrico.

A gente já viu muitos desmandos e muita utilização política dessas empresas. É por isso que o d’Ávila defende, e eu no Novo defendo, e a gente tem essa visão de que o Estado não tem que ser empresário. O ideal é privatizar essas empresas para que elas não sirvam a interesses políticos, que acabaram fazendo muito mal ao nosso país. Que sem dúvida a gente tem muito ativo, isso tem. Tanto estatais quanto imóveis da União.

O que me deixa muito feliz é que saiu uma pesquisa no início deste ano mostrando que dois terços dos brasileiros eram favoráveis à privatização da Petrobras desde que o preço do combustível caísse. Então, já mudou essa cabeça. Era um verdadeiro tabu falar de privatização no Brasil. E quando a gente vê as privatizações que tivemos, há muitas de sucesso. Na telefonia, por exemplo, era quase impossível ter uma linha. Filas por um serviço caro, telefone era declarado no Imposto de Renda. Hoje em dia, todo mundo tem celular. Muitos empregos foram criados no setor.

A mesma coisa com a Embraer, a Vale. No final das contas, essas empresas ficam mais lucrativas e coletam mais impostos, o que acaba virando serviço público. Então, você vê que você ganha na eficiência, por vender produtos com valor menor e mais competitivos, porque a empresa não está suscetível à uma ingerência política. Uma empresa privada tem prejuízo. Uma empresa pública tem déficit, porque quem paga as contas somos nós. Inclusive, está lá no teto de gastos.

A modelagem tem que ser bem-feita. Tem que garantir que você vai ter competição. Em que setores onde não tem competição, tem que ser feito um marco regulatório, para que o monopólio público não vire um monopólio privado porque isso também não é bom para a sociedade. Tem que ter um conjunto de regras que tem que ser respeitado.

E também temos as PPPs. Somos super favoráveis a isso porque tem dado muito certo no Brasil. É só ir aos aeroportos e a gente vê a qualidade. Aqui em São Paulo, gosto de citar o exemplo do Parque do Ibirapuera. Você vai hoje em dia no Parque do Ibirapuera, que foi concedido, ele está seguro, está limpo. Mais do que isso: ninguém está pagando para entrar no parque. Tem essa confusão também. O serviço que é gratuito vai passar a ser cobrado? No parque, não. Simplesmente quem está dentro do parque fazendo comércio, paga um valor para o custo do parque, que antes era custeado por impostos. E também está servindo para a manutenção de vários parques na periferia. Então, olha que ganho para a sociedade.

Um dos setores que eu vejo a adoção de PPPs com muito bons olhos é na educação. Por que não fazer como já fazemos hoje na saúde no ensino? Porque o ensino 100% estatal hoje no Brasil, é só ver os dados, a gente fracassou. Saiu um ranking de competitividade global agora e o Brasil está atrás da Venezuela no quesito educação.

Hoje, cerca de 5% dos alunos que saem do ensino fundamental entendem o que são 5%. Se eu falo uma fração para você, infelizmente pouquissímas pessoas na população entendem o que isso significa. A gente tem pessoas em nível universitário que são analfabetos funcionais. A gente fracassou. A gente não está entregando um ensino de qualidade, apesar dos nossos gastos altos. O Brasil gasta 6% do PIB em educação, o que é alto para a nossa renda. Mas isso não tem se traduzido em qualidade.

Existem países com pontuação muito boa hoje no PISA que adotaram o sistema de parcerias público-privadas na educação. A provisão do serviço é pública, financiada via impostos, porque a sociedade como um todo sai ganhando. Mas a prestação do serviço precisa ser pública? Não, não precisa. A gestão pode ser privada, compartilhada. E com isso você consegue entregar um serviço de melhor qualidade.

IM: O meio ambiente tem bastante destaque no programa de d’Ávila. Tem, inclusive, uma meta de tornar o Brasil uma nação carbono zero. Quais são os caminhos para chegar nesse resultado? 

MHS: O ponto principal é trazer mecanismos de mercado para ajudar a manter as nossas florestas. E mesmo em algumas zonas de desmatamento, em que você já teve alguma agressão, você conseguir recuperá-las. O principal mecanismo hoje é o crédito de carbono. É algo que está sendo discutido não só no Brasil, mas no mundo inteiro. E o Brasil pode se beneficiar muito desse mercado.

O mundo entende que a preservação melhora a qualidade de vida de toda a população. Existem indústrias, existem atividades que acabam poluindo o meio ambiente, tirando essa qualidade da população como um todo. Mantendo essas florestas, reflorestando, você consegue compensar isso. O Brasil hoje tem uma área importante de florestas. O Felipe sempre fala isso e é muito importante, que a gente tem todo um sistema de agropecuária no Brasil hoje que preserva. Na pecuária, a gente triplicou nossa produção, mantendo a mesma área de florestas.

Dá para conviver a atividade econômica com proteção ambiental. O Brasil já mostrou que isso é possível e eu vejo que casos como esses têm sido estimulados no mundo inteiro. A gente pode ganhar com isso. Por exemplo, áreas que não são produtivas de uma fazenda podem emitir um crédito de carbono para reflorestar aquela área. Quem tem a fazenda, ganha com isso, o meio ambiente agradece, e a população agradece.

Isso pode ser uma troca com uma outra atividade que gera carbono, que você compensa. Você consegue vender, monetizar isso. É algo que está começando, mas que o Brasil tem muita vantagem comparativa. Tem alguns estudos que mostram que a gente pode prover mais de 20% desse mercado de crédito de carbono global. Estamos falando de dezenas de bilhões.

O país como um todo será um grande exportador líquido [de crédito de carbono], mas ainda é um mercado incipiente a nível global. A gente precisa de alguém que compre. A gente pode começar com esse mercado interno, unindo quem está gerando com quem não está. Mas para ganhar volume, importância, a gente precisa que algum comprador internacional que produza carbono compre isso, compre nosso crédito de carbono.

É um movimento que é global. Tem tido várias tratativas em torno disso. É uma coisa que não é só o Brasil. O Felipe também fala muito sobre a nossa integração na cadeia de comércio global. Por exemplo, a nossa entrada na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] é algo que aceleraria muito isso, sem dúvida alguma, e seria um passo muito bom.

O Brasil tem uma oportunidade gigante aí porque a gente não tem problemas geopolíticos com ninguém. A gente exporta muitas coisas que vários países precisam. Temos uma relação amigável. Isso poderia atrair muitos investimentos em diversos setores. Muitos países estão com medo nesse novo cenário global de ficar muito dependente de outros, e estão buscando novos parceiros comerciais.

A outra coisa é combater, de modo muito claro, o desmatamento ilegal. Tem que ser combatido. Isso também favorece muito o desenvolvimento desse mercado [de crédito de carbono]. A agenda de governo, falar disso, também ajuda a atrair o foco para este setor.

IM: Vamos falar de programas sociais. O plano de governo do Felipe d’Ávila fala bastante sobre reduzir a pobreza no Brasil, combater a fome e acabar com a pobreza extrema em quatro anos. Mas ele foi o único candidato à Presidência que se posicionou contra manter o Auxílio Brasil em R$ 600.

E estamos em um cenário onde há 33 milhões de brasileiros passando fome. Por que essa postura? O que podemos esperar dos programas sociais em um eventual governo de Felipe d’Ávila e qual seria o futuro do Auxílio Brasil?

MHS: Isso é bem interessante. Muitos especialistas estudaram o Bolsa Família [nome anterior do Auxílio Brasil] e viram que ele foi adaptado em outros lugares, sendo sempre atrelado a programas que permitam dar uma porta de saída. Ninguém pode passar fome e viver numa situação não-digna. Ninguém quer isso. Mas a ideia é atrelar esse benefício a alguma maneira de a pessoa sair daquela situação.

Ninguém está contente numa situação com essa. A gente não pode achar que um brasileiro, que uma família que receba R$ 600, está satisfeita. Primeiro, porque não é suficiente. E segundo, qual é a perspectiva? Eu vejo que tem uma série de programas que você pode atrelar, como por exemplo a criança ficar na escola. Hoje, há uma evasão muito grande no ensino médio. Então você atrelar de alguma forma o ensino a esse programa seria ótimo para que as crianças continuem estudando.

É provável que alunos que terminam o ensino médio tenham uma renda maior do que aqueles que não terminam. Então, você dá uma oportunidade para as pessoas. Dá para atrelar [o Auxílio Brasil] a algum tipo de ensino profissionalizante.

Por que não atrelar o programa a algum tipo de capacitação profissional, adaptada para o mercado de trabalho atual, que permite com que aquela pessoa gere emprego e renda, seja reinserida no mercado formal de trabalho. Fazendo, assim, com que ela não dependa mais dos auxílios.

Há outras questões, por exemplo microcrédito para pequenos empreendedores. Eu sou uma dona de casa, posso ter perdido meu emprego, eventualmente eu posso fazer comida para vender. Então, eu posso conseguir algum tipo de ajuda para conseguir recursos. Você ser reinserido na sociedade é algo muito importante. Há várias maneiras de você aperfeiçoar o programa [Auxílio Brasil] para que a pessoa não fique eternamente dependente desse auxílio.

A discussão sobre o valor tem que ser feita de acordo com o cenário. Qual vai ser a inflação? Não é uma decisão só do presidente da República. Todas as ideias do plano de governo, todas, sem exceção, precisam da aprovação do Congresso Nacional. É um fato. Não é o presidente sozinho que vai definir nada disso, você precisa ter vontade política.

A questão do pagamento, eu acho que a gente tem vários gastos piores do que esse, ainda mais se tiver um bom desenho, que permita uma válvula de saída, aí é uma questão de ser discutido o que que dá para comprar com esse valor. A gente não pode permitir famílias que estejam em uma situação sem dignidade.

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.