Lula diz que “tentações autoritárias” desafiam democracia na América Latina e defende integração na volta do Brasil à Celac

Presidente participou da 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos e ressaltou realidades comuns aos países da região

Marcos Mortari

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva

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No retorno do Brasil à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) após um hiato de cerca de dois anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), destacou, nesta terça-feira (24), a necessidade de trabalhar na integração, no diálogo e na cooperação entre os países da região em um mundo marcado por desafios em múltiplas frentes.

“O mundo vive um momento de múltiplas crises: pandemia, mudança do clima, desastres naturais, tensões geopolíticas, pressões sobre a segurança alimentar e energética, ameaças à democracia representativa como forma de organização política e social. Tudo isso em um quadro inaceitável de aumento das desigualdades, da pobreza e da fome”, afirmou.

Lula agradeceu o apoio recebido de chefes de Estado latino-americanos após os atos golpistas de 8 de janeiro, que culminaram na invasão ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.

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“É importante ressaltar que somos uma região pacífica, que repudia o extremismo, o terrorismo e a violência política”, disse.

O mandatário afirmou, ainda, que boa parte dos desafios enfrentados são de natureza global e exigem respostas coletivas. “Não queremos importar para a região rivalidades e problemas particulares. Ao contrário, queremos ser parte das soluções para os desafios que são de todos”, pontuou.

A Celac é uma comunidade de países latino-americanos e caribenhos criada em 2010 e formalizada no ano seguinte. O grupo reúne 33 países e tem como principal agenda a integração regional, com princípios de cooperação política, econômica e social. Nele está imbuído o espírito de autodeterminação e redução da interferência de grandes potências sobre os destinos dos países e suas populações.

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O Brasil havia deixado o grupo há dois anos, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) – movimento que foi criticado por Lula em seu discurso nesta terça-feira (24) – sob a justificativa de não querer integrar um organismo com a presença de Venezuela e Cuba.

“Ao longo dos sucessivos governos brasileiros desde a redemocratização nos empenhamos com afinco e com sentido de missão em prol da integração regional e na consolidação de uma região pacífica, baseada em relações marcadas pelo diálogo e pela cooperação. A exceção lamentável foram os anos recentes, quando meu antecessor tomou a inexplicável decisão de retirar o Brasil da Celac”, disse.

Esta é a sétima cúpula realizada pela Celac, que atualmente é presidida por Alberto Fernández, presidente da Argentina. O evento ocorre em Buenos Aires, destino da primeira viagem internacional de Lula desde que assumiu a Presidência da República pela terceira vez, e foi tratado pelo mandatário brasileiro como um marco do retorno do país aos fóruns internacionais.

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Ao abrir a cúpula, Fernández pretendia que Lula fosse o primeiro presidente a falar, furando a fila, em uma deferência a esse retorno. O presidente, no entanto, preferiu manter a ordem e foi o quarto a discursar, mantendo a ordem alfabética.

“Nada deve nos separar, já que tudo nos aproxima. Nosso passado colonial. A presença intolerável da escravidão que marcou nossas sociedades profundamente desiguais. As tentações autoritárias que até hoje desafiam nossa democracia”, afirmou.

“Mas também a imensa riqueza cultural dos nossos povos indígenas e da diáspora africana. A diversidade de raças, origens e credos. A história compartilhada de resistência e de luta por autonomia. Tudo isso nos faz sentir parte de algo maior e alimenta nossa busca por um futuro comum de paz, justiça social e de respeito na diversidade”, prosseguiu.

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Lula também ressaltou que não só a integração dos 33 países é fundamental, mas também com outros países e blocos regionais, como a União Europeia, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e a União Africana.

“Há uma clara contribuição a ser dada pela região para a construção de uma ordem mundial pacífica, baseada no diálogo, no reforço do multilateralismo e na construção coletiva da multipolaridade”, frisou.

O presidente destacou, ainda, o papel da Celac frente aos desafios da segurança alimentar, da segurança energética e da mudança do clima e disse que a América Latina pode participar, “de forma vantajosa”, da transição energética global e liderar ações de preservação ambiental fundamentais para o planeta.

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Ele defendeu a união em torno da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que deve ter uma reunião este ano, convocada pelo Brasil. “A cooperação que vem de fora da nossa região é muito bem-vinda, mas são os países que fazem parte desses biomas que devem liderar, de maneira soberana, as iniciativas para cuidar da Amazônia”, afirmou.

Lula também chamou atenção para o fato de a pandemia de Covid-19 ter evidenciado riscos associados ao que ele classificou como “excessiva dependência” de insumos fundamentais para o bem-estar das populações locais.

“Isso não significa que devemos nos fechar ao mundo. Salienta apenas que essa integração será feita em melhores termos se estivermos bem integrados em nossa região. Temos de unir forças em prol de melhor infraestrutura física e digital, da criação de cadeias de valor entre nossas indústrias e de mais investimentos em pesquisa e inovação em nossa região”, argumentou.

“Nossa estratégia de desenvolvimento deve caminhar passo a passo com a redução da desigualdade em suas diversas dimensões, com a garantia de acesso aos direitos fundamentais no campo da educação, da saúde e do trabalho, entre tantos outros. Para crescermos de maneira sustentável não podemos seguir ostentando índices inaceitáveis de pobreza e fome, nem tampouco conviver com a desigualdade e a violência de gênero que atingem metade de nossas populações. É preciso respeitar e proteger nossos povos originários – até hoje ameaçados e negligenciados. É preciso trabalhar para que a cor da pele deixe de definir o futuro de nossos jovens”, disse.

Ataques à democracia

Anfitrião do encontro, o presidente argentino Alberto Fernández, que enfrenta esse ano uma difícil candidatura à reeleição, chamou atenção para o avanço da extrema-direita na América Latina.

“Vimos como setores da extrema-direita se levantaram e estão ameaçando cada um dos nossos povos. Não podemos permitir que essa direita recalcitrante e fascista coloque em risco a institucionalidade de nossos povos”, disse, citando como exemplos os ataques em Brasília, o atentado à sua vice, Cristina Kirchner, e a crise na Bolívia que levou à renúncia de Evo Morales.

O assunto foi tema também de fala de Lula no dia anterior, quando pediu aos argentinos, em fala na Casa Rosada, que não elegessem a extrema-direita no país.

(com Reuters)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.