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A minuta para a PEC da Transição apresentada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) na última quarta-feira (16), garante um espaço fiscal de pelo menos R$ 105 bilhões para novas despesas no Orçamento de 2023, mas pode oferecer um fôlego ainda maior ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu início de gestão.
O texto prevê que o Auxílio Brasil (programa que será rebatizado de Bolsa Família pelo próximo governo) fique permanentemente fora do teto de gastos – regra fiscal que limita a evolução de despesas públicas em um exercício ao comportamento da inflação acumulada no ano anterior.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023, enviado em agosto pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso Nacional, reserva R$ 105 bilhões para o programa de transferência de renda. O montante seria suficiente para bancar parcelas de R$ 400,00 às famílias atendidas, o que representaria um decréscimo de R$ 200,00 em relação ao valor pago atualmente.
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O mundo político já trabalha com a ideia de manutenção dos R$ 600,00 mensais pagos aos beneficiários, o que demandaria um incremento de R$ 52 bilhões na previsão orçamentária do programa – movimento avaliado como impossível de ser feito dentro do teto de gastos, dada a percepção de esgarçamento das despesas discricionárias.
Além disso, Lula quer garantir um adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos, em linha com promessa feita durante campanha eleitoral. Na prática, a medida custaria outros R$ 18 bilhões aos cofres públicos, totalizando R$ 175 bilhões na linha do Bolsa Família, caso as medidas sejam implementadas conforme planejado.
Os gastos também não serão contabilizados para a meta de resultado primário do exercício de 2023, nem precisarão seguir a chamada “regra de ouro”, segundo a qual o governo não pode contrair dívida para custear despesa corrente.
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Outra excepcionalidade criada para o programa de renda é que ele não precisará seguir as regras de criação, aperfeiçoamento e expansão da ação governamental – que incluem, por exemplo, a necessidade de compensar um gasto novo com um abatimento ou nova receita, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O documento entregue por Alckmin aos parlamentares também prevê que despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da federação ou entidades privadas também sejam excluídas da base de cálculo para os limites impostos pelo teto de gastos.
Desta forma, universidades poderiam ser incentivadas a buscar receitas incrementais aos repasses recebidos dos governos. Hoje, o teto de gastos impede que tais instituições, mesmo que recebam doações, possam utilizar os recursos, que iriam diretamente ao caixa da União e só poderiam ser utilizados no abatimento da dívida pública.
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Outro item presente no pacote de sugestões do novo governo ao Congresso Nacional prevê que despesas com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, no âmbito do Poder Executivo, custeadas por recursos de doações, também possam ficar de fora das regras fiscais. O raciocínio é semelhante ao caso das universidades. Em ambos é difícil fazer estimativas precisas de impacto fiscal.
Ainda na minuta entregue aos congressistas, Alckmin sugere que recursos obtidos a partir de “excesso de arrecadação” também possam ser utilizados fora dos limites do teto de gastos. Neste caso, o texto estabelece que os valores não poderão superar 6,5% do valor que a arrecadação superou as previsões da lei orçamentária em 2021 –na prática, cerca de R$ 23 bilhões.
Juntas, as excepcionalidades ao teto de gastos garantiriam um fôlego de aproximadamente R$ 198 bilhões ao novo governo para acomodar despesas no Orçamento. Montante que pode passar de R$ 200 bilhões incluindo as universidades e despesas com projetos socioambientais previstas no texto.
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Mas o Orçamento extrateto pode ser ainda maior em 2023. Isso porque o PLOA encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional estimava o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em alta acumulada de 7,2%. O indicador inflacionário é utilizado como parâmetro de ajuste do teto.
Hoje, contudo, a média das expectativas dos economistas do mercado financeiro consultados pelo Banco Central é de 5,82%, de acordo com o mais recente Relatório Focus, divulgada na última segunda-feira (14). Isso indica diferença de -1,38 ponto percentual em relação à estimativa utilizada pelo governo federal na peça orçamentária.
Caso as projeções do mercado se confirmem, haveria um descompasso de cerca de R$ 22 bilhões em relação ao teto de gastos para o Poder Executivo, que neste ano era limitado a R$ 1,609 trilhão. Se os valores não forem revisados no PLOA durante a tramitação no parlamento, seria mais uma brecha para um Orçamento mais robusto à disposição do novo governo.
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O quadro poderia aprofundar a percepção de agentes do mercado de uma tendência de deterioração da política fiscal, diante dos acenos por mais gastos de Lula e da ausência de indicações sobre a equipe econômica da próxima administração e de discussões sobre a construção de um novo arcabouço fiscal. Ainda que o uso de projeção “equivocada” da inflação não necessariamente garanta a execução de despesas extrateto no próximo exercício, já que em tese seria preciso contingenciar.