Jair Bolsonaro é indiciado pela Polícia Federal em inquérito sobre joias

Ex-presidente foi indiciado pela PF pelos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bens públicos; material será encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR)

Fábio Matos

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A Polícia Federal (PF) indiciou, nesta quinta-feira (4), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 11 pessoas no inquérito que apura se ele e ex-assessores se apropriaram indevidamente de joias dadas “de presente” pela Arábia Saudita ao governo do Brasil.

A informação foi divulgada inicialmente pelo jornalista Cesar Tralli, da TV Globo.

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Bolsonaro foi indiciado pela PF pelos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bens públicos. Também foram indiciados Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia; Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social; Frederick Wassef, advogado do ex-presidente; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; entre outros (veja mais abaixo).

O relatório final da corporação foi encaminhado para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que é o relator do caso na Corte. O magistrado agora vai encaminhar o material à Procuradoria-Geral da República (PGR), que avaliará se há ou não evidências suficientes para que Bolsonaro seja denunciado. O órgão também pode pedir o arquivamento do caso ou solicitar à PF que aprofunde as investigações.

Caso Bolsonaro seja denunciado pela PGR, caberá ao STF analisar o caso e decidir se o ex-presidente se tornará réu ou não. O Supremo, em tese, também poderia arquivar a denúncia ou remeter o caso para a primeira instância do Poder Judiciário.

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De acordo com as investigações da PF, Bolsonaro recebeu as joias durante o exercício de seu mandato e teria tentado vendê-las ilegalmente nos Estados Unidos a partir de junho de 2022 – último ano de seu mandato à frente do Palácio do Planalto. Entre os itens estavam um relógio da marca Rolex de ouro branco, um anel, abotoaduras e um rosário islâmico entregue a Bolsonaro durante uma viagem à Arábia Saudita, em 2019.

Segundo as regras do Tribunal de Contas da União (TCU), presentes de governos estrangeiros devem ser incorporados pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), órgão da Presidência da República responsável pela guarda desses itens.

No entanto, de acordo com a investigação da PF, os itens teriam sido destinados ao acervo pessoal de Bolsonaro. A partir de meados de 2022, eles teriam sido vendidos fora do país, em negociações que teriam sido operacionalizadas pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.

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Veja a lista com todos os indiciados pela PF:

Entenda o caso

O ex-presidente Jair Bolsonaro em 04/10/2022 (Foto: Adriano Machado/Reuters)

Segundo a PF, o então ministro Bento Albuquerque trouxe de viagem à Arábia Saudita, realizada em outubro de 2021, um conjunto de itens masculinos da marca Chopard, contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (‘masbaha’) e um relógio, presenteados pela família real daquele país. O patrimônio foi batizado de “Kit Ouro Rosé” e teve valor estimado em US$ 120 mil.

Contam os investigadores que os itens foram evadidos ilegalmente, no fim de dezembro de 2022, por meio do avião da Presidência da República, e submetido à venda em procedimento de leilão através da empresa Fortuna Auction, em Nova York, nos Estados Unidos. Segundo eles, no entanto, por circunstâncias alheias à vontade dos investigados, as joias não foram arrematadas ‒ o que permitiu que Bolsonaro pudesse devolver os bens ao Estado brasileiro, em 24 de março de 2023, após determinação do TCU.

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A Polícia Federal narra troca de mensagens entre os envolvidos no qual Mauro Cid questiona a necessidade de devolução dos bens, sob a alegação de que eles teriam sido identificados como “itens personalíssimos” e que seriam de livre destinação a critério do ex-presidente. Os investigadores indicam que, “além da existência de um esquema de peculato para desviar ao acervo privado do ex-presidente Jair Bolsonaro”, os presentes de alto valor recebidos, os envolvidos tinham “plena ciência das restrições legais da venda dos bens no exterior”.

Os investigadores também fazem menção a outro conjunto de bens do acervo privado de Bolsonaro batizado como “Kit Ouro Branco”, composto por um anel, abotoaduras, um rosário islâmico (“masbaha”) e um relógio da marca Rolex, de ouro branco, entregues ao ex-presidente em sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019. Neste caso, os itens chegaram a ser vendidos e foram recuperados posteriormente pelos envolvidos após a divulgação de reportagens e o avanço de investigações sobre o assunto.

Segundo a Polícia Federal, a operação envolvendo o “Kit Ouro Branco” teria ocorrido em junho de 2022, antes portanto da última descrita, mas também com a utilização de avião presidencial. Naquele mês, Bolsonaro viajou aos Estados Unidos para participar da Cúpula das Américas. Conforme descrito pelos investigadores, os bens foram mantidos na residência do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai do então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. À época, o militar trabalhava no escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Miami, nos EUA.

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Conta a investigação que Mauro Cid vendeu o relógio Rolex Day-Date 18946, produzido em ouro branco, em junho de 2022 para o estabelecimento Precision Watches, localizado na cidade de Willow Grove, na Pensilvânia (EUA). Na mesma operação, também foi vendido relógio Patek Philippe, ambos totalizando o valor de US$ 68 mil, pago na conta do pai do ajudante de ordens. Os demais itens que compunham o “Kit Ouro Branco” foram vendidos no mesmo mês no complexo Seybold Jewelry Building, em Miami.

Segundo a PF, o grupo próximo ao ex-presidente iniciou uma operação para resgatar bens vendidos e devolvê-los ao governo brasileiro, de modo a cumprir determinação do TCU. No caso do “Kit Ouro Branco”, houve maior preocupação em razão de as vendas dos objetos terem sido feitas de forma separada.

A operação de recuperação do Rolex envolveu diretamente o nome do advogado de Bolsonaro, Frederick Wasseff, que mais tarde admitiu ter desembolsado quase US$ 50 mil para reaver o relógio de luxo, após mudar de versão três vezes sobre os fatos. Ele foi alvo de operação de busca e apreensão autorizada pela Justiça na última quarta-feira (16). Já as demais joias foram recuperadas por Mauro Cid em viagem a Miami no fim de março. Em 4 de abril, o kit completo foi entregue à Caixa Econômica Federal.

“Cabe salientar, que toda a operação foi realizada de forma escamoteada, fato que permitiu os investigados devolverem os bens sem revelar que todo o material estava fora do país, ao contrário das afirmações prestadas, inclusive em procedimento criminal instaurado para apurar a possível entrada irregular das joias que integravam o denominado ‘Kit Rose’, em que afirmaram que todo o acervo do ex-presidente Jair Bolsonaro estava armazenado na localidade denominada ‘Fazenda Piquet’, no Distrito Federal. Da mesma forma, a operação encoberta permitiu que, até o presente momento, as autoridades brasileiras não tivessem conhecimento que os bens foram alienados no exterior, descumprindo os normativos legais, com o objetivo de enriquecimento ilícito do ex-presidente JAIR BOLSONARO, e posteriormente recuperados para serem devolvidos ao Estado brasileiro”, pontuaram os investigadores.

Os investigadores também relatam informações de um relógio Patek Philippe com certificado de origem e valor verificado de US$ 51.665,00, conforme pesquisa feita por Mauro Cid. O relógio, obtido durante viagem presidencial ao Bahrein, foi vendido pelo ajudante de ordens na loja Precision Watches, na cidade de Willow Grove, no estado da Pensilvânia (EUA), juntamente com o Rolex Day-Date, com recursos pagos à conta do general Mauro Cesar Lourena Cid.

A Polícia Federal diz que não foi identificado nenhum registro do relógio Patek Phillipe em consulta a documentos referentes ao acervo privado de Bolsonaro, o que indica que o bem sequer teria passado pelo então Gabinete Adjunto de Documentação Histórica – GADH (hoje DDH) para realização do tratamento e classificação.

“Tal fato explicaria não ter existido, ao contrário dos demais itens desviados, uma ‘operação’ para recuperar o referido bem, pois, até o presente momento, o Estado brasileiro não tinha ciência de sua existência”, afirmaram os investigadores.

A lei nº 8.394 (de 30 de dezembro de 1991) trata dos acervos documentais privados de presidentes e o acesso à sua consulta e pesquisa. Segundo o texto, “os documentos que constituem o acervo presidencial privado são na sua origem, de propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda”.

O mesmo dispositivo, no entanto, determina que os acervos documentais privados “integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público”, sendo sujeitos a duas restrições: 1) em caso de venda, a União terá direito de preferência; e 2) não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União.

Desta forma, os investigadores alegam ter havido descumprimento de ambos os dispositivos com a evasão dos bens ao exterior e tentativa de venda sem qualquer comunicação oficial junto ao Estado brasileiro.

As autoridades policiais argumentam que, na administração de Bolsonaro, “a GADH atribuiu presentes de altíssimo valor, dados por autoridades estrangeiras, ao acervo privado do Presidente da República, adotando uma interpretação que contraria os princípios que regem a Administração Pública e a teleologia do acórdão proferido pelo TCU, que teve a finalidade, atendendo ao interesse público, de esclarecer e ratificar o entendimento de que a regra é a incorporação ao acervo público da União, dos presentes recebidos pelos Chefes de Estado brasileiro, em razão da natureza pública do cargo que ocupa, visando com isso, evitar a destinação de bens de alto valor ao acervo privado do Presidente da República”.

“O referido entendimento firmado pela GADH, na gestão do ex-presidente da república Jair Bolsonaro, além de chancelar um enriquecimento inadmissível pelo Presidente da República, pelo simples fato de exercer uma função pública, proporciona a possibilidade de cooptação do chefe de Estado brasileiro, por nações estrangeiras, mediante o recebimento de bens de vultosos valores”, pontuaram.

Os investigadores apontam, ainda, um modus operandi que consistiu na criação de uma estrutura para desviar bens de alto valor presenteados por autoridades estrangeiras a Bolsonaro, para serem posteriormente evadidos do Brasil por meio de aeronaves da Força Aérea Brasileira e vendidos nos Estados Unidos.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”