Imposto sobre grandes fortunas: como anda a ideia no governo de taxar “super-ricos”?

Tema, previsto na própria Constituição Federal, nunca avançou no Congresso Nacional, apesar de diversos projetos na mesa; governo busca formar coalizão internacional

Marcos Mortari

(Shutterstock)
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Bandeira histórica de partidos de esquerda mundo afora e matéria prevista na própria Constituição Federal, a tributação sobre grandes fortunas voltou ao centro do debate nacional durante a gestão brasileira à frente do G20 (grupo que reúne as maiores economias do planeta) e em um contexto de desequilíbrio das contas públicas no País. Mas o plano concreto para a cobrança ainda é pouco conhecido.

Em meio ao debate sobre a reforma tributária, em andamento no Congresso Nacional, e a construção de um sistema mais progressivo de cobrança de impostos no país, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dobrado a aposta no lema de “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”, embora ainda não tenha apresentado com clareza os termos do novo imposto para os mais ricos.

Segundo o secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a ideia levada à discussão pelo governo brasileiro nos fóruns internacionais se baseia nas sugestões do economista francês Gabriel Zucman, o que poderia envolver o conceito de imposto sobre patrimônio como garantia do pagamento de um montante mínimo de Imposto de Renda por grupos de maior renda.

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“Basicamente, a ideia é, no caso dos muito ricos, ter uma alíquota anual sobre o patrimônio, que só seria cobrada se a tributação via Imposto de Renda dessas pessoas não chegasse a determinado valor”, explicou em entrevista ao InfoMoney.

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Isso porque muitos dos chamados “super-ricos” atualmente contam com benefícios tributários (caso da própria isenção para a distribuição de lucros e dividendos) que tornam as alíquotas efetivas de impostos por eles recolhidas muito baixas ─ em muitos casos, irrisórias em termos percentuais quando comparadas àquelas cobradas sobre grupos mais pobres da população, que normalmente têm uma fatia maior de seu orçamento comprometida pela mordida do leão.

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“No fundo, é um imposto sobre patrimônio que serve como imposto de renda mínimo para as pessoas muito ricas. É isso que está sendo levado para discussão no G20. O que acontece em muitos casos é que pessoas muito, muito ricas muitas vezes não pagam nada de Imposto de Renda”, prosseguiu Appy.

Na última reunião de ministros pelo G20, Fernando Haddad (PT) fez um discurso enfático pela cobrança de impostos sobre os “super-ricos” como instrumento para arrecadar recursos para o combate à fome e o enfrentamento às mudanças climáticas no mundo. Em sua fala, ele também destacou subterfúgios usados por bilionários para driblar os sistemas tributários em vez de recolher os impostos devidos.

“Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos”, disse o ministro em julho. “Se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano. Ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022.”

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No Brasil, a Constituição Federal atribui à União instituir impostos sobre: 1) importação; 2) exportação de produtos nacionais ou nacionalizados; 3) renda e proventos de qualquer natureza; 4) produtos industrializados; 5) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; 6) propriedade territorial rural; 7) grandes fortunas, nos termos de lei complementar (que jamais foi regulamentada); e 8) produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.

Por diversas vezes, parlamentares de diversas correntes ideológicas tentaram avançar com projetos de lei complementares para regulamentar a taxação sobre grandes fortunas. Algumas das tentativas mais recentes foram encampadas pelos deputados federais Jorge Goetten (PL-SC), com o PLP 69/2023; Luiza Erundina (PSOL-SP), com o PL 2726/2022; e Nereu Crispim (PSD-RS), com o PLP 74/2022.

Antes deles, uma das iniciativas mais conhecidas foi a da ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS), assinada em conjunto com colegas de bancada. O texto traz o desenho mais comum para esse tipo de tributação: a cobrança sobre o patrimônio a partir de determinado montante, com alíquotas crescentes por faixa.

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Mas um modelo novo também chegou a ser discutido no mundo político, que envolve um híbrido entre estoque e fluxo. Neste caso, a ideia seria utilizar o estoque para definir o grupo de pessoas sujeitas à tributação a partir do patrimônio acumulado, mas a cobrança seria feita a partir da renda anual de cada uma delas ─ proposta que se aproxima daquela oferecida por Gabriel Zucman.

Nos textos que tramitam na Câmara dos Deputados também há diferença na linha de corte para a tributação. Luciana Genro defendia a cobrança em casos de patrimônio acima de R$ 2 milhões. Já Goetten e Crispim miram valores que superem R$ 10 milhões.

Apesar das diversas alternativas à mesa, o encaminhamento da matéria pelo governo federal ainda parece mais distante na prática. Isso porque a estratégia é tentar avançar com o assunto no plano internacional, onde esse tipo de iniciativa ainda enfrenta fortes resistências de alguns países e deve andar com morosidade.

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Segundo Appy, tal estratégia se dá em razão dos riscos de disputas entre os países caso a cobrança do imposto sobre os “super-ricos” seja instituída de forma descoordenada em algumas jurisdições. Ainda assim, a avaliação de integrantes do Ministério da Fazenda é que o simples fato de o tema ter entrado na ordem do dia de um organismo internacional como o G20 já representaria um avanço no debate e maiores chances de êxito para a agenda deste tipo de tributação.

“O Brasil está tratando isso como uma agenda internacional. Entendemos que essa é uma agenda que deve ser construída internacionalmente, até para evitar disputas entre países para atrair pessoas a partir de uma menor tributação”, pontuou Appy.

Como todo acordo em nível internacional, caso a ideia prospere entre os países, ela também precisa ser ratificada internamente em cada jurisdição ─ o que também seria missão nada simples no Congresso Nacional.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.