Imposto sobre exportações de petróleo pode gerar questionamentos jurídicos; especialistas veem distorção

Tributo está entre exceções para cumprimento de noventena, mas especialistas questionam se finalidade extrafiscal não foi burlada por objetivo arrecadatório

Marcos Mortari

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A decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de tributar em 9,2% a exportação de petróleo cru pelos próximos quatro meses para compensar a prorrogação parcial de uma desoneração de impostos federais sobre os combustíveis divide tributaristas e pode gerar questionamentos na Justiça.

A ação, anunciada ontem (28) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista coletiva e publicada na forma de Medida Provisória (MPV 1.163/2023) no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (1º), tem impacto estimado em R$ 6,6 bilhões para os cofres públicos.

Pela nova regra, a gasolina sofrerá reoneração de R$ 0,47 por litro. Considerando o anúncio de redução de preços feito pela Petrobras mais cedo, o saldo líquido é de R$ 0,34 por litro − o que não necessariamente significa que este será o exato impacto na bomba para o consumidor final.

Já no caso do etanol, a retomada de impostos federais significará um incremento de R$ 0,02 nos preços cobrados por litro. Em relação ao diesel, a expectativa é de queda nos preços, já que a isenção tributária está mantida até o fim do ano e a Petrobras anunciou redução de preços de R$ 0,08 por litro.

Apesar da reoneração, as alíquotas anunciadas ainda não são as originais para os tributos federais. Caso houvesse cobrança integral dos impostos, o impacto por litro seria de R$ 0,69 no caso da gasolina e de R$ 0,24 para o etanol. Ou seja, diferença de R$ 0,22 nos dois casos em relação ao que será cobrado a partir de março e deve ser mantida por quatro meses.

E é justamente essa frustração de receitas, estimada em R$ 6,6 bilhões, que o governo quer compensar com o imposto sobre exportações de petróleo cru. Na prática, as medidas anunciadas ontem distribuem os custos da volta dos tributos federais sobre os combustíveis, evitando uma escalada de preços para o consumidor, e repassando parte para a Petrobras e exportadoras da commodity.

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O movimento permite que o governo cumpra o objetivo de arrecadação de R$ 28,9 bilhões esperados com a volta da cobrança de impostos federais sobre combustíveis neste ano. A medida já estava prevista em um conjunto de ações anunciadas por Haddad para equilibrar as contas públicas e foi alvo de intensa queda de braço com a ala política do governo.

As novas alíquotas já entram em vigor nesta quarta-feira (1º). Isso porque, apesar de se tratar de majoração de tributo, o imposto sobre exportações é um dos poucos que não precisam cumprir noventena (isto é, uma carência de 90 dias para entrar em vigor), conforme previsto pela própria Constituição Federal.

“Por se tratar de tributo dotado de extrafiscalidade, ou seja, que possui outras funções além da arrecadação, também utilizado para estimular ou desestimular ações dos contribuintes, por exemplo, não está sujeito aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal”, explica o advogado Denis Camargo Passerotti, sócio do escritório Passerotti Sociedade de Advogados e membro da Comissão de Infraestrutura da OAB-SP.

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O advogado Felipe Santos Costa, sócio do escritório MV Costa Advogados, especializado em direito tributário, explica que este tributo normalmente é utilizado de acordo com estratégias de política externa, como instrumento de reciprocidade em relação a medidas adotadas por outros países, ou para estimular o mercado interno em determinado setor − e nem sempre surte os efeitos desejados.

Mas a medida anunciada pelo governo foi considerada polêmica por especialistas, já que o imposto sobre exportações é considerado tributo regulatório, sem finalidades propriamente fiscais − o que pode contrariar a intenção apresentada por integrantes do governo no anúncio de ontem.

“A medida anunciada pelo ministro da Fazenda é polêmica e perigosa sob a perspectiva de política econômica (já que o Brasil, como regra evita a utilização de tal imposto em razão de seus efeitos usualmente negativos sobre eficiência econômica), o que certamente trará mais força para eventuais discussões jurídicas que visem contestar sua cobrança”, avalia o advogado Rodrigo Petry Terra, sócio do escritório Almeida Advogados.

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“O Imposto de Exportação é um tributo de natureza extrafiscal, ou seja, tem finalidade mais regulatória do que arrecadatória. Por ter essa essência regulatória, a Constituição Federal excepcionou o Imposto de Exportação do princípio da anterioridade (tanto anual quanto nonagesimal)”, explica o advogado Diogo Martins Teixeira, sócio da área Tributária do Machado Meyer Advogados.

“Ocorre que o que o governo pretende é desvirtuar a essência do Imposto de Exportação, estabelecendo uma finalidade arrecadatória e possivelmente com destinação de recursos vinculada. Em sendo isso, a natureza jurídica mais correta é de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), e não Imposto de Exportação. A Cide não pode ser instituída sobre receitas de exportação de acordo com a Constituição Federal, tornando a cobrança ainda mais controversa”, observa.

Avaliação similar tem o advogado Guilherme Manier, sócio da área tributária de Viseu Advogados, que fala em “pontos frágeis”, do ponto de vista jurídico, na medida anunciada pelo governo federal. Para ele, no caso específico, é possível interpretar que o imposto sobre exportações “está destinado a fazer frente ao aumento de despesa no setor de combustíveis”.

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“A justificativa do governo para instituição do imposto sobre exportação parece ser exclusivamente fiscal, de modo que haveria a utilização de um expediente predominantemente extrafiscal para fins exclusivamente fiscais, o que é algo estranho, para dizer o mínimo”, concorda Carlos Eduardo Navarro, sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, professor da pós-graduação em Direito Tributário da Escola de Direito da FGV-SP.

O advogado ressalta que a tributação sobre exportação é sempre excepcional, justamente porque um princípio econômico básico é ter maior competitividade no mercado internacional. Tal instrumento normalmente é utilizado para evitar a saída de um bem do território nacional, mas o especialista acredita que a lógica pode ter sido desvirtuada na medida provisória editada pelo governo federal.

Para além dos efeitos sobre o próprio mercado de petróleo, o imposto sobre vendas externas de uma commodity também foi considerado um sinal preocupante para outros setores do Brasil, grande exportador de matérias-primas, como soja e minério de ferro.

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“Maneira fácil de conseguir dinheiro, mas abre um precedente perigoso para outros setores”, disse o professor da PUC-Rio Edmar de Almeida, à Reuters. O segmento do agronegócio, por exemplo, demonstrou anteriormente preocupação sobre taxação de exportação de produtos como a soja, o que vem sendo descartado pelo Ministério da Agricultura.

(com Reuters)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.