Haddad fala em cortar R$ 150 bilhões em gastos tributários: “vamos abrir a caixa-preta das renúncias fiscais”

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ministro da Fazenda diz que pretende abrir os benefícios fiscais recebidos por cada CNPJ no país

Luís Filipe Pereira

Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda
Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse que quer abrir o que ele chamou de “caixa-preta” das renúncias tributárias e reduzir em 1/4 o montante hoje estimado em R$ 600 bilhões anuais para reequilibrar as contas públicas e garantir o atingimento das metas previstas no arcabouço fiscal.

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ele disse que a Receita Federal e a Advocacia Geral da União (AGU) devem atuar em conjunto para divulgar a lista de todos os CNPJs das empresas que atualmente são beneficiadas por algum gasto tributário.

“Estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos abrindo mão, renunciando R$ 600 bilhões, que deveriam ser pagos. Vamos supor que, de legítimo desses R$ 600 bilhões – Santas Casas, entidades beneficentes, Prouni (programa de financiamento estudantil) –, isso tudo chega a quanto? A R$ 200 bilhões, R$ 300 bilhões. Ainda é o dobro do que nós precisamos para fechar as contas”, disse.

De acordo com o ministro, a revisão dos benefícios pode ser divulgada através de um site explicitando o CNPJ das empresas e as justificativas para o gasto tributário. A medida tem sido cobrada há anos por setores da sociedade civil, mas nunca avançou, em razão de entendimento de que poderia representar uma violação de sigilo fiscal das companhias – o que a atual equipe econômica discorda.

“Se a AGU entra nisso e a gente explicitar qual é o gasto tributário e para o que ele está sendo feito, qual é a justificativa, eu creio que muitas dessas coisas saem. Falava-se muito de caixa preta do BNDES, mas ele não existia. Mas no Orçamento ela existe. A maior caixa preta do Orçamento é o gasto tributário. Falava-se muito em orçamento secreto. Esse orçamento é o mais secreto de todos”, disse o ministro.

“Por que alguém se insurge contra o orçamento secreto, o BNDES, e quando vai falar de gasto tributário, fica todo mundo com medo de falar? Eu não vejo a turma vir a público defender essa agenda. Cadê a turma do equilíbrio macroeconômico? Não adianta esses economistas liberais falarem: ‘é muito difícil de conseguir’. Lutem pela causa”, cobrou.

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Segundo Haddad, a apresentação dos dados de maneira transparente seria uma forma de indicar à sociedade o quanto se abre mão em valores que poderiam se aplicados em políticas públicas nas áreas da Educação e Assistência Social.

[Será diferente] se a imprensa trouxer para a luz do dia – e vocês continuarem trazendo – que nós, ao invés de matar a fome, de atender as pessoas no posto de saúde, reduzir a fila do SUS, estamos aprovando um benefício fiscal para quem não precisa, se isso estiver escancarado aos olhos de todo mundo, como eu pretendo. Estamos dialogando com a AGU (Advocacia Geral da União), que temos que explicitar os benefícios fiscais CNPJ por CNPJ”,  destacou.

Dentro dos R$ 600 bilhões calculados em gastos tributários estão medidas custosas para os cofres públicos mas que contam com forte apoio de setores da sociedade. Na entrevista, Haddad disse que não mexerá com o Simples Nacional (regime simplificado de tributação de empresas de até pequeno porte) e com a desoneração da folha de salários (redução dos encargos cobrados sobre os vencimentos de funcionários) – ambas iniciativas de governos petistas.

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Confrontado pelo fato de a narrativa de ataque a privilégios ter sido usada por outros governos que não obtiveram os resultados desejados, Haddad acredita haver uma nova conjuntura que pode favorecer tal postura. “Ah, mas é que chegou no limite. Chegou no limite social, estamos tirando o pão da mesa do trabalhador para engordar o lucro de empresas que estão tendo lucro. Mas essa agenda, muitos governos e ministros falaram e nunca de fato foi enfrentada. Não creio que ela foi abraçada como está sendo agora. Eu despacho com relator de MP, de projeto de lei, ministro do STJ, ministro do STF, despacho todo o dia. Eu estou negociando pessoalmente”, pontuou.

Na avaliação do chefe do Ministério da Fazenda, a aprovação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), unificando ICMS, ISS, PIS e Cofins, considerado uma das bases das propostas de reforma tributária que são debatidas pelo Congresso Nacional atualmente, trará segurança para a política fiscal.

“A reforma tributária é o grande antídoto contra futuras investidas em relação à base fiscal do Estado. A reforma tributaria estabiliza uma base fiscal. Vamos trabalhar com essa base, que dá uma sustentabilidade fiscal muito grande para o País”, afirmou.

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O ministro considera que a quantidade de excepcionalidades permitidas no regime tributário atual facilita as investidas contra a base de receitas atual do Estado.

“Vamos ficar mais sete anos sem reajuste do salário mínimo para manter esses gastos tributários? Mais sete anos sem médico? Sem reajuste da bolsa da Capes, tirando dinheiro da educação para sustentar esse gasto? Fica para a sociedade o que se está fazendo com o dinheiro dela: ‘olha, eu não vou dar reajuste de salário mínimo porque eu vou dar uma subvenção de R$ 5 bilhões para tal empresa’”, frisou o ministro.