Haddad diz que não aceitará “absurdos” R$ 220 bilhões de déficit em 2023 e reafirma compromisso com nova âncora fiscal

Ministro da Fazenda de Lula promete articulação entre políticas fiscal e monetária e defende "Estado forte", não "obeso"

Marcos Mortari

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Em seu primeiro discurso após tomar posse, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou, nesta segunda-feira (2), que sua primeira missão no comando da pasta será “reconstruir a casa”, revendo atos praticados durante o governo Jair Bolsonaro (PL), especialmente às vésperas das eleições de 2022.

“Estamos mais próximos da necessidade de reconstruir a casa, mais do que simplesmente arrumá-la”, disse o novo comandante da equipe econômica do governo.

O pronunciamento foi feito no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), espaço utilizado nos últimos dois meses como sede do gabinete da equipe de transição de governo, em Brasília. Assista a trecho pelo vídeo acima.

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Durante a fala, Haddad lembrou de políticas adotadas pela gestão anterior que retiraram filtros para o acesso a programas sociais e políticas públicas que tiveram por objetivo exclusivamente ajudar na reeleição de Bolsonaro. Entre as medidas, ele também citou desonerações fiscais a empresas sem critérios técnicos.

“Foram duros golpes desferidos contra o povo eleitoralmente, eleitoreiramente. Não apenas contrariam o bom senso e a recomendação técnica da própria economia. Foram deliberadamente irresponsáveis para tentar evitar o inevitável: a derrota deste projeto autoritário”, afirmou.

“Com o objetivo exclusivamente eleitoreiro, acabaram com o filtro de seleção de beneficiários de programas de transferência de renda e de benefícios constitucionais, como é o caso dos benefícios previdenciários, comprometendo completamente a austeridade desses programas e, consequentemente, a austeridade fiscal do país”, continuou.

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Haddad foi candidato à Presidência da República em 2018, substituindo a candidatura do agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à época barrado pela Lei da Ficha Limpa em razão de condenação no âmbito da Operação Lava Jato. As decisões judiciais foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021 – o que abriu caminho para Lula disputar as eleições em 2022.

Logo no início de seu discurso, o novo ministro se referiu ao dia 1º de janeiro – data em que Lula tomou posse pela terceira vez como presidente da República – “o dia em que a democracia se restabelece soberana em nosso país”.

Em sua fala, Haddad também destacou duas medidas editadas pelo governo Bolsonaro no penúltimo dia de gestão que provocariam impacto fiscal superior a R$ 10 bilhões. Um dos decretos reduzia de 9,65% para 4,65% a alíquota de Pis/Cofins pagos sobre receitas por empresas do regime não cumulativo. O dispositivo beneficiaria especialmente grandes empresas, que adotam o modelo.

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“Esses são os patriotas que deixam o poder”, ironizou. Ele estimou o impacto de medidas que chamou de eleitoreiras em R$ 300 bilhões.

Haddad também disse que “não aceitará” um resultado fiscal neste ano que não seja melhor do que a atual previsão de déficit de R$ 220 bilhões – cifra que classificou como “absurda”. O montante consta da Lei Orçamentária Anual, aprovada em dezembro pelo Congresso Nacional.

“Vamos trabalhar arduamente para rever todos os atos, que inclusive considero ilegais, que provocaram essa situação”, frisou.

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No seu primeiro discurso como ministro do novo governo, Haddad reafirmou o compromisso de encaminhar ao Congresso Nacional, ainda no primeiro semestre, a proposta de um novo arcabouço fiscal para o país, em substituição do teto de gastos. A PEC da Transição, promulgada pelo parlamento no mês passado, prevê a apresentação de uma lei complementar sobre o assunto até 31 de agosto deste ano.

“Assumo com todos vocês o compromisso de enviar, ainda no primeiro semestre, ao Congresso Nacional, a proposta de um novo arcabouço fiscal que organize as contas públicas pelo longo prazo, que seja confiável e, principalmente, um arcabouço que seja respeitado e cumprido”, disse.

Para Haddad, as metas previstas para indicadores econômicos precisam ser construídas dentro de um “equilíbrio fino” entre ambição e factibilidade. “Se você se propõe uma meta inalcançável, você não tem meta nenhuma. Se você se propõe uma meta que não seja ambiciosa, você não motiva o país”, explicou.

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“Nós sabemos da necessidade de colocar os indicadores econômicos no rumo certo. Não existe um economista mais preocupado do que outro em relação à sustentabilidade e higidez das nossas contas públicas. Um Estado forte não é um Estado grande, um Estado obeso. É um Estado que entrega, com responsabilidade, aquilo que está previsto na Constituição”, afirmou.

Segundo o novo ministro, o arcabouço fiscal terá “premissas confiáveis” e demonstrará “tecnicamente” a sustentabilidade das finanças públicas. Mas a regra fiscal também deverá abraçar “o financiamento e o guarda-chuva de programas prioritários do governo”.

A saúde das constas públicas é uma das grandes preocupações de agentes econômicos para o novo governo, sobretudo em meio à necessidade de se adequar a demanda crescente por políticas públicas com o quadro de restrição fiscal do país.

No seu primeiro discurso, Haddad disse que apresentará, nas primeiras semanas de gestão, as medidas que julga necessárias para recuperar a confiança de investidores e dos cidadãos. E sinalizou que sua pasta trabalhará em sintonia com o Banco Central.

“Não existe política fiscal ou política monetária isoladamente. O que existe é política econômica, que precisa estar harmonizada ou o Brasil não se recuperará da tragédia do governo Bolsonaro”, disse.

O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central em sua última reunião, realizada em 7 de dezembro e que manteve a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano, trouxe recados claros à equipe de Lula sobre o quadro de combate à inflação.

Entre os riscos inflacionários no horizonte, os integrantes da autoridade monetária destacaram uma maior persistência das pressões inflacionárias globais, a “elevada incerteza” sobre o futuro arcabouço fiscal do país e “estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada”.

A preocupação de agentes econômicos com o ambiente fiscal é traduzida em projeções de uma inflação persistente em patamares elevados e, consequentemente, na possibilidade de juros altos por um período mais longo – o que pode afetar as perspectivas de crescimento do país.

Haddad disse que trabalhará na construção de um plano de sustentabilidade social, ambiental e econômica de longo prazo e que o ritmo das medidas apresentadas serão ditadas pelo Palácio do Planalto. E exaltou a necessidade do diálogo político para a aprovação de projetos.

“Não podemos temer a política. Não podemos temer o diálogo e já, de forma preconceituosa, tachar as pessoas que não caminharam conosco até aqui de adversários de um projeto nacional. Vamos construir juntos este projeto, inclusive com a oposição”, afirmou.

Ele listou quatro compromissos prioritários de sua gestão à frente do Ministério da Fazenda: 1) recuperação das contas públicas; 2) combate à inflação; 3) retomar o crescimento econômico com sustentabilidade e responsabilidade; e 4) dar prioridade ao social, através da geração de empregos, oportunidades, renda, salários dignos e comida na mesa a preços mais justos.

Quanto às relações com o setor privado, Haddad defendeu a realização de Parcerias Público-Privadas (as PPPs) de modo a garantir serviços à população dentro das condições orçamentárias do governo. “É bom que o setor privado esteja atento às oportunidades. Temos que sair deste pensamento binário – ou estatal ou privado. Há muita coisa que pode e deve ser feita conjuntamente”, disse.

“Nós não somos dogmáticos, somos pragmáticos, queremos resultados. Mas nós seguimos princípios e valores”, pontuou.

Haddad também disse estar “muito confortável” em compor a equipe econômica do novo governo com o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), que assume o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); com a senadora Simone Tebet (MDB), no Ministério do Planejamento e Orçamento; e com Esther Dweck, no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

“Éramos o posto Ipiranga, agora somos uma rede de postos, quatro que vão fazer a diferença no Brasil”, disse em uma provocação ao seu antecessor, Paulo Guedes, que reunia as atribuições das quatro pastas no Ministério da Economia.

“É muito ruim concentrar todos os ovos numa cesta. Nós queremos agir colegiadamente, ouvir a sociedade. Não estamos aqui para dar aula, estamos aqui para colocar nossos argumentos e aprender, buscar o melhor caminho”, afirmou.

Haddad assume o ministério com os principais integrantes de sua equipe definidos. O secretário-executivo da pasta escolhido foi Gabriel Galípolo, formado pela PUC-SP e que já presidiu o Banco Fator. A Secretaria de Política Econômica ficou com Guilherme Mello, professor da Unicamp, um dos principais centros da escola heterodoxa e desenvolvimentista do País.

Marcos Barbosa Pinto será o secretário de Reformas Econômicas e Rogério Ceron, assume a Secretaria do Tesouro Nacional. O primeiro tem passagens pelo BNDES, pela CVM e pelo BID e trabalhou com Haddad no Ministério do Planejamento durante o primeiro governo Lula.

Já o segundo comandou a SP Parcerias, companhia responsável pela estruturação de concessões, PPPs e alienações de ativos na gestão de Haddad na prefeitura de São Paulo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.