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O novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou, nesta terça-feira (3), que pretende iniciar a discussão com o Congresso Nacional sobre as medidas que julga prioritárias para “recolocar a economia brasileira no rumo certo” até o fim de abril.
“Temos um trimestre para anunciar as medidas necessárias para recolocar a economia brasileira no rumo certo”, afirmou em entrevista concedida do portal Brasil 247.
Segundo ele, o prazo considera o calendário para a posse dos novos deputados e senadores e as eleições para as mesas diretoras das duas casas legislativas – eventos marcados para 1º de fevereiro. Além disso, a previsão contemplaria a instalação e o início dos trabalhos das comissões temáticas, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal.
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“Eu gostaria de, a partir de abril, mais para o final do mês, começar a discutir com o Congresso a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que, no meu ponto de vista, podem e devem andar juntos”, salientou o novo ministro.
Ontem (2), em pronunciamento feito durante a cerimônia de transferência de cargo no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, Fernando Haddad indicou que pretende encaminhar o projeto de lei complementar sobre o novo arcabouço fiscal do país ainda no primeiro semestre – antes, portanto, da data limite estabelecido pela PEC da Transição, promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro.
Haddad disse que as medidas que serão anunciadas têm por objetivo o “saneamento do que foi feito no ano passado”, em referência às medidas tomadas pelo agora ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na tentativa de garantir sua reeleição.
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Questionado se estaria havendo um ataque especulativo de agentes econômicos contra o atual governo, o novo ministro afirmou que está “caindo a ficha” do mercado. “Muitos não tinham a noção do governo que estavam apoiando. Tinha muita gente que achava que a economia estava a pleno vapor, com uma grande retomada. As pessoas estavam realmente iludidas”, afirmou.
“As pessoas não se davam conta e não fizeram conta de que Bolsonaro usou cerca de 3% do PIB – 1,5% de aumento de despesa e 1,5% de renúncia fiscal, das mais variadas ordens – para produzir o efeito que ele pretendia durante o processo eleitoral”, disse.
“Com R$ 300 bilhões disponíveis para torrar durante a eleição elegeria qualquer pessoa, menos contra Lula. É o que aprendemos em 2022”, continuou.
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Haddad referiu-se a medidas como desonerações e políticas previstas na PEC dos Auxílios (batizada pelo próprio Paulo Guedes, ministro da Economia à época de PEC Kamikaze) – caso do aumento do Auxílio Brasil para R$ 600,00 mensais apenas até dezembro de 2022, o “voucher caminhoneiro”, o auxílio para taxistas e a ampliação do vale gás às vésperas do início da campanha eleitoral.
“Ninguém se insurgiu contra essas medidas porque ninguém queria dar a Bolsonaro o pretexto de que as eleições não eram legítimas. Então, ele fez o que quis. Tirar o pretexto de ele dar um golpe no país custou 3% do PIB”, afirmou.
Combustíveis
Durante a entrevista, Haddad também comentou medida provisória editada ontem pelo governo que prorroga a desoneração tributária sobre combustíveis – contrariando as sinalizações do ministro ainda durante os trabalhos da transição.
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A MP mantém em zero as alíquotas de PIS/Cofins sobre diesel, biodiesel e gás liquefeito do petróleo até 31 de dezembro. No caso de gasolina e álcool, o benefício fiscal vai até 28 de fevereiro. O texto também manteve zerada a alíquota de Cide sobre a gasolina no mesmo prazo.
Na semana passada, Haddad havia dito que as alíquotas zeradas dos tributos sobre combustíveis não seriam mantidas pelo governo Lula. Agora, o ministro diz que a medida foi tomada para dar tempo para que o senador Jean Paul Prates (PT-RN) assuma o comando da Petrobras.
“Guedes tinha anunciado, para o governo de transição, que pretendia prorrogar por 90 dias [as desonerações sobre os combustíveis]. Eu defendi que fossem 30 dias, porque imaginava que Jean Paul tomaria posse ao longo de janeiro”, disse o novo ministro na entrevista.
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Integrantes do novo governo, no entanto, acreditam que dificilmente esse prazo será cumprido, em razão das exigências de compliance e da própria Lei das Estatais. Haddad classificou as exigências da nova legislação como “um inferno”.
Leia também: Qual será a nova âncora fiscal do Brasil?
“Como é muito improvável que a nova diretoria assuma antes de 30 dias, optou-se pelo número de 60 dias. Não ficou nem os 90 de [Paulo] Guedes (ex-ministro da Economia), nem os 30 de Haddad. Ficaram 60 [dias]”, disse.
Sobre postos que estariam elevando os preços de combustíveis apesar das medidas, Haddad disse que os Procons devem apurar a situação e o poder público precisa mover ações contra cartéis no setor. “Quem estiver aumentando preço após MP está atuando contra economia popular”.
Inadimplência
O governo também trabalha para implementar o programa “Desenrola”, anunciado por Lula durante a campanha eleitoral para auxiliar famílias e empresas na renegociação de dívidas.
Segundo Haddad, a ideia seria envolver os bancos públicos – especialmente Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil – e instituições financeiras privadas na iniciativa.
“As pessoas estão endividadas e precisam de uma rota de saída, até para voltarem ao consumo sustentável”, disse. O secretário-executivo da pasta, Gabriel Galípolo, foi incumbido para estabelecer diálogo com o comando dos bancos públicos sobre o assunto.
O novo ministro acredita que medidas gestadas pelo Banco Central em direção ao aumento da competitividade no sistema financeiro, ao aumento do crédito e à redução dos spreads também podem ajudar na implementação da agenda.
Segundo ele, o Conselho Monetário Nacional (CMN) – órgão colegiado que, segundo ele, voltará a ser formado por representante da Fazenda, do Ministério do Planejamento e do Banco Central – e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também devem contribuir com a pauta.
“CVM e CMN tomarão medidas para reforma do sistema bancário, seguindo agenda do BC”, disse o ministro, citando que há medidas do BC que estão esperando aval da Receita Federal antes de irem para o Congresso. “Governança pode apontar caminhos para o crédito”, completou.
Questionado sobre as medidas que poderiam impulsionar o mercado interno em um ambiente internacional adverso, Haddad também reforçou o papel da política de reajuste real do salário mínimo, de modo a aumentar o poder de compra da população.
“A ideia é recuperar o poder de compra do salário mínimo e resolver o problema do endividamento das famílias. Aquilo que foi feito no começo do governo Lula, um forte investimento na expansão do crédito e no poder de compra do salário mínimo, vai ser retomado nas condições atuais”, disse.
Reforma tributária
Apontada como uma das agendas econômicas prioritárias do novo governo, a reforma tributária deve ser “fatiada”. Segundo Haddad, a ideia é iniciar, em abril, a discussão sobre a simplificação de impostos indiretos, na forma de um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA).
O assunto tem sido discutido no Congresso Nacional há décadas. Atualmente, duas propostas tramitam em estágio avançado no parlamento: a PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados; e a PEC 110/2019, no Senado Federal.
“Sinceramente, as duas representam um avanço em relação ao que temos hoje. O que temos que medir é quanto vamos conseguir avançar nessa direção, mas qualquer um dos passos vai substituir o atual sistema por um muito melhor”, avaliou o novo ministro.
“Podemos ser mais ambiciosos, mas às vezes muita ambição inviabiliza a reforma. Então, nós temos que ser pragmáticos e sair dessa enrascada. A partir do momento em que fizermos o carro começar a andar, ele vai se aperfeiçoar de forma natural”, disse.
Na sequência do debate sobre os impostos sobre o consumo, Haddad disse que o plano do novo governo é avançar sobre os impostos diretos, especialmente o debate sobre a tributação de dividendos, as deduções do Imposto de Renda e a desoneração de trabalhadores de renda baixa e média.
“Sem aumentar a carga tributária, podemos recompor essa cesta de maneira a ter um sistema tributário menos regressivo”, afirmou.
Volatilidade do câmbio
Durante a entrevista, Haddad rechaçou qualquer tipo de meta para a taxa de câmbio, mas admitiu que a volatilidade da moeda é um problema.
“Não está em discussão ter meta para câmbio, mas o problema da volatilidade do câmbio é grave e atrapalha. O real é uma das moedas mais negociadas do mundo, mesmo sem ser conversível como o euro e o dólar. Ela é negociada pelos especuladores justamente por essa volatilidade, que é um mal para a moeda”, afirmou.
O comandante do Ministério da Fazenda lembrou que essa volatilidade do câmbio faz com que os investidores não tenham um horizonte de planejamento para investimentos, sabendo qual será a taxa interna de retorno dos projetos. “Podem dizer que há uma média para o câmbio, mas os investidores não podem contar com a sorte, muitas vezes eles precisam de liquidez”, completou.
Para ele, as taxas de câmbio e juros estão entre as variáveis mais importantes para a confiança dos investidores no País, mas ele enfatizou ser impossível colocar metas para esses indicadores que, nas suas palavras, “respondem tão avidamente às forças de mercado”. “Mas é possível atuar com a governança das contas públicas para estabilizar juros e câmbio, reduzindo essa volatilidade”, concluiu.
(com Agência Estado)