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O ministro Paulo Guedes (Economia) avalia que os últimos dois anos foram os mais difíceis que a economia brasileira já enfrentou, em meio aos impactos provocados pela pandemia do novo coronavírus, mas voltou a sustentar que “o país está em pé”.
Em entrevista coletiva, concedida nesta sexta-feira (17), para avaliar as ações de sua pasta em 2021, ele sustentou que os principais indicadores econômicos já convergem para tempos anteriores à Covid-19, mas não escondeu a preocupação com pressões do mundo político por gastos no ano que vem, quando o país passará por eleições gerais.
“2021 foi o ano em que o Brasil se ergueu e a doença tombou”, avaliou. “O país retornou ao trilho das reformas. Colocamos o país em pé, honramos nosso compromisso com as gerações futuras, devolvendo o país em pé com as mesmas condições fiscais que tinha antes e estados e municípios em melhores condições”, disse.
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Na apresentação, Guedes ressaltou 13 proposições de iniciativa do Poder Executiva e aprovadas pelo Congresso Nacional entendidas como parte de uma agenda “pró-mercado”: 1) Novo marco do Saneamento; 2) Nova Lei de Falências; 3) Nova Lei de Licitações; 4) FI-AGRO / CPR Verde; 5) Autonomia do Banco Central; 6) Novo marco do Gás; 7) Novo marco para Agências Reguladoras; 8) Contas digitais; 9) Novo marco para Startups; 10) MP da Eletrobras; 11) Ambiente de Negócios; 12) BR do Mar – Cabotagem; 13) Novo marco cambial.
Mas as duas reformas de maior impacto – tributária e administrativa – não avançaram no parlamento. Responsabilidade da política, na avaliação do ministro. Quando questionado por uma jornalista se o presidente Jair Bolsonaro (PL) iria descumprir a promessa de campanha de tornar isentos de Imposto de Renda os brasileiros com renda de até 5 salários mínimos, ele foi irônico.
“Será que ele vai terminar o mandato sem cumprir a promessa? Difícil a pergunta… Porque nós mandamos uma reforma tributária para o Congresso, onde nós mexíamos e aumentávamos a faixa de isenção. Será que o presidente não vai cumprir a promessa ou será que o relator Ângelo Coronel (PSD-BA) impediu o presidente de cumprir sua promessa? É uma pergunta boa…”, rebateu.
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“Nós entregamos a reforma administrativa para a classe política, a PEC do Pacto Federativo e a reforma da Previdência em 2019. A Covid chegou e não processou nossas reformas, e nós somos culpados de não entregar? Nós entregamos (ao Congresso Nacional), tem coisa que está entregue há dois anos”, pontuou.
Quanto às dificuldades para avançar com uma agenda de privatizações, Guedes disse ser inadmissível que o governo Jair Bolsonaro, eleito com uma plataforma liberal na economia, não consiga concretizar a venda de empresas estatais.
“É inadmissível que não se consiga vender. Se não, fica parecendo que é operação tartaruga, operação areia, para descumprir a vontade popular. A população votou no presidente, o presidente se comprometeu com um programa de privatizações, na hora em que você vai privatizar outros Poderes impedem a privatização… Isso cria precedente desagradável”, criticou.
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Ontem (16), o Tribunal de Contas da União (TCU) adiou a decisão sobre a privatização da Eletrobras após pedido de vista do ministro Vital do Rego, que argumentou que o Ministério de Minas e Energia não deixou claro o impacto do movimento sobre as tarifas de energia. Além da companhia de energia, o governo tenta vender os Correios – o projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas ainda não avançou no Senado Federal.
“É perfeitamente natural que a gente consiga vender duas empresas que são descapitalizadas, não conseguem manter sua fatia no mercado. Vão perder importância e vão ser condenadas à irrelevância se não conseguirem se transformar em corporações”, disse o ministro.
Durante sua exposição inicial, Guedes ressaltou o movimento do resultado primário nos últimos três anos, saindo de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) de déficit em 2019, atingindo 10,0% no ano passado com o combate à pandemia, e retornando a 1,1% negativos em 2021. E das despesas totais em relação ao PIB: 19,5% em 2019, disparando para 26,1% em 2020, e mergulhando para 18% neste ano.
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Os números foram usados para contestar uma percepção de agentes econômicos de que o governo federal teria abandonado o compromisso com a responsabilidade fiscal, sobretudo após a aprovação da PEC dos Precatórios. Críticos, no entanto, alegam que boa parte dos resultados surpreendentes da arrecadação (com impacto direto sobre o nível de endividamento) pode ser explicada pela disparada da inflação. Com a política de aperto monetário do Banco Central, o quadro pode se reverter em um horizonte curto de tempo.
A PEC dos Precatórios abriu espaço de R$ 106,1 bilhões no Orçamento de 2022, a partir da limitação do pagamento de dívidas judiciais da União sem possibilidade de recurso e de uma modificação na metodologia de cálculo da regra do teto de gastos, principal âncora fiscal do país. Os recursos serão, em grande medida, usados para bancar o Auxílio Brasil em parcelas médias de R$ 415,00. A forma como a iniciativa foi construída, no entanto, provocou profunda desconfiança no mercado.
“Ninguém chamou de PEC do Calote quando o Supremo decidiu parcelar as dívidas de estados e municípios, mas, se somos nós, é a PEC do Calote. Por que não tiveram a coragem de chamar de caloteiro o Supremo quando parcelou? Por que nós somos, se só estamos repetindo uma metodologia que foi usada?”, retrucou.
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O ministro chamou de “fake news” as críticas ao governo sobre populismo e irresponsabilidade fiscal às vésperas do ano eleitoral, em que o presidente Jair Bolsonaro deverá se candidatar a mais um mandato no Palácio do Planalto.
“À exceção de Cingapura, nenhum país fez uma ajuste fiscal tão robusto como o brasileiro. Foi nosso compromisso de que o dinheiro da saúde não iria viria aumento de salário”, afirmou.
“Você sai de 10,5% do PIB [de déficit primário], vem para 1%, e, com precatório e essa bagunça toda que estão dizendo que nós fizemos, vamos para 0,5% no ano que vem, é completamente descolada da realidade a acusação de populismo fiscal, é completamente militante, é fake news. O que você pode dizer é o seguinte: receamos muito que haja muitas pressões nesse ano eleitoral e que o populismo acabe arrastando esse déficit, que seria de 0,5%, para 1%, 1,5% ou 2%. Aí, estamos juntos, na mesma ponta, com medo de isso acontecer”, admitiu.
Nesta sexta-feira (17), o Congresso Nacional derrubou veto do presidente Jair Bolsonaro a um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o que na prática permite a destinação de R$ 5,7 bilhões em recursos públicos para o fundo eleitoral no ano que vem – quase três vezes mais o montante empregado nas eleições de 2018 e 2020.
Durante a coletiva, Guedes evitou tocar no assunto. O ministro também minimizou os impactos da discussão sobre a destinação de mais de R$ 15 bilhões para as emendas do relator-geral do Orçamento – conhecida na rubrica RP9 do texto e que foram batizadas de “orçamento secreto”, em razão da baixa transparência sobre os repasses e de seu suposto uso para a construção de base de sustentação parlamentar por parte do Palácio do Planalto.
“Eu acho patética a situação de um Orçamento… A arrecadação foi para R$ 1,9 trilhão. Estamos falando de R$ 2 trilhões. E aí tem um debate na maior ferocidade por causa de R$ 15 bilhões. Você tem R$ 2 trilhões, só que está tudo carimbado, que é a negação da política. O carimbo é a negação da política. 96% do Orçamento está carimbado, aí fica a maior ferocidade por causa de R$ 15 bilhões”, declarou.
Mas a mesma postura não se observou em relação à possível concessão de reajustes salariais a algumas carreiras do funcionalismo público – um desejo do próprio presidente Jair Bolsonaro e de parcela importante da ala política do governo. Na coletiva de imprensa, Guedes alertou de uma vez para os riscos de a iniciativa acarretar efeitos colaterais sobre a atividade econômica. Ele lembrou, ainda, que o veto para reajustes aprovado na pandemia se esgota em 31 de dezembro deste ano.
“Já conseguimos colocar o PIB no lugar de novo, estamos criando empregos, com o salário médio um pouco mais baixo, porque a economia ainda não recuperou seu vigor, e já tem gente querendo desonrar o compromisso com os contemporâneos: ‘Eu já tomei minha vacina, agora me dá meu aumento de volta’. E os outros? ‘Eles que peçam o deles, eu quero o meu agora’”, disse.
“Por enquanto, é uma desonra com os contemporâneos. Se todos tiverem esses aumentos, é uma desonra com as futuras gerações, porque a inflação vai votar, vamos mergulhar no passado, vamos nos endividar em bola de neve de novo, os juros vão continuar altos, a inflação não terá tido uma alta temporária, será uma alta permanente, e o Brasil vai mergulhar no passado conhecido tenebroso. Nosso papel é assegurar que isso não aconteça”, complementou.
Um dia antes, no entanto, Guedes cedeu à pressão do presidente Jair Bolsonaro e enviou um ofício ao Congresso Nacional para pedir a inclusão de gasto extra de R$ 2,8 bilhões no Orçamento de 2022 para bancar reajustes a servidores. De acordo com o ministro, R$ 2 bilhões deverão ser usados para bancar a reestruturação de carreiras da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Na avaliação de Paulo Guedes, o comportamento atual da inflação no país, que caminha para fechar acima de 10% em 2021 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é “transitório” e segue um padrão hoje observado em outras economias do mundo.
“O Brasil está na forma que estava quando foi atingido pela recessão. Alguns vão dizer que está mais pobre porque houve inflação. Sim. Guerras empobrecem a população mundial. É o maior nível de inflação em 40 anos nos Estados Unidos, em 35 anos na Alemanha, em 40 anos na China. O governo Bolsonaro causou o maior nível de inflação na China, nos EUA e na Alemanha? Somos nós que estamos causando isso ou é desonestidade intelectual de quem faz comparações que não cabem?”, ironizou.
Embora o Banco Central já fale de um processo inflacionário mais persistente, Guedes enxerga o contexto como passageiro. “Proporcionalmente, a inflação americana e a europeia subiu mais que a nossa”, argumentou.
“Teve inflação no mundo inteiro. Em todo o mundo, salários, aposentadorias e aluguéis perderam poder de compra e os governos mantiveram programas sociais. Mas as cadeias produtivas se desarticularam, e esse choque de oferta adverso tirou renda, emprego e trouxe inflação no mundo inteiro”, completou.
O ministro também voltou a destacar a importância da aprovação da autonomia do Banco Central, que, nas suas palavras, “despolitizou a moeda”. “Essa foi a primeira entrega deste ano”, classificou. “Se é verdade que a inflação subiu, a culpa é nossa ou da covid? Fizemos o BC independente”, respondeu.
Apesar de economistas alertarem para estagnação da economia – ou mesmo recessão – no ano que vem, Guedes mantém suas apostas em um resultado mais favorável. “Estou recomendando um pouco de moderação. Bebam com moderação”, brincou. Para ele, o resultado dependerá de duas variáveis antagônicas: 1) a alta nos juros para combater a inflação, que promove desaceleração; 2) e um elevado fluxo de investimentos e de consumo, com o estímulo de medidas como o novo Auxílio Brasil.
O comandante da equipe econômica destacou que a taxa de investimentos do Brasil atingiu 19,5% do PIB – o patamar mais alto desde 2013. “Estamos chegando a 20%, que é uma taxa que começa a ficar interessante. Em 2022, temos 153 ativos, com R$ 389 bilhões em compromisso de investimentos”, afirmou.
“Nós somos uma democracia robusta, queremos ter uma economia de mercado, de consumo de massa, para a criação de uma enorme classe média, e com políticas públicas descentralizadas, de reforço aos mais frágeis, proteção aos mais vulneráveis, atendimento aos que não tiveram as mesmas oportunidades, provisão de igualdade de oportunidades, transferência de renda e riqueza para os mais frágeis. É o caminho das democracias liberais”, salientou.
Ele voltou a criticar as projeções de mercado que apontavam para uma dívida bruta em 100% do PIB, quando o resultado neste ano deverá ficar na casa de 80% do PIB. “O bom é que agora as campanhas políticas estão sendo postas, então, com os alinhamentos dos economistas, a gente vê todo mundo que já estava militando antes”, ironizou.
Teto de gastos
Na coletiva de imprensa, Paulo Guedes voltou a dizer que a mudança no cálculo do teto de gastos, decorrente da aprovação da PEC dos Precatórios, é “tecnicamente aceitável”, mas admitiu que “politicamente ficou com uma enorme cara de oportunismo”.
“Cá entre nós, é claro que houve uma ideia de ‘vamos gastar um pouco mais ali’. Só que, como há gastos que estavam fora do teto. Assim que o teto foi empinado, nós colocamos o que estava fora dentro do teto. Por isso que os indicadores fiscais não pioraram”, disse.
Hoje, o teto de gastos permite a atualização da maior parte das despesas públicas pela inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao exercício. Com a aprovação da proposta, o período de aferição passou para janeiro a dezembro ‒ o que permitirá abertura adicional de espaço fiscal a partir da diferença do índice nos períodos.
Questionado sobre outras mudanças no teto de gastos no futuro, o ministro disse que a regra tem “deficiências muito sérias”. “Eu acho que ele é muito válido como bandeira, mas não pode ser um dogma. Por exemplo, nós provamos isso no ano passado. Quando chegou a doença, nós criamos um Orçamento de Guerra e atravessamos o teto”, sustentou.
“Não adianta ter um símbolo de austeridade fiscal, que, se respeitado, significa um desrespeito com a população mais frágil. Então, o que fizemos foi empurrar a bandeira do teto um pouco para o lado”, disse.
Modelo de crescimento
O ministro repetiu que o futuro do Brasil está na troca de eixo do investimento público para o investimento privado. “Quando uma Cedae movimenta R$ 50 bilhões, percebemos o enorme desperdício que foi impedir que os investimentos privados entrassem, não só por legislação, como por impostos e juros muitos altos”, afirmou.
Guedes também disse que o país precisa ser protagonista na retomada “verde e digital” da economia mundial. “Fomos a Glasgow (na COP-26) com objetivo de protagonismo. Vamos criar nosso mercado de carbono e criamos a CPR verde. Uma árvore viva vale mais que uma árvore morta, e o agricultor será recompensado por isso”, disse.
Segundo Guedes, o banco digital da Caixa pode valer R$ 100 bilhões se for levado ao mercado. Para ele, se levantados esses recursos, o governo deveria colocá-los em um fundo de erradicação da pobreza.
Cessão onerosa
O ministro da Economia destacou o resultado do leilão da cessão onerosa de petróleo nesta sexta-feira no Rio de Janeiro. “Tivemos 60 leilões este ano, com PPI. Hoje tivemos o segundo capítulo da cessão onerosa. O governo vai receber R$ 300 bilhões com leilão de petróleo pelo direito de empresas investirem mais R$ 200 bilhões nos próximos anos”, afirmou.
Guedes voltou a citar o plano alterar o regime de exploração e petróleo para as concessões diretas. “Estamos saindo de um regime em que Petrobras era monopolista e agora temos regime de consórcios, em partilha. No futuro, iremos para as concessões”, completou.
Renda básica
O ministro da Economia repetiu que, apesar da equipe econômica ter desenhado um aperfeiçoamento dos programas sociais já existentes com um pagamento de R$ 300 dentro do teto, a política venceu o debate na criação do Auxílio Brasil de R$ 400.
“A criação de renda básica familiar é parte de nossas ações e vai prosseguir”, afirmou.
“Quando a pandemia chegou, nós criamos o auxílio emergencial e a democracia veio e melhorou o programa. O programa teve muito sucesso, mas quando íamos retirar e melhorar os programas que já existiam, a política disse ‘não’. Então politicamente (o auxílio) voltou. Não como discutir com um programa bem sucedido”, completou.
(com Agência Estado)