Publicidade
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem uma nova proposta para tratar dos valores cobrados a título de contribuição previdenciária de municípios, mas ainda enfrenta resistências de prefeitos, parlamentares e um dilema estratégico relacionado à possível tramitação da matéria no Congresso Nacional.
No ano passado, o parlamento aprovou uma lei que reduziu de 20% para 8% a alíquota cobrada de contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre a folha de pagamentos de municípios enquadrados em coeficientes abaixo de 4,0 da tabela de faixas de habitantes observada na distribuição do Fundo de Participação dos dos Municípios (FPM) − o que equivale a um teto de 156.216 habitantes.
O dispositivo pegou carona no projeto que prorrogou até dezembro de 2027 a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores específicos da economia. O texto foi vetado por Lula, mas recuperado pelo Congresso Nacional, que promulgou a lei no apagar das luzes de 2023. No entendimento do Executivo, a medida fere preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), já que não foram indicadas fontes de compensação às renúncias de receitas provocadas pelas mudanças.
Considerando dados do Censo Demográfico de 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5.377 municípios estariam abaixo do teto de habitantes indicado na legislação. O número representa 96% de todas as cidades do país. Nos cálculos do Ministério da Fazenda, o impacto fiscal da medida seria de R$ 4 bilhões.
Depois da promulgação da lei, o governo tentou novamente barrar a iniciativa. Desta vez, por medida provisória (MPV 1202/2023), que também reonerava a folha de salários de 17 setores, previa a revogação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e estabelecia um limite para a compensação anual de créditos tributários. Desses pontos, apenas o último permanece no texto − em meio às resistências do parlamento aos itens propostos, o Executivo aceitou discuti-los em projetos de lei separados.
A nova proposta do governo federal deverá limitar o benefício a cidades com até 50 mil habitantes − o que, de partida, reduz o número de municípios a 4.914, considerando os dados do Censo. Além disso, o Ministério da Fazenda quer restringir a redução de alíquota para os municípios, que estão fora dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), para as cidades mais pobres do país, com receita corrente líquida per capita de até R$ 3.895. Nos cálculos da pasta, isso reduzirá o benefício para 2,5 mil municípios.
Continua depois da publicidade
A ideia é que a medida gere um alívio temporário no caixa das prefeituras com as contas mais apertadas, com uma retomada gradual da cobrança original. As alíquotas começariam em 14% de contribuição patronal em 2024, subindo, gradativamente, 2 pontos percentuais por ano até chegar a 20% em 2027.
A Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) já se manifestou contrariamente à restrição. A entidade classifica a proposta como injusta, por arbitrar um teto populacional, partindo do pressuposto que cidades mais populosas são ricas. A entidade também considera ruim o critério de atrelar ao tamanho das cidades um montante de receita corrente líquida (RCL), de até R$ 3.895 por ano, por entender que o indicador não mensura capacidade contributiva e inviabiliza a gradação de alíquota. E diz que a duração do benefício contrasta com as crescentes obrigações assumidas pelas cidades.
De outro lado, o governo teme que a disposição do Congresso Nacional em oferecer alíquota reduzida para as prefeituras com até 156.216 habitantes incentive alguns municípios a tentar migrar do regime próprio para o geral, em movimento que o Ministério da Previdência Social tem monitorado, que poderia aprofundar o déficit do INSS. Quem teve acesso à nova proposta, porém, diz não há brechas para isso. Outra preocupação seria que a vantagem na cobrança incentive os municípios a fazer contratações temporárias (por serem vinculadas ao regime geral) em vez de concursos públicos (com servidores vinculados ao regime próprio).
Continua depois da publicidade
No novo texto, a equipe econômica também quer oferecer a possibilidade de refinanciamento das dívidas não pagas pelas prefeituras com a Previdência. Um dos caminhos em discussão seria oferecer um desconto no saldo devedor dos municípios e financiar os valores em 60 meses. Durante a tramitação do projeto aprovado no ano passado, representantes dos prefeitos alegavam que a dívida dos municípios com o INSS era de R$ 240 bilhões. O dado, no entanto, não é confirmado pela Fazenda.
Apesar de a medida também, em tese, ajudar a reforçar os cofres do governo federal no curto prazo, parlamentares consideram a iniciativa inócua, já que poucas cidades teriam caixa para usufruírem do benefício. “Os municípios não conseguem fazer em 60 meses. Ninguém tem condição de pagar isso. Eles não estão nem pagando o normal”, disse um parlamentar que integra a própria base do governo na Câmara dos Deputados. Os termos da proposta, que ainda não foi encaminhada formalmente, ainda estão sendo analisados pelos congressistas.
Além da formatação do benefício concedido aos municípios, há um impasse sobre a tramitação da matéria no Poder Legislativo. Isso porque o governo gostaria que um parlamentar da própria base assumisse a autoria do projeto − o que tem gerado desconforto entre deputados.
Continua depois da publicidade
Na avaliação de deputados consultados pelo InfoMoney, a medida, na prática, poderia gerar a sensação de aumento de carga tributária, uma vez que, desde o ano passado, as prefeituras já contam com a alíquota reduzida aprovada pelo Congresso Nacional, a despeito das alegações do governo.
Para esses parlamentares, o desejo do Palácio do Planalto em não assinar a proposta tem um único objetivo: blindar a equipe econômica de qualquer desgaste em ter que indicar fonte de compensação para a renúncia de receitas (ainda que a medida esteja desidratada em relação ao já aprovado) e riscos impostos por regras fiscais.
A lei de responsabilidade fiscal (LRF) determina que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto e contenha medidas de compensação, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
Continua depois da publicidade
Uma das fontes ouvidas pela reportagem classificou a postura do governo como um “presente de grego”. “O governo está empurrando para a gente exatamente para não dar essa dor de cabeça”, avaliou um deputado da base aliada, sob condição de anonimato. “Primeiro foi com o Perse, e segundo os municípios. É um ano eleitoral dos municípios. O deputado vai fazer um projeto aumentando imposto?”, indagou.
(com agências)