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Após um ano de avanços em pautas macroeconômicas, com a aprovação de matérias como o novo marco fiscal e a reforma tributária, o Ministério da Fazenda trabalha para buscar mais espaço para a agenda microeconômica no Congresso Nacional em 2024.
A ideia é que, neste ano de calendário mais curto para atividades parlamentares em razão das eleições municipais, seja possível investir na construção de consenso para aprovar proposições setoriais e menos expostas a disputas políticas.
É o caso da agenda destinada ao desenvolvimento do mercado de capitais, reunida em 8 projetos de lei já em tramitação nas duas casas legislativas e que contam com o endosso da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Uma dessas proposições (PL 2.925/2023), de autoria do próprio Poder Executivo, tem como objetivo aprimorar mecanismos de proteção dos direitos de acionistas minoritários − hoje um gargalo que prejudica o desenvolvimento do mercado de capitais e cria ambiente fértil para abusos e fraudes, afastando investidores. O assunto voltou a ganhar apelo no ano passado após o episódio de fraude contábil envolvendo a Americanas (AMER3), mas ainda não encontrou espaço para avançar no Legislativo.
O que pode mudar?
O projeto busca elevar padrões de governança corporativa do mercado de capitais brasileiro, através de mudanças na Lei das SAs (Lei nº 6.404/1976) e na legislação que dispõe sobre o funcionamento da Comissão de Valores Mobiliários (Lei nº 6.385/1976). E traz quatro diretrizes principais: 1) expandir o sistema de tutela coletiva de direito societário; 2) ampliar a publicidade em processos arbitrais; 3) reequilibrar incentivos econômicos e riscos para as partes em processos judiciais ou arbitrais; e 4) limitar a exoneração de responsabilidade de administradores e fiscais na aprovação de contas.
O primeiro eixo atacado pelo texto é a ampliação dos instrumentos destinados a reparar danos sofridos por investidores em decorrência de infrações à legislação ou regulamentação do mercado causados por abusos de controladores, administradores e intermediários em ofertas de títulos e valores mobiliários.
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Para isso, os acionistas e investidores são incorporados como atores legitimados a propor ação civil coletiva de responsabilidade − medida similar à lógica da tutela coletiva já adotada no Código de Defesa do Consumidor. O desenho proposto, que também se assemelha à figura do “class action” americano, busca tornar mais efetivo o acesso à justiça para investidores minoritários.
Pelo texto, estão legitimados para propositura da ação civil coletiva investidores de valores mobiliários que representem pelo menos 2,5% dos valores mobiliários de determinada espécie ou classe (no momento imediatamente anterior a materialização dos alegados danos) ou possuir valor igual ou superior a R$ 50 milhões. O investidor não perderá legitimidade de causa se posteriormente não mantiver tal participação. Poderão responder civilmente pelos prejuízos sofridos administradores de emissores, acionistas controladores, ofertantes e coordenadores de ofertas públicas, dependendo do caso.
De modo a equilibrar os incentivos para que acionistas minoritários ingressem com ações reparatórias em nome da companhia, o texto apresenta uma nova relação de riscos e benefícios. O prêmio oferecido ao acionista que litigar pela companhia, em caso de vitória, passa de 5% para 20% do valor da indenização. Há possibilidade de que investidores prejudicados dentro dos requisitos estabelecidos entrem nos processos como litisconsorte em prazo de 30 dias.
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O projeto também determina que as instituições arbitrais darão publicidade aos precedentes relativos a demandas que envolvam companhias abertas e divulgarão as informações em suas páginas na internet. Na visão do governo, isso se justifica pelo fato de conflitos societários entre acionistas minoritários e administradores ou acionistas controladores envolverem uma dimensão coletiva, seja da comunidade de acionistas de determinada companhia, seja pelos potenciais impactos sobre interesses de outros participantes do mercado de valores mobiliários.
Outra mudança está relacionada à celeridade dos processos. Atualmente, um acionista que queira buscar seus direitos contra eventuais abusos precisa cumprir a exigência de ingressar previamente com uma ação de anulação da aprovação das contas para, somente então, buscar a responsabilização por danos causados à companhia. Na prática, esse tempo pode inviabilizar o processo, dado o risco de prescrição dos casos na justiça.
O texto original encaminhado pelo governo, por sua vez, traz a previsão expressa de que não há exoneração de responsabilidade como decorrência automática da aprovação das demonstrações financeiras anuais. Tal quitação passaria a depender de deliberação específica, com escopo limitado.
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Outro ponto modificado se relaciona a possíveis acordos em processos de responsabilização de administradores ou controladores, tanto arbitrais quanto judiciais. Atualmente, eles podem ser celebrados sem que os acionistas tenham conhecimento de seus termos − o que o governo entende como prejuízo à transparência dos procedimentos, resultando em desconfiança dos participantes do mercado. Neste caso, o projeto em tramitação prevê que a transação destinada a encerrar uma ação seja submetida à Assembleia Geral de Acionistas e garante poder de veto ao acordo, se acionistas representando 10% do capital votante deliberarem pela sua rejeição.
Do lado do órgão regulador, o projeto busca conferir à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) maior robustez institucional. O texto estabelece participação do órgão como amicus curiae em matérias submetidas a arbitragem, como já ocorre em processos judiciários, podendo a autarquia oferecer parecer ou prestar esclarecimentos. Além disso, a CVM teria poderes ampliados para a realização de investigações, mediante inspeções e requisições de busca e apreensão junto ao Poder Judiciário.
Expectativa do governo
Responsável por conduzir essa agenda no Ministério da Fazenda, o secretário de reformas econômicas, Marcos Pinto, diz que o cerne do projeto é “criar mecanismos efetivos para que os investidores sejam ressarcidos quando há fraude ou abuso”. “Hoje vivemos no pior dos mundos: muitas ações e pouco ressarcimento”, argumentou em entrevista concedida ao InfoMoney.
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Segundo ele, uma nova versão do texto está sendo construída pela equipe econômica em diálogo com o mercado e deverá ser tratado com o parlamento no momento em que o relator for designado na Câmara dos Deputados. “Onde o projeto melhorou muito, na discussão com o mercado, é que ele vai reduzir um pouco mais o número de ações, mas vai facilitar o ressarcimento. Encontramos, na própria discussão com as companhias, os controladores, administradores, um meio termo”, disse.
“Hoje, ao analisar a demonstração financeira, a assembleia geral está dizendo para o administrador que as contas estão aprovadas e ele não pode mais ser responsabilizado. A versão anterior [do projeto] tinha acabado com isso, mas os administradores ficaram muito preocupados: ‘vou ser responsável eternamente?’. Nossa solução foi falar que não, que ele está isento de responsabilidade, a quitação existe. Agora, o acionista minoritário vai poder, em uma só ação, se comprovar a fraude, anular a quitação que foi dada. Então, o efeito prático para casos de fraude vai ser o mesmo, e isso dá um pouco mais de conforto aos administradores, de que eles não vão ficar eternamente sendo responsabilizados por uma coisa que aconteceu no passado”, explicou.