Governo manobra para liberar R$ 5,6 bilhões para orçamento secreto

Decreto dribla negociações capitaneadas pelo presidente do Senado para devolver MPs que adiaram despesas vinculadas à cultura, ciência e tecnologia

Estadão Conteúdo

O presidente Jair Bolsonaro discursa em cerimônia no Palácio do Planalto (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
O presidente Jair Bolsonaro discursa em cerimônia no Palácio do Planalto (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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Enquanto as atenções em Brasília estavam voltadas para os atos políticos do 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aproveitou para editar decreto que abre caminho para desbloquear, antes das eleições, R$ 5,6 bilhões em emendas que sustentam o orçamento secreto.

A edição do decreto dribla as negociações no Congresso Nacional, capitaneadas pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para devolver Medidas Provisórias que adiaram o pagamento de despesas vinculadas à cultura, ciência e tecnologia, já que usa o espaço aberto no Orçamento para incrementar as emendas do orçamento secreto.

Como as MPs têm efeito de lei, o governo já pode usar o espaço aberto por elas para liberar as emendas de relator com base no decreto. Sob pressão para devolver as MPs, Pacheco decidiu segurar a tramitação das medidas e cobrar a solução do Ministério da Economia.

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Ao Estadão, a Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento da pasta confirmou que o decreto permite a liberação das emendas de relator, bloqueadas no mais recente relatório bimestral de receitas e despesas com base nas duas MPs.

O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, senador Jean Prates (PT-RN), afirmou ao Estadão que o decreto é mais uma afronta à decisão do Congresso que aprovou as despesas de cultura e ciência e tecnologia. Segundo ele, o decreto será contestado com a apresentação de um decreto legislativo e de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF).

“O governo faz um movimento serial de quem não aceita derrotas legítimas no parlamento”, disse. “Eles se aproveitam do momento de feriado nacional e da questão eleitoral e que não se consegue deliberar.”

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O decreto, publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite de terça-feira (6), altera as normas orçamentárias e dá liberdade ao governo para fazer bloqueio e desbloqueio de dotação orçamentária antes mesmo da apuração do próximo e último relatório do ano de avaliação bimestral.

Pelos cálculos do especialista em Orçamento e assessor legislativo do Senado Bruno Moretti, as duas MPs permitem o desbloqueio de R$ 5,6 bilhões de emendas do orçamento secreto. Ele preparou um relatório na semana passada apontando esses valores com impacto imediato na “pedalada” das despesas da cultura e de ciência e tecnologia.

“Mesmo sem a tramitação das MPs para a Câmara, elas estarão em vigor e darão o suporte para o Ministério da Economia liberar os limites para as emendas de relator sem aguardar o relatório de avaliação, tendo em vista o decreto”, alerta Moretti, que acompanhou a aprovação pelo Congresso das medidas que destinavam recursos para a cultura e o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, postergados pelas duas Mps.

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Moeda política

A edição das duas MPs foi uma demanda do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). O orçamento secreto é usado como moeda de troca das negociações políticas em curso não só das eleições deste ano, mas também para as presidências da Câmara e do Senado em 2023.

Autora da Lei Aldir Blanc 2, que previa R$ 3 bilhões no ano que vem e teve o repasse adiado para 2024, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), afirmou: “Estamos lutando pela devolução sumária das medidas provisórias, a começar pela da cultura. Se for de fato devolvida, o governo vai ter de repor o recurso. Se ele tentou passar a gente para trás, ele é que vai ser passado para trás porque vai ter de repor imediatamente o dinheiro”. A mesma medida provisória adiou para 2023 outros R$ 3,8 bilhões da Lei Paulo Gustavo, que deveriam ser pagos até outubro deste ano.