Governo luta contra “freio” do Congresso por pauta econômica antes de eleições

Em um momento de desconfiança persistente de agentes econômicos, governo tem mês decisivo para agenda fiscal e Orçamento de 2025

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao lado dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em sessão do Congresso Nacional (Foto: Alessandro Dantas/Divulgação/Flickr Planalto)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao lado dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em sessão do Congresso Nacional (Foto: Alessandro Dantas/Divulgação/Flickr Planalto)

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Enquanto o mundo político se volta cada vez mais para as eleições municipais que se aproximam, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem semanas decisivas para a agenda econômica no Congresso Nacional, com o retorno das atividades parlamentares − ainda que em ritmo reduzido.

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Num momento de desconfiança persistente de agentes econômicos com o compromisso fiscal do Poder Executivo, a equipe econômica do governo federal trabalha para chegar a um acordo com o Senado Federal sobre as medidas de compensação para as desonerações da folha de salários de 17 setores econômicos e milhares de municípios.

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Antes da pausa nas atividades do Poder Legislativo, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu ampliar o prazo para a construção do acordo, que venceria em 18 de agosto. A nova data passou para 11 de setembro, dando novo fôlego para as negociações em busca de saídas pelas partes.

A tendência é que o desenho para compensar a frustração de receitas seja incorporado no relatório do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado Federal, em projeto de lei que trata de desonerações. O presidente da Casa Legislativa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem apontado para um cardápio de medidas, que o Ministério da Fazenda indica ser insuficiente para gerar a economia necessária.

Entre as medidas estão: 1) Atualização de bens no Imposto de Renda; 2) Repatriação de recursos do exterior; 3) Regularização de bens e ativos com desconto na tributação; 4) Receitas de apostas esportivas; 5) Receita da taxação sobre importações até US$ 50,00; 6) Depósitos judiciais sem titularidade; 7) Dinheiro “esquecido” em contas bancárias; e 8) Programa de equacionamento de multas de empresas em agências reguladoras.

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Receoso de as medidas não gerarem a economia necessária, integrantes do governo defendem que seja incluído dispositivo que permitiria a elevação da alíquota cobrada de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) caso haja frustração na busca pelos R$ 18 bilhões estimados de perda de receitas com as desonerações. Tal exigência travou as negociações em meio a uma guerra de cálculos sobre o montante necessário e as receitas que o pacote dos senadores atrairia.

Caso não seja possível construir um acordo aprovado pela maioria dos deputados e senadores até o fim do prazo estabelecido pelo Poder Judiciário, o governo estará autorizado a cobrar normalmente os impostos cheios aos 17 setores econômicos e prefeituras beneficiadas pela redução de alíquota.

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Diante do impasse, a equipe econômica do governo trouxe, na edição do terceiro bimestre do Relatório de Acompanhamento de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), a incorporação dos impactos cheios da desoneração dos municípios sobre a arrecadação federal em 2024 − o que acarretou em decréscimo de 5,151 bilhões nas receitas públicas em comparação com o documento anterior, publicado em maio.

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Outro assunto de fundamental importância para o Palácio do Planalto diz respeito à renegociação de dívidas dos Estados. Uma proposta inicial foi encaminhada pela equipe econômica quatro meses atrás. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, costurou ajustes com representantes das unidades federativas e agora tenta chegar a um entendimento como o Executivo Federal.

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Os dois assuntos podem ter impactos relevantes sobre as contas públicas − pauta do mês para o Poder Executivo, que precisa enviar ao parlamento o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 até 31 de agosto.

O texto deverá apontar para uma distribuição de receitas e despesas em acordo com a meta de déficit zero estabelecida no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), que ainda tramita no Congresso Nacional. Considerando a “banda de tolerância” prevista no novo marco fiscal, o governo federal pode, no máximo, apresentar um desequilíbrio nas contas equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).

Caso as contas não indiquem tal encaminhamento, será necessário apontar caminhos no sentido de incremento de receitas ou corte de despesas (lembrando, ainda, que o limite de despesas previsto no novo arcabouço também precisa ser atendido). Nesse sentido, se forem necessárias medidas legislativas, elas já precisarão estar em tramitação no parlamento antes do envio do PLOA fechado pelo Poder Executivo.

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Além dos temas fiscais, a regulamentação da reforma tributária deve seguir nos holofotes da agenda legislativa. No Senado Federal, os olhares se voltam ao primeiro projeto de lei complementar (PLP 68/2024) sobre o assunto, que institui a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em nível nacional, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no plano subnacional, além de criar regras para regimes especiais e listar produtos e atividades sujeitas a alíquotas reduzidas dos novos tributos.

O relator da matéria na casa legislativa é o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que exerceu a mesma função no debate sobre a Emenda Constitucional (EC 132/2023) que instituiu o novo sistema de tributação sobre o consumo. O objetivo do governo e dos comandantes das duas casas do parlamento é concluir as votações ainda em 2024 − a despeito do calendário mais apertado em razão das eleições municipais. Mas o próprio relator já disse que “não tem a mínima chance” de o texto ser votado em plenário em 45 dias (prazo para que o projeto tranque a pauta da casa, se não houver retirada do pedido de urgência pelo governo).

A Câmara dos Deputados é normalmente vista como a casa legislativa mais sensível à disputa pelas prefeituras, seja por ter mais integrantes que se lançam diretamente aos pleitos, seja pelo alto envolvimento de deputados nas campanhas de aliados em suas bases eleitorais. Mas lá também há pautas prioritárias para o governo em tramitação.

É o caso do segundo projeto de lei complementar (PLP 108/2024) de regulamentação da reforma tributária. Este texto, sob a relatoria do deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), vice-líder do governo na casa, aborda a questão federativa referente ao IBS.

Nele, são disciplinados pontos como a instituição e estruturação do Comitê Gestor do novo imposto, o contencioso administrativo relacionado ao tributo e disposições relacionadas à transição a partir do sistema vigente − pautas muito caras a governadores e prefeitos. O projeto também avança sobre a regulamentação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e introduz mudanças na legislação que trata do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos (ITBI).

Apesar do congestionamento da pauta, a equipe econômica do governo ainda procura espaço para avançar com discussões sobre o projeto do chamado “devedor contumaz” (com o objetivo de coibir comportamentos de má-fé com o Fisco), a agenda verde (especialmente no que trata da regulamentação do mercado de carbono e das eólicas offshore) e proposições que garantam fôlego fiscal para o Orçamento de 2025. Na agenda microeconômica, existe uma expectativa para projetos de atualizações e estímulo ao mercado de capitais e mudanças na lei de falências.

O Banco Central também briga por espaço na agenda legislativa, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da autonomia financeira da instituição. O tema, no entanto conta com resistências por parte do governo, que voltou a alimentar atritos com o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, que tem participação marcada em audiência pública conjunta das comissões de Desenvolvimento Econômico (CDEIC) e de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados em 13 de agosto.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), definiu semanas de esforço concentrado para atividades no plenário antes das eleições municipais, de modo a destravar pautas na casa legislativa. Em comunicado enviado pela Mesa Diretora aos parlamentares, foram indicados os dias 12, 13 e 14 de agosto para o primeiro período. O segundo seria nos dias 26, 27 e 28. Já o terceiro ocorreria em 9, 10 e 11 de setembro − pouco menos de um mês para o primeiro turno (06/10). O que ficar pendente seria apreciado apenas ao final do segundo turno (27/10).

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.