Governo estima impacto de R$ 892 bilhões em ações tributárias no STF e STJ

1ª Turma do STJ retoma na quarta (13) importante julgamento: da base de cálculo das contribuições de terceiros (ao Sistema S)

Lucas Sampaio

Plenário do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Foto: Divulgação/STJ
Plenário do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Foto: Divulgação/STJ

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O ano do Judiciário começou morno para pautas tributárias, com a agenda de julgamentos nos tribunais superiores voltada para outras áreas do direito, mas é questão de tempo para o governo federal enfrentar contribuintes no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para evitar um passivo de mais de R$ 892 bilhões. O primeiro embate, que envolve contribuições ao Sistema S, pode inclusive ter um desfecho na quarta-feira (13).

Os maiores impactos estão em julgamentos que envolvem dois tributos federais que serão extintos pela reforma tributária: o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Junto com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), eles serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto Seletivo (IS).

Só o julgamento do Recurso Especial (RE) 565.886 (Tema 79), que está sob a relatoria do ministro Nunes Marques no Supremo, tem um impacto estimado pelo governo em R$ 325 bilhões. O tema 79 discute a exigência de lei complementar para instituir a cobrança do PIS e da Cofins sobre importações, além da aplicação retroativa da Lei nº 10.865/2004. O processo está na mesa do relator desde junho de 2023, mas ainda não há data para entrar na pauta da Corte.

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Os REs 609.096 e 880.143 (Tema 372), que tratam da cobrança de PIS/Cofins de instituições financeiras, inclusive sobre as receitas de natureza financeira, têm um impacto estimado de R$ 115,2 bilhões. Já a inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculo, julgada no RE 1.233.096 (Tema 1067), pode custar mais R$ 65,7 bilhões aos cofres públicos. Todos esses valores constam na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.

Segundo o governo, as estimativas de impacto fiscal dessas demandas judiciais são fornecidas pela Receita Federal “e levam em consideração, na maioria dos casos, a perda total de arrecadação anual e uma estimativa de impacto de devolução, considerados os últimos cinco anos e a totalidade dos contribuintes”. Assim, o documento faz a ressalva de que os valores representam “o máximo de impacto ao erário, que pode não se concretizar em sua totalidade”. Só no Supremo a conta chega a R$ 812,4 bilhões.

Algumas ações judiciais de natureza tributária no STF

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Tema da açãoParte envolvidaProcesso de referênciaRelator(a) no STFEstimativa de impacto
Exigência de lei complementar para disciplina de PIS e COFINS sobre importação (Lei nº 10.865/2004)Copacol (Cooperativa Agrícuola Consolata)RE 565.886 (Tema 79)Nunes MarquesR$ 325 bilhões
Incidência de PIS/COFINS sobre receitas de instituições financeiras (Lei 9.718/98)Santander (SANB11)REs 609.096 e 880.143 (Tema 372)Dias ToffoliR$ 115,2 bilhões
Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): dedução de despesas com educaçãoConselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)ADI 4927Luiz FuxR$ 105 bilhões
Inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculoAthena Construções Ltda.RE 1.233.096 (Tema 1067)Cármen LúciaR$ 65,7 bilhões
Reintegra: devolução de resíduo tributário remanescentes na cadeia de produção de bens exportadosCNI (Confederação Nacional da Indústria)ADIs 6055 e 6040Gilmar MendesR$ 49,9 bilhões
Inclusão do ISS na base de cálculo de PIS e COFINS (tributação “por dentro”)Viação Alvorada Ltda.RE 592.616 (Tema 118)Nunes MarquesR$ 35,4 bilhões
FunruralAbrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos)ADI 4395Gilmar MendesR$ 20,9 bilhões
Incidência PIS e COFINS sobre receitas decorrentes da locação de bens móveisSea Container do Brasil Ltda.RE 659.412 (Tema 684)Marco AurélioR$ 20,2 bilhões
Incidência da CIDE sobre remessas ao exterior (criada pela Lei nº 10.168/2000)Scania Latin America Ltda.RE 928.943 (Tema 914)Luiz FuxR$ 19,6 bilhões
Exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo de PIS e COFINSOVD Importadora e Distribuidora Ltda.RE 835.818 (Tema 843)André MendonçaR$ 16,5 bilhões
Incidência de PIS sobre receitas decorrentes da locação de bens imóveisLegno Nobile Indústria e Comércio Ltda.RE 599.658 (Tema 630)Luiz FuxR$ 16 bilhões
Fonte: Advocacia-Geral da União (AGU) e Secretaria do Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda (STN/MF)

Julgamentos em 2024

Mas esses julgamentos não têm data para ocorrer – e, se começarem a ser julgados nos próximos meses, podem levar anos até um desfecho. “No Supremo, os temas envolvendo PIS e Cofins são os mais relevantes. Há a expectativa de que esses julgamentos ocorram neste ano, mas eles podem começar e não terminar. Ou mesmo começar e terminar, mas virem os embargos, com o pedido de modulação da decisão, e levar dois anos até a conclusão”, afirma Letícia Pelisson, sócia da área de tributário do BMA Advogados.

É o que aconteceu com grandes causas tributárias recentes, como a da Difal/ICMS (recolhimento do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de operações destinadas ao consumidor final) e a das subvenções de investimento que podem ser retiradas da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) − tema posteriormente tratado em medida provisória (MP) do governo, convertida em lei pelo Congresso.

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Questionada se a reforma tributária pode colocar julgamentos importantes em compasso de espera, a advogada acredita no contrário: que pode até impulsioná-los. “Como vai ter uma virada [no sistema tributário], PIS e Cofins não vão existir mais. Agora o limite temporal é mais para o passado, pois o impacto futuro das decisões tendem a ser menores. E, se os tribunais superiores demorarem muito para julgar esses temas, o tamanho do passivo continua a aumentar”.

Teses “filhotes” e Sistema S

No Supremo, Pelisson destaca duas teses consideradas “filhotes” da “tese do século” (julgamento sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/Cofins, que o governo perdeu em 2021): a da inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculo (RE 1.233.096) e a da inclusão do Imposto Sobre Serviços (ISS) na base de cálculo dos dois tributos federais (RE 592.616). Com um impacto estimado em R$ 101,1 bilhões (veja na tabela acima), elas são consideradas “filhotes” do julgamento de 3 anos atrás por seguirem a mesma linha de raciocínio: que os tributos federais têm de ser cobrados “por fora”, sem considerar outros impostos no cálculo.

A própria “tese do século” (RE 574.706Tema de Repercussão Geral nº 69) não foi incluída neste levantamento do InfoMoney porque o governo já foi derrotado no STF e o valor estimado com a causa (R$ 236,8 bilhões) já consta na parte das demandas judiciais de risco provável de natureza tributária da LDO 2024.

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No caso das “teses filhotes”, há uma grande expectativa positiva para os contribuintes em ambos os casos, segundo a advogada. Mas há também riscos. “O do ISS já estava em andamento e foi suspenso com 5 votos favoráveis ao contribuinte. Mas o relator era o Celso de Mello, e o Marco Aurélio também já votou”, afirma Pelisson sobre 2 ministros que já se aposentaram. “Quando o julgamento voltar vai zerar os votos? Porque, se tiver destaque [para o plenário], zeram os votos. E hoje a composição da Corte é diferente”.

No STJ, os temas relevantes representam um risco estimado em R$ 80,4 bilhões pelo governo. A sócia do BMA Advogados destaca um julgamento em específico, marcado para continuar na próxima quarta-feira (13), na 1ª Seção da Corte: o que trata da limitação da base de cálculo das contribuições de terceiros (para o Sistema S) a 20 salários mínimos (Tema 1079). A análise começou em 2023, e havia jurisprudência favorável aos contribuintes em instâncias inferiores, mas no tribunal já são 2 votos desfavoráveis (o da relatora Regina Helena Costa e o do ministro Mauro Campbell).

Algumas ações judiciais de natureza tributária no STJ

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Tema da açãoProcesso de referênciaRelator(a) no STJEstimativa de impacto
Exclusão de benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLLRecursos Especiais (REsp) 2010095/RS, 2010089/RS, 1945110/RS e 1987158/SC (Tema Repetitivo 1182)Benedito GonçalvesR$ 47 bilhões
Creditamento de PIS/COFINS na revenda de produtos submetidos à tributação monofásica dessas contribuições, realizada à alíquota zero, no regime não cumulativoREsp 1.894.741/RS e 1.895.255/RS (Tema Repetitivo 1093)Mauro CampbellR$ 31 bilhões
Limitação a 20 salários mínimos na apuração da base de cálculo de contribuições a terceiros (Sistema S)REsp 1.898.532/CE e 1.905.870/PR (Tema Repetitivo 1079)Regina Helena Costan.d. (informação não disponível)
Fonte: Advocacia-Geral da União (AGU) e Secretaria do Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda (STN/MF)

Pelisson diz que a pauta tributária, tanto do STF quanto do STJ, “está em compasso de espera” no começo deste ano. “Tem alguns julgamentos em turma, mas não muita coisa”. Essa percepção é compartilhada por Cristiane Romano, sócia responsável pelo escritório Machado Meyer Advogados em Brasília. Ela ponderou que a “escassez” é normal, pois os tribunais superiores têm muitos temas para se debruçar – “não é algo extraordinário e está dentro do script” – e destacou um novo padrão no STF nos últimos tempos: que os temas tributários têm sido julgados mais no plenário virtual. “Talvez seja para dar mais celeridade aos processos, enquanto o plenário físico fica com outras questões”.

Modulação para reduzir efeitos

A decisão da 1ª Seção do STJ sobre as contribuições ao Sistema S é bastante aguardada, pois o julgamento é sob recurso repetitivo (o que vincula decisões de instâncias inferiores). Apesar de ter votado contra os contribuintes, a ministra Regina Helena ponderou que sabia estar alterando a jurisprudência existente — e, por isso, optou por uma modulação para proteger aqueles que se beneficiaram do entendimento contrário no passado.

Esse tipo de modulação é comum no STJ e no STF, por envolver processos com um grande impacto nas contas públicas. Isso porque as decisões podem afetar não só a arrecadação futura do governo, mas também o recolhido nos últimos 5 anos (o que dá direito aos contribuintes a reaverem os tributos pagos a mais). “Quando o impacto [da decisão] é alto, principalmente o Supremo costuma modular os efeitos. Sobretudo modular a decisão no tempo”, destaca Pelisson. “E, quando há um grande impacto para a União, a Procuradoria trabalha com esses números astronômicos para o ministro não pensar só no aspecto jurídico”.

A sócia do BMA Advogados pondera, no entanto, que a decisão “deveria ser sempre pró-contribuinte, não pró-Fisco”. “Senão a Justiça valida um comportamento comum dos governos, de instituir uma contribuição que sabem que é inconstitucional, e cobra por anos. No caso da ‘tese do século’, tinha precedente favorável desde 2014”.

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Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.