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O ano do Judiciário começou morno para pautas tributárias, com a agenda de julgamentos nos tribunais superiores voltada para outras áreas do direito, mas é questão de tempo para o governo federal enfrentar contribuintes no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para evitar um passivo de mais de R$ 892 bilhões. O primeiro embate, que envolve contribuições ao Sistema S, pode inclusive ter um desfecho na quarta-feira (13).
Os maiores impactos estão em julgamentos que envolvem dois tributos federais que serão extintos pela reforma tributária: o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Junto com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), eles serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto Seletivo (IS).
Só o julgamento do Recurso Especial (RE) 565.886 (Tema 79), que está sob a relatoria do ministro Nunes Marques no Supremo, tem um impacto estimado pelo governo em R$ 325 bilhões. O tema 79 discute a exigência de lei complementar para instituir a cobrança do PIS e da Cofins sobre importações, além da aplicação retroativa da Lei nº 10.865/2004. O processo está na mesa do relator desde junho de 2023, mas ainda não há data para entrar na pauta da Corte.
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Os REs 609.096 e 880.143 (Tema 372), que tratam da cobrança de PIS/Cofins de instituições financeiras, inclusive sobre as receitas de natureza financeira, têm um impacto estimado de R$ 115,2 bilhões. Já a inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculo, julgada no RE 1.233.096 (Tema 1067), pode custar mais R$ 65,7 bilhões aos cofres públicos. Todos esses valores constam na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.
Segundo o governo, as estimativas de impacto fiscal dessas demandas judiciais são fornecidas pela Receita Federal “e levam em consideração, na maioria dos casos, a perda total de arrecadação anual e uma estimativa de impacto de devolução, considerados os últimos cinco anos e a totalidade dos contribuintes”. Assim, o documento faz a ressalva de que os valores representam “o máximo de impacto ao erário, que pode não se concretizar em sua totalidade”. Só no Supremo a conta chega a R$ 812,4 bilhões.
Algumas ações judiciais de natureza tributária no STF
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Tema da ação | Parte envolvida | Processo de referência | Relator(a) no STF | Estimativa de impacto |
Exigência de lei complementar para disciplina de PIS e COFINS sobre importação (Lei nº 10.865/2004) | Copacol (Cooperativa Agrícuola Consolata) | RE 565.886 (Tema 79) | Nunes Marques | R$ 325 bilhões |
Incidência de PIS/COFINS sobre receitas de instituições financeiras (Lei 9.718/98) | Santander (SANB11) | REs 609.096 e 880.143 (Tema 372) | Dias Toffoli | R$ 115,2 bilhões |
Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): dedução de despesas com educação | Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) | ADI 4927 | Luiz Fux | R$ 105 bilhões |
Inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculo | Athena Construções Ltda. | RE 1.233.096 (Tema 1067) | Cármen Lúcia | R$ 65,7 bilhões |
Reintegra: devolução de resíduo tributário remanescentes na cadeia de produção de bens exportados | CNI (Confederação Nacional da Indústria) | ADIs 6055 e 6040 | Gilmar Mendes | R$ 49,9 bilhões |
Inclusão do ISS na base de cálculo de PIS e COFINS (tributação “por dentro”) | Viação Alvorada Ltda. | RE 592.616 (Tema 118) | Nunes Marques | R$ 35,4 bilhões |
Funrural | Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) | ADI 4395 | Gilmar Mendes | R$ 20,9 bilhões |
Incidência PIS e COFINS sobre receitas decorrentes da locação de bens móveis | Sea Container do Brasil Ltda. | RE 659.412 (Tema 684) | Marco Aurélio | R$ 20,2 bilhões |
Incidência da CIDE sobre remessas ao exterior (criada pela Lei nº 10.168/2000) | Scania Latin America Ltda. | RE 928.943 (Tema 914) | Luiz Fux | R$ 19,6 bilhões |
Exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo de PIS e COFINS | OVD Importadora e Distribuidora Ltda. | RE 835.818 (Tema 843) | André Mendonça | R$ 16,5 bilhões |
Incidência de PIS sobre receitas decorrentes da locação de bens imóveis | Legno Nobile Indústria e Comércio Ltda. | RE 599.658 (Tema 630) | Luiz Fux | R$ 16 bilhões |
Julgamentos em 2024
Mas esses julgamentos não têm data para ocorrer – e, se começarem a ser julgados nos próximos meses, podem levar anos até um desfecho. “No Supremo, os temas envolvendo PIS e Cofins são os mais relevantes. Há a expectativa de que esses julgamentos ocorram neste ano, mas eles podem começar e não terminar. Ou mesmo começar e terminar, mas virem os embargos, com o pedido de modulação da decisão, e levar dois anos até a conclusão”, afirma Letícia Pelisson, sócia da área de tributário do BMA Advogados.
É o que aconteceu com grandes causas tributárias recentes, como a da Difal/ICMS (recolhimento do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de operações destinadas ao consumidor final) e a das subvenções de investimento que podem ser retiradas da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) − tema posteriormente tratado em medida provisória (MP) do governo, convertida em lei pelo Congresso.
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Questionada se a reforma tributária pode colocar julgamentos importantes em compasso de espera, a advogada acredita no contrário: que pode até impulsioná-los. “Como vai ter uma virada [no sistema tributário], PIS e Cofins não vão existir mais. Agora o limite temporal é mais para o passado, pois o impacto futuro das decisões tendem a ser menores. E, se os tribunais superiores demorarem muito para julgar esses temas, o tamanho do passivo continua a aumentar”.
Teses “filhotes” e Sistema S
No Supremo, Pelisson destaca duas teses consideradas “filhotes” da “tese do século” (julgamento sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/Cofins, que o governo perdeu em 2021): a da inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculo (RE 1.233.096) e a da inclusão do Imposto Sobre Serviços (ISS) na base de cálculo dos dois tributos federais (RE 592.616). Com um impacto estimado em R$ 101,1 bilhões (veja na tabela acima), elas são consideradas “filhotes” do julgamento de 3 anos atrás por seguirem a mesma linha de raciocínio: que os tributos federais têm de ser cobrados “por fora”, sem considerar outros impostos no cálculo.
A própria “tese do século” (RE 574.706 – Tema de Repercussão Geral nº 69) não foi incluída neste levantamento do InfoMoney porque o governo já foi derrotado no STF e o valor estimado com a causa (R$ 236,8 bilhões) já consta na parte das demandas judiciais de risco provável de natureza tributária da LDO 2024.
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No caso das “teses filhotes”, há uma grande expectativa positiva para os contribuintes em ambos os casos, segundo a advogada. Mas há também riscos. “O do ISS já estava em andamento e foi suspenso com 5 votos favoráveis ao contribuinte. Mas o relator era o Celso de Mello, e o Marco Aurélio também já votou”, afirma Pelisson sobre 2 ministros que já se aposentaram. “Quando o julgamento voltar vai zerar os votos? Porque, se tiver destaque [para o plenário], zeram os votos. E hoje a composição da Corte é diferente”.
No STJ, os temas relevantes representam um risco estimado em R$ 80,4 bilhões pelo governo. A sócia do BMA Advogados destaca um julgamento em específico, marcado para continuar na próxima quarta-feira (13), na 1ª Seção da Corte: o que trata da limitação da base de cálculo das contribuições de terceiros (para o Sistema S) a 20 salários mínimos (Tema 1079). A análise começou em 2023, e havia jurisprudência favorável aos contribuintes em instâncias inferiores, mas no tribunal já são 2 votos desfavoráveis (o da relatora Regina Helena Costa e o do ministro Mauro Campbell).
Algumas ações judiciais de natureza tributária no STJ
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Tema da ação | Processo de referência | Relator(a) no STJ | Estimativa de impacto |
Exclusão de benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL | Recursos Especiais (REsp) 2010095/RS, 2010089/RS, 1945110/RS e 1987158/SC (Tema Repetitivo 1182) | Benedito Gonçalves | R$ 47 bilhões |
Creditamento de PIS/COFINS na revenda de produtos submetidos à tributação monofásica dessas contribuições, realizada à alíquota zero, no regime não cumulativo | REsp 1.894.741/RS e 1.895.255/RS (Tema Repetitivo 1093) | Mauro Campbell | R$ 31 bilhões |
Limitação a 20 salários mínimos na apuração da base de cálculo de contribuições a terceiros (Sistema S) | REsp 1.898.532/CE e 1.905.870/PR (Tema Repetitivo 1079) | Regina Helena Costa | n.d. (informação não disponível) |
Pelisson diz que a pauta tributária, tanto do STF quanto do STJ, “está em compasso de espera” no começo deste ano. “Tem alguns julgamentos em turma, mas não muita coisa”. Essa percepção é compartilhada por Cristiane Romano, sócia responsável pelo escritório Machado Meyer Advogados em Brasília. Ela ponderou que a “escassez” é normal, pois os tribunais superiores têm muitos temas para se debruçar – “não é algo extraordinário e está dentro do script” – e destacou um novo padrão no STF nos últimos tempos: que os temas tributários têm sido julgados mais no plenário virtual. “Talvez seja para dar mais celeridade aos processos, enquanto o plenário físico fica com outras questões”.
Modulação para reduzir efeitos
A decisão da 1ª Seção do STJ sobre as contribuições ao Sistema S é bastante aguardada, pois o julgamento é sob recurso repetitivo (o que vincula decisões de instâncias inferiores). Apesar de ter votado contra os contribuintes, a ministra Regina Helena ponderou que sabia estar alterando a jurisprudência existente — e, por isso, optou por uma modulação para proteger aqueles que se beneficiaram do entendimento contrário no passado.
Esse tipo de modulação é comum no STJ e no STF, por envolver processos com um grande impacto nas contas públicas. Isso porque as decisões podem afetar não só a arrecadação futura do governo, mas também o recolhido nos últimos 5 anos (o que dá direito aos contribuintes a reaverem os tributos pagos a mais). “Quando o impacto [da decisão] é alto, principalmente o Supremo costuma modular os efeitos. Sobretudo modular a decisão no tempo”, destaca Pelisson. “E, quando há um grande impacto para a União, a Procuradoria trabalha com esses números astronômicos para o ministro não pensar só no aspecto jurídico”.
A sócia do BMA Advogados pondera, no entanto, que a decisão “deveria ser sempre pró-contribuinte, não pró-Fisco”. “Senão a Justiça valida um comportamento comum dos governos, de instituir uma contribuição que sabem que é inconstitucional, e cobra por anos. No caso da ‘tese do século’, tinha precedente favorável desde 2014”.