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Integrantes da equipe econômica do governo federal já têm em mãos o esboço de um cardápio de medidas estruturais de revisão de despesas que vai além do pente-fino apresentado recentemente, mas aguardam um momento politicamente favorável para apresentá-lo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo uma fonte com conhecimento no assunto, há a avaliação no Poder Executivo de que uma “janela de oportunidade” se abrirá logo após as eleições municipais, com o fim das campanhas, a volta ao ritmo regular das atividades no Congresso Nacional e um maior fôlego para o debate sobre as peças orçamentárias de 2025.
O “cardápio” é diverso e as preferências variam dentro da própria área econômica do governo. As medidas mais amargas, como revisão dos mínimos constitucionais de Saúde e Educação, são consideradas pouco prováveis, mas podem ser usadas para abrir espaço para alternativas mais palatáveis, como a desvinculação de benefícios, como seguro-desemprego e auxílio doença (hoje conhecido como benefício por incapacidade temporária), do salário mínimo e mudanças no abono salarial.
No mercado financeiro o clima é distinto, com agentes circulando a tese de que o apetite por gastos no Palácio do Planalto pode crescer caso o desempenho de candidaturas aliadas nas prefeituras frustre as expectativas e ameace os planos para 2026. Ideia rechaçada por múltiplas alas do governo.
Dentro do Poder Executivo, uns lembram da baixa correlação entre pleito municipal e sucesso na disputa presidencial. Outros apontam que tal prática poderia representar um “tiro no pé”, que implodiria a âncora fiscal do país e deflagraria uma crise de confiança que rapidamente se traduziria nos preços e contaminaria a economia real.
O risco fiscal, como mostrou edição especial do Barômetro do Mercado (levantamento com 44 gestoras de recursos), divulgada há duas semanas pelo InfoMoney, é disparada a maior preocupação de agentes econômicos, que veem baixas chances de as metas de déficit zero em 2024 e 2025 serem cumpridas. Mas ainda há espaço para corrosão do cenário se os “botões errados” forem apertados.
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O presságio do Vale Gás
As expectativas se deterioraram nas últimas semanas em meio a uma ansiedade por medidas estruturais e mais robustas de ajuste pelo lado das despesas, mas que até o momento se limitaram a ações como revisões de cadastros do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) — que, apesar de importantes, são vistas como óbvias e insuficientes.
Soma-se a isso o anúncio do Vale Gás “turbinado”, com direito a “drible” no novo arcabouço fiscal pouco depois de seu primeiro aniversário. Nos bastidores, ainda há dúvidas se a medida irá prosperar no Congresso Nacional e se não sofrerá nenhum revés no Tribunal de Contas da União (TCU), mas o ruído está feito.
O texto remetido à deliberação do parlamento (PL 3.335/2024) diz que o auxílio “Gás dos Brasileiros” será operacionalizado de duas formas: 1) pagamento de valor às famílias beneficiárias; e 2) concessão de descontos na aquisição do gás de cozinha.
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No primeiro caso, foi mantida a regra de concessão de benefício adotada na gestão anterior, a cada bimestre, de valor correspondente a uma parcela de, no mínimo, 50% da média do preço nacional de referência do botijão às famílias elegíveis. Já o segundo consiste em desconto direto no revendedor varejista para a compra de botijão, limitado a uma unidade por família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
Pelo texto, esta nova modalidade poderá ser custeada por meio de repasses diretos à Caixa Econômica Federal de duas formas: 1) pela União, de dotações orçamentárias consignadas ao Ministério de Minas e Energia, observada a disponibilidade orçamentária e financeira; e 2) por pessoas jurídicas que firmarem termo de adesão com a União.
O último caso, na prática, representa uma espécie de “encontro de contas” de pagamentos que seriam feitos à União, por empresas que exploram o pré-sal, destinados ao chamado Fundo Social. Especialistas em contas públicas criticam o encaminhamento.
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“O processo natural para um programa desse tipo seria a União recolher as receitas que lhe cabem para financiar o Fundo Social, na sequência incluindo as despesas com subsídios no Orçamento”, pontua Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
“Porém decidiu-se pela renúncia de arrecadação, com os proventos devidos ao FS enviados diretamente à CEF. Com isso, contorna-se o limite de gastos imposto pelo novo arcabouço fiscal. Como o teto de dispêndios se encontra pressionado no Orçamento, realiza-se subsídio sem que o ônus incorrido pela União seja contabilizado como gasto”, critica o especialista em contas públicas.
“É preciso deixar claro: o desejo de membros do governo de contornar a regra de evolução das despesas primárias, criada ainda nesse mandato, fragiliza a credibilidade do ajuste fiscal defendido pelo Ministério da Fazenda”, conclui em relatório a clientes.
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Questão de honra
Integrantes da equipe econômica do governo garantem, por outro lado, que, apesar de acenos negativos para os agentes econômicos, uma eventual mudança na meta de déficit zero neste ano está fora de cogitação, mesmo com a desconfiança persistente.
Uma fonte, inclusive, sustenta que, embora o arcabouço fiscal permita o descumprimento do objetivo de resultado primário estabelecido (desde que com a imposição de sanções), é fundamental que ao menos a banda inferior, de déficit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), seja alcançada no atual exercício, ainda que para isso sejam necessárias medidas extraordinárias e novos bloqueios/contingenciamentos.
O recado converge com falas recentes dos titulares da área econômica. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), tem sido uma das principais vozes em defesa da agenda de revisão de despesas, mas também chama atenção para o timing da apresentação das medidas, sob risco de interdição do debate.
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“Entendo a desconfiança, porque nenhum governo gosta de cortar. Nenhum governo quer diminuir políticas públicas. Mas o lado bom da história é que nós viemos de uma pandemia onde se afrouxaram tanto as regras de fiscalização de políticas públicas que, só no ano passado, com o Bolsa Família, sem tirar nenhum direito, nós tiramos R$ 12 bilhões”, disse a ministra em entrevista ao InfoMoney.
“Neste ano, estamos fazendo a revisão de gastos e conseguimos fazer muita economia, mas não foi suficiente. Nós cortamos R$ 15 bilhões, bloqueamos. Além disso, pisamos no freio no que se refere aos gastos dos ministérios. Se tivermos de fazer novos cortes, vamos fazer”, garantiu.
Em recado aos agentes econômicos, Tebet pediu um pouco mais de paciência para a apresentação das próximas medidas e disse que as projeções de déficit acima de 0,25% do PIB apontadas por parcela relevante do mercado financeiro não devem se confirmar, já que ensejariam o acionamento de gatilhos amargos para o governo em momentos decisivos para a atual administração.
“A gente precisa entender o tempo da política”, disse. “Se eu apresentar o pacote que eu já tenho de medidas estruturantes, que não posso mencionar, tanto do lado da integração de políticas públicas quanto na modernização das vinculações delas, você tem uma reação do Congresso Nacional e já nasceram mortas todas as possibilidades.”
“Por enquanto, ainda que com receitas extraordinárias, o que importa é que vamos cumprir a meta fiscal em 2024. E com autorização do presidente de cortar R$ 25,9 bilhões, e, se precisar de mais, nós temos mecanismo do contingenciamento e do bloqueio, nós teremos o ano de 2025 para discutir com o Congresso e a sociedade que precisamos de medidas estruturantes para 2026”, prosseguiu.
LEIA MAIS: Tebet diz que arcabouço fiscal “veio para ficar” e não descarta novos cortes
Tebet foi a primeira ministra do governo a falar publicamente no esgotamento da estratégia de buscar o equilíbrio das contas públicas a partir da recomposição da base fiscal. E por mais que o projeto de lei para aumentar a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a taxação dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP) sinalize a insistência no plano, há um entendimento entre integrantes da própria administração de grandes dificuldades no Congresso Nacional.
Por isso, uma fonte ouvida pela reportagem sustenta que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 não deve ser visto dissociado do contexto: o governo tinha a obrigação de apresentar a peça ao final de agosto e indicar déficit zero ─ com todas as medidas necessárias para seu cumprimento já em tramitação formal no parlamento.
Jogo zerado
Nas palavras deste integrante da equipe econômica, agora que foi superada a etapa inicial do rito orçamentário, “o jogo zerou”. Mas isso não significa que as mudanças em CSLL e JCP devem ficar totalmente pelo caminho.
As cartas estão na mesa para futuras negociações, ainda mais se as compensações para as desonerações durante o “fase out” de três anos se mostrarem insuficientes para cumprirem determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), como indicou o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
Na equipe econômica, há uma percepção de que uma revisão estrutural de despesas antes das próximas eleições será inevitável ─ e o andamento desta agenda pode ter impactos diretos sobre o projeto de continuidade da atual administração. “Não há como sobreviver até 2026 sem encarar as despesas”, admitiu uma fonte.
Para ela, soluções de curto prazo deverão levar o país a um “precipício fiscal” ─ sobretudo se ele vier por novas receitas, tendo em vista a vinculação com a evolução das despesas e o fato de gastos obrigatórios sempre crescerem proporcionalmente mais do que os discricionários (o que piora ainda mais a composição do Orçamento). “É como cortar o cabelo ou as unhas para emagrecer”, comparou.
Dentro do governo, há uma série de medidas em análise que implicariam em redução de despesas, mas cada setor da equipe econômica parece ter sua preferência. Uma das estratégias, conforme uns defendem, seria iniciar a lista de sugestões com as ações menos palatáveis, que poderiam facilitar a aceitação a outras iniciativas.
Um exemplo seria começar a discussão por uma possível revisão dos pisos constitucionais ou da inclusão de despesas com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) nos cálculos para cumprimento do mínimo de 18% da receita líquida de impostos para despesas com a Educação.
Isso poderia levar a um debate sobre desvinculações em programas temporários. Como se observa nas planilhas públicas, a nova regra de reajuste real do salário mínimo (inflação acumulada pelo INPC somada ao PIB do ano anterior) tem pressionado o Orçamento nas rubricas da Previdência Social e políticas públicas cujos valores de repasse estão atrelados a ele.
Uma mudança na norma geral do mínimo está fora de cogitação, mas integrantes da equipe econômica defendem algum nível de desvinculação em relação a benefícios sociais ─ os temporários teriam menos resistência, mas o impacto seria maior no caso de alguns permanentes, uma briga mais difícil de comprar.
Neste caso, uma das ideias seria que alguns programas, como o auxílio doença (benefício por incapacidade temporária) e o seguro-desemprego, fiquem atrelados apenas à inflação ou a alguma regra alternativa de reajuste − desde que com menos impacto sobre as contas públicas.
O resultado seria a abertura de uma “boca de jacaré”, gerando economia de recursos crescente ao longo do tempo. Mas a ideia não é consenso dentro da própria equipe econômica, onde alguns integrantes ainda resistem à ideia de desvinculação.
Por ora, enquanto a tal “janela de oportunidade” não se abre, ideias são testadas na Esplanada dos Ministérios. Mas as claras restrições no PLOA 2025, que ganhará tração no Congresso Nacional depois das eleições municipais, não deverão tardar a cobrar respostas concretas do governo.