Governo aciona STF contra desoneração a empresas e municípios aprovada pelo Congresso

Ação pede o reconhecimento de inconstitucionalidade de dispositivos que desoneraram a folha de salário para 17 setores da economia e reduziram alíquota paga por municípios em contribuição previdenciária

Marcos Mortari

O ministro da Advocacia Geral da Uniāo (AGU), Jorge Rodrigo Araújo Messias, durante abertura da cerimonia de comemoração dos 30 anos da Advocacia Geral da Uniāo. (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil).
O ministro da Advocacia Geral da Uniāo (AGU), Jorge Rodrigo Araújo Messias, durante abertura da cerimonia de comemoração dos 30 anos da Advocacia Geral da Uniāo. (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil).

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ingressou, nesta quarta-feira (24), com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os efeitos de lei (Lei nº 14.784/2023) que prorrogou a desoneração da folha de salários de 17 setores até 2027 e reduziu a alíquota de contribuição patronal paga por municípios ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado.

A ação é assinada por Lula e pelo advogado geral da União, Jorge Messias. Na peça, eles apontam afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por alegada ausência de demonstração do impacto financeiro das medidas aprovadas − produzindo frustração de receitas sem o apontamento de fontes de compensação. Até o momento, não foi designado um ministro relator na Corte para o caso.

“A lacuna é gravíssima, sobretudo se considerado o fato de que a perda de arrecadação anual estimada pela Receita Federal do Brasil com a extensão da política de desoneração da folha de pagamento é da ordem de R$ 10 bilhões anuais”, alerta a Advocacia-Geral da União (AGU) em trecho do documento.

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A pasta também invoca o novo marco fiscal, que prega o compromisso com uma trajetória sustentável da dívida pública, em sua sustentação da peça. “O governo tem responsabilidade fiscal e precisa levar essa discussão, neste momento, ao Supremo Tribunal Federal. Sem a declaração de inconstitucionalidade destes dispositivos, nós colocaremos em risco as contas fiscais. Não é possível que seja colocado em risco o sacrifício de toda a sociedade para beneficiar alguns setores específicos”, diz.

A legislação questionada pelo governo federal prorrogou a vigência da contribuição previdenciária sobre a receita bruta paga por 17 setores da economia e o acréscimo de alíquota da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior (Cofins-Importação) sobre determinados bens.

A mesma lei baixou de 20% para 8% a alíquota cobrada de contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre a folha de pagamentos de municípios enquadrados em coeficientes abaixo de 4,0 da tabela de faixas de habitantes observada na distribuição do Fundo de Participação dos dos Municípios (FPM) − o que equivale a um teto de 156.216 habitantes, marca que abrangeria 5.377 municípios, conforme dados do último Censo Demográfico.

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O ingresso ao STF já havia sido sinalizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), há quase um mês. Nos bastidores, o movimento é visto de duas formas antagônicas. De um lado, há que avalie que ele aprofunda o clima de tensão entre os Poderes, com o governo recorrendo ao Judiciário para derrubar decisão do Legislativo. De outro, existe uma leitura de que uma solução via Supremo pode evitar que parlamentares tenham que tomar decisão delicada contra prefeitos em um ano de eleições municipais.

Queda de braço

Os dispositivos são alvos da equipe econômica do governo federal desde o fim do ano passado, quando Lula editou uma medida provisória (MPV 1202/2023) que, entre outras ações, previa a revogação dos benefícios fiscais concedido pelos parlamentares. Mas a capacidade de organização dos setores envolvidos e o poder de pressão dos prefeitos em um ano de eleições municipais têm oferecido desafios ao Palácio do Planalto, que também sofre com problemas de articulação política no parlamento.

Diante das resistências do Poder Legislativo e dos riscos de sofrer uma derrota na tramitação da matéria, o Poder Executivo chegou a recuar e patrocinar projetos de lei separados para tratar dos assuntos e em condições mais brandas.

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No caso dos municípios, o projeto (PL 1027/2024), apresentado pelos deputados José Guimarães (PT-CE) e Odair Cunha (PT-MG) − líderes do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, respectivamente − prevê uma redução de 20% para 14% na contribuição previdenciária paga por municípios com população de até 50 mil habitantes e que apresentem Receita Corrente Líquida (RCL) per Capita de até R$ 3.895,00 − limitando o alcance a cerca de 2,5 mil prefeituras. Pelo texto, a alíquota subiria para 16% em 2025 e 18% em 2026, retornando ao patamar original no ano seguinte.

Pelo texto, municípios com até 50 mil habitantes também poderão consolidar e parcelar seus débitos com a Receita Federal em até 60 meses com redução de 70% de multas e juros, conforme capacidade de pagamento a ser definido por ato do próprio Fisco. Segundo dados fornecidos por representantes dos prefeitos, a dívida dos municípios com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) soma R$ 240 bilhões.

Compensação tributária

Na mesma ação protocolada no Supremo Tribunal Federal, o governo pede a declaração de constitucionalidade de outro trecho da medida provisória editada no ano passado. O dispositivo mencionado estipulou limites para a compensação tributária de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado − e é o único que permanece no texto durante a tramitação no Congresso Nacional.

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O parecer do relator, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), foi aprovado na semana passada pela comissão mista criada para analisar a matéria. O texto prevê um parcelamento, que pode chegar até 60 meses (ou seja, 5 anos) de créditos oriundos de ações na Justiça. Apesar do avanço, a matéria tem gerado contestações do mercado.

A MPV estabelece uma linha de corte de R$ 10 milhões, de modo que casos de créditos de menor valor (ou seja, que não superem tal marca) não seriam afetados pela regra. A partir desse montante, o Ministério da Fazenda ficou autorizado a editar portaria para regulamentação, com possibilidade de o valor ser escalonado – o que ocorreu, conforme indica a tabela a seguir.

Valor total dos créditosNúmero mínimo de parcelas mensais
até R$ 10 milhões
de R$ 10 milhões a R$ 99,99 milhões12 parcelas
de R$ 100 milhões a R$ 199,99 milhões20 parcelas
de R$ 200 milhões a R$ 299,99 milhões30 parcelas
de R$ 300 milhões a R$ 399,99 milhões40 parcelas
de R$ 400 milhões a R$ 499,99 milhões50 meses
R$ 500 milhões ou mais60 meses
Fonte: Portaria normativa nº 14, de 05 de janeiro de 2024 | Ministério da Fazenda

Além disso, a MPV prevê que, uma vez superado o limite de compensação mensal, o excesso será tipificado como “não declarado” – o que significa que, se em alguma situação deste tipo houver divergência entre o contribuinte e o Fisco sobre o cálculo do limite, o primeiro não mais terá à sua disposição o instrumento do contencioso administrativo fiscal para resolver a questão, e precisará ingressar direto no Judiciário.

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Na exposição de motivos da MPV, o governo federal apontou um incremento na compensação de créditos tributários a partir de 2019, especialmente em causas relacionadas a decisões judiciais quanto à exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (a chamada “tese do século”).

Nos cálculos do Ministério da Fazenda, em 5 anos, seria ultrapassada a marca de R$ 1 trilhão em débitos compensados, com um aumento nominal e 14,3% de janeiro a agosto do ano passado em comparação com o mesmo período em 2022. A pasta apontou, ainda, que os créditos judiciais representaram 38% do total utilizado em compensações por meio do programa Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP) em 2019, contra uma média de 5% de 2005 a 2018. E alegou que as novas medidas têm como objetivo “resguardar a arrecadação federal”.

Na ADI apresentada junto ao Supremo Tribunal Federal, o governo menciona ao menos 40 ações movidas contra a norma da limitação dos créditos tributários, sendo que em 8 já foram concedidas liminares dispensando contribuintes de observar a regra – em um impacto estimado de R$ 169,7 milhões para os cofres públicos.

A AGU alega que tais elementos são suficientes para “denotar um estado difuso de judicialização” que causa insegurança jurídica e torna necessária a declaração de constitucionalidade do artigo que prevê a regra na medida provisória.

O órgão também sustenta que a restrição estabelecida pelo dispositivo não prejudica o cumprimento de decisão judicial transitada em julgada, já que não impede a compensação tributária, mas apenas regula a forma e modo pelo qual ela pode ser feita.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.