Governo cede, e PEC Emergencial sofre nova desidratação na Câmara

Proposta cria gatilhos fiscais e institui a chamada "cláusula de calamidade", exigida pela equipe econômica para a concessão de nova rodada do auxílio

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados concluiu, na noite desta quarta-feira (10), a análise dos destaques apresentados pelas bancadas ao texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial.

A votação de dez pedidos de modificação do parecer levou mais de 13 horas e culminou em novas desidratações do texto.

Durante a sessão, o governo teve que abrir mão de trecho que impedia progressões de carreira e promoções de servidores públicos em circunstâncias específicas para evitar prejuízo maior sobre as medidas defendidas pela equipe econômica.

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Os parlamentares ainda precisam votar a proposta em segundo turno, em sessão marcada para as 10h (horário de Brasília) da quinta-feira (11), com necessidade de apoio de pelo menos 3/5 dos membros da casa legislativa (ou seja, 308 votos). Aprovado, o texto vai à promulgação pelo Congresso Nacional.

A PEC Emergencial é apontada pela equipe econômica do governo como fundamental para viabilizar a concessão de uma nova rodada do auxílio emergencial, diante do recrudescimento da crise do novo coronavírus no país.

O texto permite o pagamento do benefício por fora das regras fiscais e impõe uma série de contrapartidas fiscais, como controle de despesas de pessoal e redução de incentivos tributários.

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O valor total gasto com o programa pode até ser maior, mas somente os R$ 44 bilhões poderão fugir da meta de resultado primário (estimada em déficit de R$ 247 bilhões) e do teto de gastos – regra constitucional que limita a evolução das despesas de um ano para o outro à inflação.

A primeira leva de pagamentos do auxílio chegou a R$ 292 bilhões para cerca de 68 milhões de pessoas, em duas rodadas: na primeira, foram pagas parcelas de R$ 600 por cinco meses; na segunda, chamada de “auxílio residual”, foram parcelas de R$ 300 durante quatro meses e com um público-alvo menor.

No novo modelo em avaliação no governo federal, as parcelas da ajuda à população mais vulnerável variam de R$ 175 a R$ 375, a depender da composição da família, e devem ser pagas por quatro meses (de março a junho). Para a família monoparental dirigida por mulher, o valor será de R$ 375; para um casal, R$ 250; e para o homem sozinho, de R$ 175.

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A maior parte dos destaques de bancada votados ao longo do dia em plenário pretendia diminuir as restrições fiscais impostas como compensação para a concessão do novo auxílio e retirar a limitação de R$ 44 bilhões para o benefício. Parlamentares críticos ao governo também tentam desvincular o programa temporário de medidas permanentes de ajuste fiscal.

Dos dez pedidos de modificação, apenas um prosperou: o Destaque nº 4, apresentado pela bancada do PDT, que retirou da proposta a vinculação de receitas de impostos a fundos, despesas e órgãos específicos (entre eles, a Receita Federal) no caso de crise fiscal. Foram 302 votos contra o destaque, mas o mínimo para manter o texto são 308. Houve 178 votos a favor.

Com isso, a Constituição Federal continua com a redação atual no dispositivo que proíbe apenas a vinculação de impostos aos fundos, com algumas exceções.

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Outro artigo relacionado ao tema continua no texto aprovado, permitindo ao Executivo usar, até o fim de 2023, o superávit financeiro dos seus fundos públicos para pagar a dívida pública.

Ficam de fora os fundos públicos de fomento e desenvolvimento regionais e, como o trecho da Constituição sobre vinculação não foi mudado, também não podem ser usados o Fundeb e os fundos de atividades da administração tributária.

A medida vale inclusive para estados e municípios, mas se o ente federado não tiver dívida pública para amortizar, o dinheiro será de livre aplicação.

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A maior desidratação do texto ocorreu logo na sequência, quando, para evitar uma nova derrota, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), costurou um acordo para aprovar um destaque que permitirá a promoção e progressão de carreira de todos os servidores públicos federais, estaduais e municipais.

O compromisso funcionou como redução de danos para a equipe econômica, uma vez que evitou que o Palácio do Planalto fosse derrotado durante votação de destaque do PT, que sugeria a extinção do gatilho da PEC que impedia a progressão funcional e contratações no serviço público durante crise fiscal.

O relator da proposta, deputado Daniel Freitas (PSL-SC), disse que a retirada acordada de dos três trechos de seu parecer “vai permitir a todas as categorias” progressões de carreira e promoções. Por se tratar de destaques supressivos, ele argumentou que a proposta não sofreria atrasos e não precisaria ser novamente votada pelo Senado Federal – casa autora da proposição.

“O governo entende que vai abrir mão mesmo prejudicando de forma substancial algumas questões desta PEC para permitir as progressões e as promoções para todas as categorias”, disse o parlamentar durante a sessão.

Entenda a proposta

A PEC Emergencial foi originalmente apresentada pela equipe econômica em novembro de 2019, como parte da chamada “Agenda Mais Brasil” – que também continha as PECs do Pacto Federativo e dos Fundos –, com a criação de instrumentos para conter a evolução dos gastos públicos. Nenhum dos textos havia avançado até o início da pandemia.

Com a crise sanitária, o tema entrou em discussão como caminho possível para a construção de um novo programa de renda mínima pelo governo para suceder o auxílio emergencial, encerrado em dezembro do ano passado, liberando espaço no Orçamento para a medida.

A ideia do novo programa, contudo, foi abortada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em poucos meses. Mas o aumento do número de casos e óbitos provocados pela Covid-19 na virada do ano ampliou a pressão por uma nova rodada de auxílio emergencial.

Como contrapartida para a disponibilização do benefício, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) resgatou pontos presentes nas três PECs e passou a defender a aprovação de uma “cláusula de calamidade”, com regras a serem seguidas em qualquer situação de calamidade pública decretada (seja uma pandemia ou mesmo uma guerra).

Entre os mecanismos previstos está o acionamento de “gatilhos fiscais”, que também poderiam ser aplicados caso as despesas correntes de União atinjam a marca de 95% das despesas totais em período de 12 meses. No caso de estados e municípios, as medidas são facultativas, por conta da autonomia federativa.

Mas se todos os órgãos e poderes do ente federado não adotarem todas as medidas, o estado ou município em questão ficará impedido de obter garantia de outro ente federativo (normalmente da União) para empréstimos (internacionais, por exemplo), além de não poder contrair novas dívidas com outro ente da federação ou mesmo renegociar ou postergar pagamentos de dívidas existentes.

É facultado aos entes a possibilidade de aplicação de todas ou algumas medidas indicadas já no momento em que a relação atingir 85%. Neste caso, a medida perderá eficácia quando rejeitada pelo Poder Legislativo ou quando transcorrido prazo de 180 dias “sem que se ultime a sua apreciação”.

Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, o patamar de 95% seria alcançado pelo governo federal apenas em 2025. Boletim dos entes subnacionais indica que, pelos dados de 2019, 14 estados poderiam lançar mão do instrumento imediatamente após promulgação da PEC, por atingirem os 85%. E três já superaram o teto: Rio Grande do Sul (98,27%), Minas Gerais (96,9%) e Rio Grande do Norte (95,7%).

Eis as vedações previstas nos gatilhos da proposta:

a) Concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas;

b) Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

c) Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

d) Admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:
1. as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;
2. as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
3. as contratações temporárias de que trata o inciso IX do art. 37; e
4. as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;

e) Realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas na alínea “d”;

f) Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores, empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

g) Criação de despesa obrigatória;

h) Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação;

i) Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;

j) Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;

A PEC Emergencial trata ainda do pagamento de precatórios por estados, Distrito Federal e municípios, passando de 2024 para 2029 a data final para quitação de precatórios sob regime especial criado pela Emenda Constitucional 99, de 2017.

Por outro lado, o texto acaba com a possibilidade de bancos federais financiarem o pagamento desses precatórios por fora dos limites de endividamento vigentes.

Além disso, será revogada a regra transitória de pagamentos da União a estados e municípios como compensação pela desoneração de exportações prevista na Lei Kandir. Isso decorre de acordo firmado entre a União e os outros entes federados prevendo o pagamento de compensações da ordem de R$ 58 bilhões entre 2020 e 2037.

No Senado, o texto sofreu uma série de desidratações até encontrar o apoio necessário para ser votado. Uma das primeiras medidas previstas na versão original a cair nas negociações foi dispositivo que permitia redução proporcional e temporária de salários e jornadas de servidores públicos.

Atendendo a pedidos de líderes partidários, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta naquela casa legislativa, retirou a desvinculação dos mínimos constitucionais para Saúde e Educação, após forte pressão de setores da sociedade civil. Também ficou de fora trecho que extinguia os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a partir das contribuições do PIS/Pasep, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Outro item que saiu do texto falava em “necessidade de observância do equilíbrio fiscal intergeracional”, considerado pouco claro pelos congressistas e que poderia abrir brecha para alterações em benefícios previdenciários no futuro.

A PEC autoriza que o Poder Executivo Federal adote processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e obras, serviços e compras, desde que com o propósito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade pública e de seus efeitos econômicos, no seu período de duração.

Nestas condições, as proposições legislativas e atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Também há uma flexibilização temporária em regras fiscais, com a dispensa da vedação de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, durante a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade pública de âmbito nacional, a dispensa de limites e restrições para a contratação de operações de crédito no período e a possibilidade de o superávit financeiro apurado no ano anterior ser destinado à cobertura de despesas com medidas de combate à calamidade pública nacional e do pagamento da dívida pública.

A versão hoje em discussão determina, ainda, que o presidente encaminhe ao Congresso Nacional, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas de impactos orçamentários e financeiros.

Os cortes deverão ser de pelo menos 10%, para o exercício em que forem encaminhados, em relação ao ano anterior. Em oito anos, o montante oriundo dos benefícios e incentivos não poderá ultrapassar 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Ficam fora do cálculo incentivos e fundos de desenvolvimento regional, o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus, entidades sem fins lucrativos, a cesta básica e o Prouni.

(com Agência Câmara)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.