Governo avalia mudanças em limite de isenção para dividendos, desconto simplificado no IRPF e alíquota do IRPJ

Em webinar, secretário da Receita Federal indica três alterações prováveis no projeto de reforma do Imposto de Renda apresentado pelo governo

Marcos Mortari

José Barroso Tostes Neto, em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto (FOTO: EDU ANDRADE/Ascom/M)
José Barroso Tostes Neto, em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto (FOTO: EDU ANDRADE/Ascom/M)

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SÃO PAULO – O secretário especial da Receita Federal, José Tostes, admitiu, nesta quarta-feira (7), que o projeto de lei que trata do Imposto de Renda cobrado para pessoas físicas, empresas e sobre investimentos (PL 2.337/2021) deverá sofrer alterações ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional. Ele participou do webinar “Caminhos para a Reforma Tributária”, realizado mais cedo pelo jornal digital Poder360.

Entre os pontos que devem ser revistos pelos parlamentares e acatados pela equipe econômica estão a redução da alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a alteração nos limites para isenção na distribuição de dividendos por micro e pequenas empresas e a limitação no acesso ao desconto simplificado do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).

O texto original prevê redução da alíquota de IR recolhido por empresas de 15% para 10% em um duas etapas ao longo de dois anos. A ideia é que o desconto possa ser aprofundado, desde que haja contrapartidas com cortes de subsídios e benefícios tributários – medida já prevista em cumprimento ao que estabelece a PEC Emergencial, promulgada em março deste ano.

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“O ministro [Paulo Guedes] propôs que se aproveitasse essa proposta para, antecipadamente, e já incluir um montante de redução desses benefícios que possa ser utilizado para reduzir mais ainda a alíquota do IRPJ. Essa antecipação da redução dos benefícios seria utilizada para promover a redução da alíquota”, disse Tostes.

O projeto de lei também institui a tributação de dividendos, atualmente isentos, mas estabelece uma faixa de isenção para parcelas de até R$ 20 mil mensais no caso de micro ou pequenas empresas – ou seja, receita bruta de até R$ 4,8 milhões anuais. Diante da forte demanda por modificações, a equipe econômica já admite a discussão de um aumento na faixa sem tributação.

Outro item proposto que poderá ser modificado durante a tramitação trata do desconto simplificado, hoje de 20% sobre os ganhos até o limite de R$ 16 mil mensais. Pela versão encaminhada pelo governo, o benefício só contemplaria contribuintes com rendimentos de até R$ 40 mil anuais – excluindo uma faixa relevante de contribuintes.

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A mudança, em alguns casos, poderia, inclusive, representar elevação de carga tributária, já que a atualização da tabela do IRPF não ocorreu na mesma proporção em determinadas faixas. Mas a equipe econômica já admite a possibilidade de elevar o teto para beneficiários do desconto simplificado, em meio à cobrança de congressistas.

“O projeto está aí para ser debatido. Nós estamos considerando todas as propostas que sejam construtivas e que contribuam para o seu aperfeiçoamento”, afirmou Tostes.

Carga tributária
O seminário também contou com a presença de Daniel Leichsenring, economista-chefe da Verde Asset Management, do jurista Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro da USP, e de Isaías Coelho, assessor especial do Ministério da Economia.

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Em suas intervenções, Leichsenring fez duras críticas ao modelo de reforma tributária proposto pelo governo e disse que o projeto que trata do Imposto de Renda deve provocar um aumento de carga tributária de, pelo menos, R$ 40 bilhões ao ano. Para ele, o texto traz “efeitos colaterais” a diversos setores da economia e prejudica significativamente grandes empresas, que adotam o modelo tributário do lucro real.

“Essa é uma grande crítica que se faz de uma reforma tributária que tenha sido gestada dentro da Receita Federal, que não está olhando para qual é a melhor reforma, do ponto de vista de gerar crescimento, mas sim a melhor reforma do ponto de vista de arrecadar impostos e reduzir toda e qualquer capacidade de planejamento tributário por parte das empresas”, disse.

“Há méritos, mas, do ponto de vista de qual é a reforma que vai gerar crescimento econômico no país, esta parece a pior possível. Acho que o Brasil estaria hoje melhor sem a reforma do Imposto de Renda do que com”, complementou.

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Isaías Coelho afirmou que o governo não pode criar obstáculos aos negócios nos fundos de investimento e nas relações entre holdings e suas controladas. “Se houver qualquer empoçamento ou retenção indevida, é possível ajustar o tratamento para evitar que isso ocorra, porque não é desejado, absolutamente, criar ônus novos. O que queremos é facilitar negócios, dinamizar o mercado de capitais, através da simplificação da tributação, através da transversalidade e simplicidade”, disse.

O assessor especial do Ministério da Economia frisou, ainda, que a proposta em discussão tem efeito neutro, mantendo a carga geral nos mesmos patamares. “Ela certamente não aumenta a carga tributária. Ela tira tributação de um lado e coloca no outro”, afirmou. Até o fim da semana, a Receita Federal promete encaminhar nota técnica ao Congresso Nacional para esclarecer a metodologia das contas.

Heleno Torres alertou para os riscos de a proposta provocar disputas judiciais e aumentar o nível de insegurança jurídica, além de inviabilizar atividades como no setor de serviços, pelo aumento de carga tributária. O professor sugeriu a criação de uma alíquota progressiva para tributação de dividendos e um regime de transição, respeitando o planejamento de longo prazo feito pelas empresas.

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Para ele, a medida gera uma especial preocupação sobre concessionárias de serviços públicos em segmentos como elétrico, telecomunicações e transporte. “Essas propostas foram feitas com base na ausência da tributação sobre dividendos. Os custos logicamente são outros. E o impacto severo que essa medida traz fatalmente levará essas empresas a uma necessidade de revisão dos contratos, ampliação do custo de operações e isso será repassado ao consumidor”, disse.

Torres também fez críticas à extinção dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP). Segundo ele, o instrumento é usado por 40% das empresas e pode trazer prejuízos às companhias, sobretudo no momento delicado provocado pela pandemia da Covid-19. Também são esperados impactos negativos sobre a realização de IPOs (ofertas públicas iniciais, da sigla em inglês) e de movimentos de reorganização societária.

Outro ponto que pode aumentar a insegurança jurídica diz respeito à tributação imediata sobre ganhos que fundos fechados tiveram no passado. “A irretroatividade da lei tributária é princípio constitucional”, defendeu.

O tributarista também acredita que o projeto provocará uma “explosão” da chamada “pejotização” no mercado de trabalho. “Veremos certos empresários convertendo empregos em PJs de valores abaixo de R$ 20 mil [limite para a isenção na distribuição de dividendos]. O vendedor vai passar a ser representante. Vai abrir uma empresa de representação e vai vender em nome daquela pessoa jurídica. Eu não tenho dúvidas que esse limite, sem considerações sobre restrições a MEI ou certos casos de tratamentos que sejam controlados, induzirá a maior indústria de PJs do mundo que vai ser aberta no Brasil”, argumentou.

Em resposta, Tostes admitiu distorções em outros modelos de tributação no País e disse que a revisão dos modelos do Simples Nacional, do Microeemprendedor Individual (MEI) e do regime do Lucro Presumido deverá acontecer em outras etapas da reforma discutida pelo governo federal.

“O MEI e o Simples foram criados para dar um tratamento privilegiado às micro e pequenas empresas, mas sua ampliação indevida ao longo do tempo decorreu de um argumento de que o regime normal era bastante oneroso e complexo e precisava realmente ampliar essa tributação mais simplificada e favorecida com um universo maior de empresas. Porém, na medida em que a gente faz a revisão e reduz, como está sendo feito, substancialmente a alíquota do regime normal, entendemos que o passo seguinte seria fazer a revisão das distorções hoje existentes no MEI e no Simples”, pontuou.

O secretário da Receita Federal também disse que o governo não abandonou a possibilidade de juntar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – proposta na primeira fase da reforma tributária para unificar os impostos federais PIS e Cofins – com o ICMS (tributo estadual) com o ISS (municipal) em uma espécie de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) dual.

Segundo ele, a Receita tem feito reuniões frequentes com o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), relator da PEC 110/2019, e secretários estaduais de Fazenda, para avançar na construção de um acordo com o objetivo de incidência única sobre consumo de bens e serviços. Tostes defende que a CBS já é um avanço preliminar e posteriormente poderá acoplar ICMS e ISS.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.