Governo apresenta MP que prevê arrecadar R$ 29 bi para compensar desonerações

Texto que será encaminhado ao Congresso Nacional prevê 3 eixos, dentre eles a limitação do uso de créditos de PIS/Cofins e o cadastramento de empresas que contam com benefícios fiscais

Marcos Mortari

Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda (Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)
Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda (Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresenta, nesta terça-feira (4), medidas de compensação para a renúncia fiscal com a desoneração da folha de salários de 17 setores econômicos e milhares de municípios.

O texto, que será encaminhado ao Congresso Nacional na forma de medida provisória, tem um potencial de arrecadação de R$ 29,2 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda − R$ 2,9 bilhões a mais do que as perdas esperadas com a prorrogação dos benefícios concedidos às empresas (R$ 15,8 bilhões) e às prefeituras (R$ 10,5 bilhões).

Segundo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, a margem se faz necessária por se tratar de “medida nova”. “É importante que tenhamos uma margem de segurança para que cumpramos a Constituição, a Lei de Responsabilidade e garanta o equilíbrio fiscal neste exercício”, afirmou.

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O dispositivo conta com 3 eixos principais: 1) a compensação dos benefícios concedidos com a prorrogação da desoneração, gerada a partir de uma limitação do uso de créditos de PIS/Cofins (R$ 17,5 bilhões) e do não ressarcimento do crédito presumido (R$ 11,7 bilhões); 2) o cadastramento de empresas que contam com benefícios fiscais; e 3) a permissão para que municípios já fiscalizam e lançam o Imposto Territorial Rural (ITR) em seus territórios possam julgar os processos administrativos decorrentes, seguindo diretrizes interpretativas da União.

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Durante entrevista coletiva, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, que comanda interinamente a pasta durante a viagem oficial do ministro Fernando Haddad (PT) ao Vaticano, disse que a iniciativa busca compensar os gastos tributários que não previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, garantindo, assim, a manutenção da meta de equilíbrio fiscal.

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“Nosso objetivo é fazer o ajuste fiscal com medidas de justiça, sem aumento de tributo, sem aumento de alíquotas, sem criação de novos tributos. E essa é a agenda que vai ser perseguida”, disse.

“Esses benefícios, tanto para os 17 setores, quanto para os municípios, não estão previstos na lei orçamentária. E todo o esforço feito na sequência foi para dar compatibilidade, para fazer com que se harmonizem os gastos tributários, as renúncias, fiscais, ao conjunto do orçamento do país, para que isso não venha a pesar de maneira desproporcional para quem paga tributo, o setor produtivo que paga juros e para as pessoas que sentem a inflação”, pontuou.

Ao detalhar as medidas de compensação às desonerações, Durigan voltou a falar em “distorção do sistema tributário” e defender o que ele entende como “justiça”. Na ótica do Ministério da Fazenda, os benefícios concedidos às empresas não produziram os efeitos desejados em geração de emprego e desenvolvimento econômico, considerando o volume de renúncia fiscal produzido.

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A desoneração da folha de pagamentos para empresas vem sendo adotada desde 2011. O benefício fiscal consiste na substituição da contribuição paga pelas empresas destinada à Seguridade Social, de 20% sobre o total de remunerações pagas, por uma contribuição sobre a receita bruta das companhias, com alíquotas que variam de 1% a 4,5%. O modelo também eleva em 1 ponto percentual a alíquota da Cofins na hipótese de importação de determinados bens.

O governo defende o fim gradual do benefício. Durante esse “fase out”, a ideia era criar um benefício temporário substituto, desta vez a partir da própria folha de pagamentos. Pela regra, os setores beneficiários seriam divididos em dois grupos − cada um com uma alíquota de partida e um ritmo de saída.

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Um acordo foi firmado em maio entre o governo e os setores econômicos. Por ele, as empresas manterão benefício integral em 2024. A partir de 2025, começarão a ser tributadas sob a folha de pagamentos a alíquota de 5%, até chegar em 20% em 2028.

Já no caso dos municípios, a lei aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado baixou de 20% para 8% a alíquota cobrada de contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre a folha de pagamentos de municípios enquadrados em coeficientes abaixo de 4,0 da tabela de faixas de habitantes observada na distribuição do Fundo de Participação dos dos Municípios (FPM) − o que equivale a um teto de 156.216 habitantes, marca que abrangeria 5.377 municípios, conforme dados do último Censo Demográfico.

Como nenhum dos dois casos de desonerações estavam previstos na peça orçamentária deste ano, o governo federal trabalha para aprovar ações para compensar os efeitos negativos provocados sobre a arrecadação. Na medida provisória apresentada nesta terça-feira (4), são apresentadas duas vertentes de limitação do uso de créditos de PIS/Cofins.

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Na primeira delas, haverá uma vedação daquilo que se entende como “compensação cruzada”. Ou seja, os créditos desses tributos só poderão ser usados para a compensação de débitos desses próprios impostos, e não mais para Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), por exemplo, pelos mesmos contribuintes. A regra mantém a possibilidade de ressarcimento em dinheiro, mediante prévia análise do direito creditório.

Na segunda, não apenas é mantida a vedação ao ressarcimento em dinheiro, impedindo a “tributação negativa” ou “subvenção financeira” para setores contemplados, como ela também é estendida para

os 8 casos que haviam permanecido e que representaram R$ 20 bilhões pleiteados em 2023. O texto não altera a possibilidade de compensação na sistemática da não cumulatividade − ou seja, o direito permanece, desde que haja tributo a ser pago pelo contribuinte.

“Não há alteração em relação ao crédito. O crédito segue existindo. O que há, no caso do crédito presumido, é uma limitação para que as empresas peçam o ressarcimento à Receita Federal. Como é um crédito que não foi acumulado na cadeia, mas foi imputado de maneira fictícia pela legislação, o que fazemos é mantê-lo, podendo ser fruído pelo contribuinte, mas impedindo que haja pedido de ressarcimento”, frisou Durigan.

Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, 48,7% de todas as compensações de débitos previdenciários no ano passado foram feitas com créditos de PIS/Cofins. No entanto, cerca de 86% das compensações foram decorrentes de compensação cruzada e somente 14% com a própria contribuição previdenciária.

A equipe econômica do governo argumenta que, embora a não-cumulatividade devesse do PIS/Cofins deveria ser um instrumento para tributação efetiva, neutra nas cadeias de produção em consumo, em que cada contribuinte, ao recolher o tributo, abate o valor incidente nas operações anteriores. Sob tal lógica, o acúmulo de créditos seria “exceção”, tornando o ressarcimento em dinheiro algo raro.

Mas, com alterações legislativas promovidas ao longo do ano, a pasta alega que a lógica foi invertida, tornando o acúmulo de créditos a “regra” para alguns contribuintes, o que torna comum até mesmo a chamada “tributação negativa”.

A Receita Federal aponta que há casos de empresas que, além de deixar de recolher PIS/Cofins, também deixam de recolher ao fisco o IRPF e contribuição social retida dos salários de seus empregados. O que, na avaliação do órgão, significa que “o contribuinte (empregado) é onerado, mas o responsável pelo recolhimento ao fisco (empregador) apropria-se do montante”.

Novela sem fim

O movimento do governo ocorre após um longo desentendimento com o Congresso Nacional, que prorrogou até o fim de 2027 a desoneração sobre a folha de pagamentos para 17 setores da economia, e reduziu a alíquota da contribuição previdenciária paga por municípios. As iniciativas chegaram a ser vetadas por Lula, mas os parlamentares derrubaram o veto e promulgaram as novas normas.

Depois da derrota, o governo editou medida provisória revogando os efeitos das regras − o que foi interpretado por congressistas como uma afronta. O texto, no entanto, só avançou no Legislativo após o Executivo aceitar retirar tais pontos polêmicos da discussão (que também envolviam a revogação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse) e levá-los na forma de projetos de lei separados. Na prática, portanto, o único ponto que avançou como medida provisória foi trecho que estabelece um limite para a compensação anual de créditos tributários concedidos por decisão judicial transitada em julgado.

Enquanto enfrentava dificuldades no parlamento, o governo federal conseguiu decisão liminar no Supremo Tribunal Federal (STF), concedida pelo ministro Cristiano Zanin, suspendendo os benefícios de desoneração concedidos pelo Congresso Nacional. O movimento irritou parlamentares, mas abriu caminho para uma nova rodada de negociações, que desaguaram nesta nova medida provisória.

Com o avanço das tratativas, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou novo pedido a Zanin pela suspensão do processo por 60 dias. O pleito foi atendido, o que garantiu mais tempo para que um entendimento possa ser concluído.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.