Governo aposta em apetite estrangeiro para destravar 35 leilões de rodovias até 2026

Cenário de juros altos no longo prazo gera desafios, mas Ministério dos Transportes vê ambiente favorável para atrair recursos externos e conta com novos instrumentos no mercado doméstico

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), e os ministros dos Transportes, Renan Calheiros Filho (MDB), e da Fazenda, Fernando Haddad (PT) em cerimônia de de anúncio de investimentos para execução de obras e intervenções na Via Dutra e Rio-Santos (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), e os ministros dos Transportes, Renan Calheiros Filho (MDB), e da Fazenda, Fernando Haddad (PT) em cerimônia de de anúncio de investimentos para execução de obras e intervenções na Via Dutra e Rio-Santos (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleceu uma meta ousada de realizar 35 leilões de concessões de rodovias ao longo dos 4 anos de mandato, mas até o momento apenas 3 foram arrematados − os lotes 1 e 2 no Paraná em 2023 e a BR-040/MG neste ano.

Além dos certames arrematados, houve outra tentativa de conceder o trecho da BR-381 entre Belo Horizonte (MG) e Governador Valadares (MG), que, pela terceira vez, não gerou interessados. Neste caso, um novo leilão está previsto para 29 de agosto, com ajustes no edital, como a mitigação de riscos ao concessionário.

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Desde junho também está aberto edital de concessão da BR-040/GO/MG entre Belo Horizonte e Cristalina (GO) para leilão marcado para 26 de setembro. Além dele, estão previstos 3 leilões em outubro − mesmo número de novembro e dezembro.

“É muito importante ter uma meta arrojada. Ela não é uma vontade minha, mas uma constatação de que o Brasil historicamente fez muito pouca concessão de infraestrutura, apesar haver um alarde maior em um governo ou outro”, disse o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), em entrevista concedida ao InfoMoney.

“Em cerca de 25 anos de concessões no Brasil, só fizemos 24 leilões. Isso significa menos de um leilão por ano na média histórica. No governo passado, por mais alarde que tenham tentado fazer, fizeram 6 leilões − 1,5 por ano. Por que eu quero elevar isso para 12 ou 13 neste ano e 35? Acredito que esse número dialoga com a necessidade da nossa infraestrutura. Se eu tiver uma meta arrojada e cumprir parte dela − 70%, 80%, 90% −, significará que teremos feito 26, 28, 30 leilões, contra 6”, pontuou.

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Leia também: Renan Filho: Se freada for muito brusca, é o pobre que voa pelo para-brisa

O otimismo do ministro contrasta com um momento ainda desafiador para o mercado, sobretudo no financiamento de obras de infraestrutura, em meio à persistência de taxas de juros em patamares elevados.

Hoje, a Selic está em 10,50% ao ano. As taxas de títulos públicos longos atrelados à inflação, como a NTN-B com vencimento em 2045, por exemplo, foram de IPCA +5,53% em 2 de janeiro para IPCA +6,53% em 2 de julho e atualmente mantêm ganho real acima dos 6,20%. Isso também significa um custo mais elevado para a captação de recursos para obras em rodovias e ferrovias.

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Na avaliação de Renan Filho, o investidor doméstico é mais sensível ao quadro posto do que o estrangeiro − que tem sido cada vez mais buscado para investir em projetos de infraestrutura no Brasil. “Os investimentos de longo prazo têm vivido no mundo uma situação boa. Há liquidez no mercado internacional para investimentos em infraestrutura, haja vista os leilões que fizemos”, disse.

“O Brasil é hoje um país muito forte em características capazes de atrair o investimento internacional para infraestrutura”, prosseguiu.

Para ele, há três fatores que tornam o país um destino de interesse para investidores externos: 1) projetos mais rentáveis do que em economias mais desenvolvidas; 2) conexão do Brasil com a agenda da preservação da biodiversidade e da transição ecológica; e 3) o país é garantidor de segurança alimentar.

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“Esses pontos facilitam a atração do investimento internacional no Brasil. E [essa] tem sido a tônica dos últimos leilões. Por isso que a entrada de fundos de investimentos, substituindo apenas construtoras e empresas concessionárias ou disputando com elas, amplia o leque de concorrentes”, sustentou.

“Dito isso, vale ressalvar que, quanto mais a política econômica brasileira permitir a queda da taxa de juros, com inflação controlada, mais ainda nós teremos estímulo para os investimentos em infraestrutura de longo prazo”, complementou.

Um teste importante para o governo será a terceira tentativa de leilão do trecho da BR-381 entre Belo Horizonte (MG) e Governador Valadares (MG). O governo federal, desta vez, fez mudanças no edital como estratégia de superar o desinteresse de investidores observados nos últimos certames envolvendo o trecho.

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Neste caso, uma das adequações foi a retirada de dois trechos da saída de Belo Horizonte do contrato. Eles agora serão feitos como obra pública, em razão de a insegurança da iniciativa privada em lidar com a necessidade de grande realocação da população que mora nos locais do projeto.

Outra mudança foi o aumento da taxa de retorno do projeto. “Ela precisa ser proporcional ao desafio de execução: projeto muito fácil, menor retorno; projeto mais complexo, com área acidentada, de chuva forte, com carregamento de muita carga, risco mais alto, rentabilidade também maior”, justificou o ministro. Por fim, o governo decidiu aumentar o compartilhamento do risco geológico da região.

Novos instrumentos

Para além de adequações em editais e modelos de contrato, o Ministério dos Transportes também espera contar com novas modalidades de financiamento para atores privados como forma de facilitar a formatação de projetos e aumentar o interesse em leilões futuros − o que ajuda também na competitividade, e, portanto, em ganhos de eficiência.

Uma das apostas que podem estimular atores nacionais é o aprofundamento do uso de debêntures nos projetos. Nesse sentido, o novo instrumento das debêntures de infraestrutura, criada por lei sancionada em janeiro e regulamentada em decreto de maio, traz uma nova alternativa de acesso a financiamento com menos burocracia.

A ideia é que sejam impulsionados investimentos comprometidos com a neutralidade climática, o desenvolvimento sustentável e a inclusão social. Na área de transportes, serão considerados prioritários somente os projetos cujas ações sejam objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização ou arrendamento. Tal requisito se mostra importante para que os benefícios fiscais sejam focalizados em projetos vinculados ao interesse público.

Diferentemente das debêntures incentivadas, as debêntures de infraestrutura oferecem benefícios fiscais diretamente às empresas emissoras, o que visa possibilitar a oferta de melhores remunerações nas emissões dos títulos e, consequentemente, o alcance de investidores institucionais que já possuem benefícios de imposto de renda, como é o caso dos fundos de pensão.

Pela nova modalidade, a empresa emissora pode deduzir os juros pagos na apuração de seu lucro líquido e na sua base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Além disso, há previsão de exclusão adicional de 30% dos juros pagos no exercício na apuração do lucro real e na base de cálculo da CSLL, e ampliação do prazo de 24 para até 60 meses para retroagir na quitação dos gastos, despesas ou dívidas possíveis de reembolso com os recursos captados. Desta forma, as empresas poderão emitir as debêntures em um momento de menor risco do projeto, o que reduz o custo de captação dos recursos.

Outra aposta para destravar projetos de infraestrutura é uma participação mais efetiva do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na semana passada, ganhou destaque a notícia de que a instituição irá ancorar R$ 9,4 bilhões de debêntures incentivadas que serão emitidas pela CCR Rodovias (CCRO3) para financiar obras relacionadas à Dutra e à Rio-Santos. Também haverá crédito direto de R$ 1,34 bilhão.

O projeto também traz a inovação do chamado “project finance non recourse”, que permite que o risco envolvido seja coberto pelos próprios ativos do projeto. Desta forma, a companhia não precisa fornecer garantias adicionais − o que alivia o balanço e facilita um novo endividamento para participação de projetos futuros.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.