Governo amplia apoio no Congresso, mas ambiente para reformas segue turvo

Para analistas, ganho de apoio do presidente no parlamento não foi acompanhado proporcionalmente por melhor capacidade de aprovar proposições

Marcos Mortari

(Alan Santos/PR)
(Alan Santos/PR)

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SÃO PAULO – O grupo de parlamentares alinhados ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cresceu nos últimos meses, mas não trouxe uma melhora proporcional nas perspectivas para a agenda de reformas econômicas. É o que avaliam analistas políticos consultados pela 20ª edição do Barômetro do Poder.

O levantamento é uma iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as expectativas das principais consultorias de análise de risco político e analistas independentes em atividade no Brasil sobre alguns dos assuntos em destaque na cena política nacional. Acesse a íntegra, clicando aqui.

Na avaliação da maioria dos especialistas consultados, por mais que o presidente tenha hoje mais espaço no Congresso Nacional do que alguns meses atrás, os impactos sobre a capacidade de pautar temas econômicos complexos ainda parecem modestos.

A sondagem, realizada entre os dias 28 e 30 de setembro, mostra que, dividindo os 513 deputados federais e os 81 senadores em três grandes grupos (alinhados com o governo, de oposição e indefinidos), a média das estimativas dos especialistas aponta para uma base aliada com 200 assentos na Câmara (39%) e 24 no Senado (30%).

Os números são os melhores para o governo desde abril do ano passado. As projeções para os deputados alinhados com o governo mais que dobraram em cinco meses. E continuam em tendência ascendente. De agosto pra cá, 14 deputados entraram nos cálculos para a base governista no levantamento.

O movimento coincide com a ofensiva de Bolsonaro em direção aos partidos do chamado “centrão”. Hoje, o grupo detém mais espaços na administração pública, comanda o Ministério das Comunicações e ocupa a liderança do governo na Câmara. Inclusive passou a influenciar diretamente a tomada de decisões – mesmo as mais sensíveis, como a indicação de ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF).

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No Senado, de abril pra cá, a média das estimativas para o grupo alinhados com a atual gestão cresceu 50%. Na casa tramitam PECs (Propostas de Emenda à Constituição) consideradas prioritárias pelo governo.

Esta edição contou com 13 participantes, sendo dez casas de análise de risco político – Control Risks, Dharma Political Risk & Strategy, Empower Consultoria, Eurasia Group, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público, Tendências Consultoria Integrada e XP Política – e três analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe), Carlos Melo (Insper) e Thomas Traumann.

Apesar da fotografia mais favorável no parlamento, analistas políticos ainda veem reduzida capacidade de o Poder Executivo conduzir e aprovar uma agenda de interesse nas duas casas legislativas. Tais condições são baixas na avaliação de 39% dos consultados, visão confrontada por outros 23%. Para 69%, as relações entre governo e parlamento são regulares.

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Em uma escala de 1 (péssima) a 5 (ótima), a media das avaliações para a relação entre os Poderes é de 3,00. O Barômetro também mostra que 85% não esperam grandes mudanças neste cenário nos próximos seis meses.

“A aliança com o ‘centrão’ segue dando as cartas no governo”, diz um analista.

“Com aumento da popularidade, aumenta o apoio no Congresso Nacional. O contrário é esperado para ano que vem, quando escassearão os recursos para auxílios”, pontua outro.

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Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados do levantamento são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e comentários.

Dificuldades para reformas

A percepção de uma reduzida capacidade de o governo aprovar proposições no parlamento tem forte impacto sobre a impressão dos analistas quanto ao futuro da agenda de reformas econômicas.

No campo da reforma tributária, a avaliação é de um caminho difícil para todos os itens observados. Das três proposições em análise, a PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e a PEC 110/2019, do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, guardam as melhores expectativas. Nenhum analista vê chance elevada de aprovação do PL 3.887/2020, versão de simplificação federal apresentada pelo governo.

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A possibilidade da implementação de um imposto sobre transações financeiras ou digitais, defendida pelo ministro Paulo Guedes (Economia), é vista como baixa por 77% dos consultados. Apenas 8% acreditam que o tributo deverá ser aprovado pelos congressistas. Vale lembrar que o governo ainda não formalizou uma proposta nesse sentido.

Até mesmo a tributação sobre dividendos, que conta com maior apelo popular e entre os parlamentares, hoje é vista com maior reserva pelos analistas. Para 23% são altas as chances de o tema avançar, enquanto 54% acreditam no contrário.

A possibilidade de transformação do IPI em imposto seletivo sobre produtos com externalidades negativas tampouco tem perspectivas promissoras de tramitação, na avaliação dos especialistas.

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Do lado da reforma administrativa, apenas dois dos nove itens levantados são vistos com maiores chances de avanço pelos analistas consultados: 1) a aplicação das novas regras apenas aos futuros entrantes no funcionalismo público; e 2) o fim da aposentadoria compulsória como punição.

Todos os analistas veem baixas chances de aprovação de uma reforma mais ampla, que atinja atuais servidores públicos, ou que inclua militares, promotores, juízes e parlamentares. Por outro lado, 25% atribuem chance elevada de que as mudanças valham para servidores federais, estaduais e municipais.

Tido como pilar da proposta apresentada pelo governo federal, a criação de cinco tipos de vínculo entre servidores e o Estado e a previsão de estabilidade para apenas um dos casos tem chances médias de avançar, na avaliação de 58% dos entrevistados. Em uma escala de 1 (muito baixas) a 5 (muito altas), porém, a probabilidade média atribuída para esse item é de 2,50.

“A janela das reformas fechou. Agora, o Congresso vai se preocupar com as eleições municipais e das de presidentes da Câmara e Senado e com a manutenção do Auxilio Emergencial”, diz um analista.

“O governo Bolsonaro é, afinal, o governo de… Bolsonaro. Tirando a reforma que já estava herdada (da Previdência), não há interesse em passar nada decente. Nenhuma reforma administrativa verdadeiramente profunda, nenhuma revisão fiscal que aumente a base de contribuintes e seja progressiva, nenhum redesenho de programas sociais a partir de cortes de gastos obrigatórios e redução de subsídios, nada”, critica outro.

“No meio disso, Paulo Guedes repete promessas nunca cumpridas de quatro privatizações em 90 dias (já passou e não aconteceu nada), de reformas profundas (não entrega proposta alguma, pois prefere ficar na muleta da péssima CPMF) e associa isso a uma verborragia que diminui o cargo (como foram os ataques à esposa de Macron, as falas aleatórias em AI-5 etc.). O governo Bolsonaro é igual a barulheira + populismo + nenhuma reforma decente + promessas vazias de responsabilidade fiscal para enganar quem quer ser enganado”, conclui.

Dificuldades também são vistas pelos analistas para avanços na PEC do Pacto Federativo, principal aposta da equipe econômica para liberar espaços no orçamento e evitar o aumento da pressão fiscal. Para apenas 15%, são altas as chances de aprovação de mecanismo que permita o acionamento de “gatilhos” fiscais quando as despesas de União, estados ou municípios chegarem a 95% das receitas correntes líquidas.

Quanto ao fim da vinculação mínima de recursos para Saúde e Educação, bandeira defendida pelo relator da medida, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), 85% dos analistas atribuem baixa probabilidade de êxito.

Há expectativas de que a proposta também traga caminhos para viabilizar a construção do Renda Cidadã, o novo programa social do governo federal para substituir o Bolsa Família e suceder o auxílio emergencial pago em meio à pandemia do novo coronavírus. Nesse sentido, nenhuma das alternativas divulgadas por membros do governo são vistas com chances favoráveis de aprovação pelos analistas.

Para 92%, são baixas as chances de êxito de uma desindexação temporária de benefícios da Previdência Social. A medida chegou a ser sugerida por membros da equipe econômica, mas foi enfaticamente refutada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Apenas 8% dos analistas veem elevada probabilidade de aprovação da limitação de gastos com precatórios para liberar recursos para o pagamento do programa. Outros 84% atribuem chance baixa. A medida provocou forte repulsa do mercado financeiro nos últimos dias. E nenhum dos especialistas consultados vê possibilidade do uso de novos recursos do Fundeb para isso.

Com isso, o Barômetro do Poder registrou uma evolução na percepção de risco ao teto de gastos. Segundo o levantamento, cresceu de 80% para 92% o grupo de analistas que atribuem probabilidade elevada de a regra fiscal ser descumprida ou fragilizada durante o governo Bolsonaro.

O orçamento cada vez mais apertado e as dificuldades para a construção de um caminho para o financiamento do novo programa social que seja aceito por Bolsonaro e pelos congressistas têm gerado a impressão de que a âncora fiscal pode ser o lado mais frágil da equação.

Em meio a desautorizações públicas do presidente à equipe econômica, analistas políticos e agentes econômicos avaliam os riscos de o ministro Paulo Guedes deixar o cargo antes do fim da atual gestão. Para 46%, a probabilidade de isso acontecer é elevada, ao passo que 23% veem chances baixas.

Considerando uma escala de 1 (muito baixas) a 5 (muito altas), a média das respostas dos analistas sobre essa possibilidade é de 3,31. O número chegou a 4,00 em maio, logo após a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

“Venceu a validade de Paulo Guedes no Ministério da Economia”, diz um dos participantes.

“Guedes demonstra maior flexibilidade em acomodar os interesses e narrativas presentes no arranjo bolsonarista que outros ex-ministros.
Não obstante, sua continuidade dependerá de uma grande flexibilização das políticas que defendeu toda a vida. Aparentemente, aquele Guedes sairá do governo de qualquer maneira”, observa outro.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.