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O novo reajuste nos preços da gasolina e do diesel e a proximidade das eleições transformaram o Congresso Nacional em uma “fábrica de ideias” para tentar mitigar os efeitos da disparada dos combustíveis para o consumidor geral e para as categorias mais expostas.
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados mantêm pressão sobre a Petrobras e defendem a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar supostas irregularidades na companhia, tramitam nas duas casas legislativas diversas propostas com a promessa de minimizar os impactos provocados pelos preços nas alturas.
O InfoMoney identificou mais de 20 proposições protocoladas há menos de 2 anos, com tramitação já iniciada na Câmara dos Deputados, e que poderiam ser usadas pelos parlamentares para alterar a atual dinâmica dos preços dos combustíveis. Elas resumem, em alguma medida, as diversas ideias que circulam entre as lideranças mais articuladas do Congresso Nacional.
As soluções apresentadas variam significativamente entre as bancadas, mas evidenciam um desconforto crescente de muitos deputados com a política de preços adotada pela Petrobras – o chamado Preço de Paridade Internacional (PPI), embora integrantes do governo federal demonstrem menor disposição em interferir diretamente nesse dispositivo.
Muitas das proposições em tramitação sugerem mudanças na Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), na Lei 6.404 (Lei das SAs), na Lei 9.478/1997 (Lei do Petróleo) ou na própria Lei 12.351/2010 (Lei do Pré-Sal), e no Decreto-Lei nº 1.578/1977 (imposto sobre a exportação).
Algumas propostas tratam da criação de fundos de compensação para a estabilização dos preços dos combustíveis, de modo a atenuar a volatilidade observada nos últimos meses – caminho defendido por boa parte dos senadores, que aprovaram um projeto de lei nesse sentido.
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É o caso do PL 1566/2022, assinado pelo deputado Léo Moraes (Podemos-RO); do PL 1152/2022, de autoria do deputado Mauro Nazif (PSB-RO); ou do próprio PL 1472/2021, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), entre muitos outros.
Alguns projetos vão no caminho de majorar as alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pagos pela Petrobras, como o PLP 207/2021, de autoria do deputado Paulo Ramos (PDT-RJ).
Também existem ideias para modificar decreto que trata de imposto de exportação, criando faixas variáveis de alíquotas a depender do preço do petróleo no mercado internacional, de modo a também estimular o refino da commodity em solo nacional. É o caso do PL 1389/2022, do deputado André Figueiredo (PDT-CE). Em muitos casos, o mecanismo é usado como fonte de receita para o abastecimento do próprio fundo de estabilização de preços.
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Há ainda medidas que vão de encontro à atual política de preços praticada pela estatal e vedam a indexação, fixação, vinculação, equiparação, conversão, transferência, atualização ou reajuste de preço, tendo como base a cotação ou variação cambial de qualquer moeda estrangeira ou cotação ou variação de índices de preços de produtos ou serviços internacionais. É o que pede o deputado Nereu Crispim (PSD-RS) no PL 1333/2022.
Já a bancada do PSOL, no PL 3421/2021, pede que os preços de realização da Petrobras sejam fixados periodicamente e tenham como base os custos internos de extração (lifting cost) e de refino, bem como o objetivo de redução da volatilidade e a promoção da modicidade de preços. O texto também estabelece que a estatal aloque, anualmente, percentual da sua receita para pesquisa e infraestrutura em energia renovável, a ser aprovado ou modificado pelo Congresso Nacional e pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
E outro projeto da bancada do PT (PL 4090/2021) coloca textualmente que “a empresa pública e a sociedade de economia mista são parte dos instrumentos de política econômica do Estado”.
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A matéria busca estabelecer que “a controladora poderá orientar a empresa pública e a sociedade de economia mista a assumir obrigações ou responsabilidades, incluindo a realização de projetos de investimento e assunção de custos/resultados operacionais específicos, bem como outras atividades correlatas, em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado, considerando a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação, sem necessidade de compensação”.
Avançando os sinais
Desde o início da semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem articulado reuniões com lideranças partidárias em busca de alternativas para frear o aumento nos preços dos combustíveis.
Ao final de uma delas, na última segunda-feira, ele pediu que o Poder Executivo encaminhasse, o mais rápido possível, uma medida provisória para alterar a Lei das Estatais, com o objetivo de garantir “uma maior sinergia” entre as empresas e o governo federal, sem entrar em detalhes.
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No caso da Lei das Estatais, uma das demandas do mundo político seria a flexibilização de critérios para indicações de membros dos conselhos e diretorias de empresas públicas. Outra seria alterar dispositivo que exige ao menos 25% de membros independentes nos conselhos.
O objetivo seria evitar o que aconteceu com a demissão de José Mauro Coelho do comando da Petrobras, que permaneceu no cargo por mais um mês após a notícia e ainda decidiu por um novo reajuste nos preços dos combustíveis – contrariando os interesses da Política. Mas a medida também poderia culminar em interferência na política de preços da companhia.
“O que se aprovou lá atrás, muito ainda no rebote das operações, das situações que o Brasil passou, transformou as estatais em seres autônomos e com vida própria muitas vezes dissociados do governo no momento”, afirmou.
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O parlamentar também defendeu a elaboração de outra MPV que trate de impostos relacionados aos lucros das estatais e à formação dos conselhos deliberativos dessas empresas, e cobrou maior participação do Ministério da Economia nas discussões.
“Há um sentimento quase unânime por parte de todos os líderes de que o Ministério da Economia e o governo federal têm que se envolver nessas discussões, participar mais de perto e atuar mais perto”, continuou o deputado em um breve pronunciamento à imprensa.
Na semana passada, Lira havia dito que os congressistas poderiam discutir a ideia de dobrar a alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrada à Petrobras, e reverter o excedente arrecadado “diretamente à população”, também sem dar detalhes.
Tal encaminhamento até o momento não encontrou respaldo necessário no governo federal, com integrantes receosos quanto a possíveis obstáculos impostos pelas regras fiscais vigentes e, principalmente, pela Lei Eleitoral, que veda a distribuição de benefícios no ano do pleito, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Soluções consideradas heterodoxas também contam com maior resistência dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Adolfo Sachsida (Minas e Energia), que alertam para os efeitos colaterais que uma interferência direta sobre a Petrobras ou mudanças agressivas na Lei das Estatais podem trazer para a companhia e para a economia como um todo.
Novo acerto
Por ora, o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional costuram um acordo para ampliar o Auxílio Gás e criar um auxílio para caminhoneiros – que seriam incorporadas à chamada PEC dos Combustíveis (PEC 16/2022), que tramita no Senado Federal e tem previsão de votação em plenário já na próxima semana.
No caso do auxílio para caminhoneiros, a expectativa é contemplar entre 700 mil e 900 mil profissionais autônomos da categoria, a um piso avaliado em R$ 400, o que poderia esfriar a pressão por uma nova greve. O caminho para viabilizar a medida seria abrir uma exceção ao teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento da maior parte das despesas públicas à variação da inflação.
Já para o Auxílio Gás, uma das ideias em discussão seria reduzir o intervalo do pagamento do benefício, que poderia passar de bimestral para mensal, ou dobrar o valor pago às famílias atendidas, que em junho foi de R$ 53 – cerca de metade do valor de um botijão.
Nas estimativas de integrantes do governo federal, o gasto com os dois programas não ultrapassaria R$ 5 bilhões. Ainda há, no entanto, questionamentos sobre os limites da lei eleitoral, o que motiva avaliação por parte da Advocacia-Geral da União (AGU).
Aliados políticos entendem que a ideia de incluir as mudanças em PEC poderia reduzir os riscos à campanha pela reeleição de Bolsonaro, já que elas não carregariam as impressões digitais do mandatário – Propostas de Emenda à Constituição não passam por sanção presidencial depois de aprovadas pelo Congresso Nacional.
As medidas acertadas são mais focalizadas do que as que eram ventiladas no mundo político, não influenciando diretamente os preços dos combustíveis praticados pela Petrobras. Antes delas, o Congresso Nacional já aprovou um projeto de lei complementar (PLP 18/2022) que estabelece um teto entre 17% e 18% para a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público pelos governos estaduais.
A matéria, que ainda aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, também reduz a zero as alíquotas da Cide-Combustíveis e PIS/Cofins incidentes sobre a gasolina até o fim de 2022 – medida que já havia sido tomada sobre diesel e gás de cozinha.
Além deste projeto, tramita no Senado Federal uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 16/2022) que prevê um auxílio financeiro de até R$ 29 bilhões pela União aos Estados e Distrito Federal que aceitarem: 1) zerar o ICMS incidente sobre o diesel e gás liquefeito de petróleo, derivado de petróleo e de gás natural; e 2) estabelecer alíquota de 12% para o ICMS incidente sobre o etanol hidratado comercializado em seu território. As novas alíquotas vigorariam de 1º de julho de 2022 a 31 de dezembro de 2022.
Alívio momentâneo
Há uma avaliação no mundo político de que a saída de José Mauro Coelho da presidência da Petrobras e as medidas acordadas nos últimos dias tendem a reduzir a pressão sobre o comando da estatal no curto prazo. Mas o incômodo da classe política pode voltar a ganhar força caso a percepção seja de que os instrumentos utilizados não surtiram os efeitos desejados.
Para os analistas da consultoria de risco político internacional Eurasia Group, o novo comando da estatal pode até estressar os limites da política de preços dos combustíveis, mas não terá à disposição ferramentas para evitar reajustes por muito tempo se os preços no mercado internacional continuarem subindo.
“Tudo sugere que alguma versão de subsídio nos combustíveis é provável. O time econômico tende a advogar por uma regra temporária que reduza os preços dos combustíveis aos consumidores neste ano”, observam.
“O governo pode expandir o escopo da PEC 16 para implementar um subsídio bancado pelo Tesouro Nacional, que também poderia vir com vouchers para caminhoneiros e para o gás. Em segundo lugar, [o governo] poderia editar um decreto de calamidade pública, que geraria uma reação mais negativa do mercado, já que abriria portas para gastos para além do subsídio nos combustíveis. No balanço, o primeiro parece mais provável”, concluem.
Apesar dos ruídos, o governo tenta afastar a possibilidade de interferência mais direta sobre as atividades da Petrobras. “Não há intenção de alterar a política de preços da companhia, nem de aumentar a taxação de seus lucros, como chegou a ser discutido. Isso iria na contramão da redução de impostos defendida pelo governo e não traria resultado a médio prazo, pela necessidade noventena para a elevação do tributo”, pontuam os analistas da XP Política.