Fim dos “supersalários”: Câmara aprova urgência, e projeto pode ser votado na próxima semana; veja os principais pontos

Texto regulamenta tipos de pagamentos que podem ficar fora do teto do funcionalismo público, busca reduzir espaço para manobras e punir irregularidades

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (7), o regime de urgência para o projeto de lei que trata dos chamados “supersalários” no serviço público. A votação do mérito do texto, sob a relatoria do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), ficou para a próxima semana.

O PL 6.726/2016 regulamenta os tipos de pagamentos que podem ficar de fora do teto do funcionalismo público, aplicado a servidores civis e militares, magistrados e detentores de mandato. Desta forma, as parcelas recebidas fora deste rol, somadas, não poderão ultrapassar o limite estabelecido pela Constituição Federal, de R$ 39,2 mil mensais.

Ao todo, 31 tipos de pagamentos constam da lista de exceções exposta em versão do relatório que circula entre os parlamentares ‒ entre eles, auxílio-alimentação, limitado a 3% do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente; despesas médicas e odontológicas; e o polêmico auxílio-moradia (veja a lista completa ao final da matéria).

O projeto está parado na Câmara dos Deputados há cerca de quatro anos e foi retomado a pedido de líderes partidários, que querem que ele seja votado antes da proposta de reforma administrativa apresentada pelo governo federal em 2020.

A ideia é reforçar o discurso de combate a privilégios antes de discutir mudanças mais profundas na estrutura do funcionalismo público. A urgência do PL foi aprovada em votação simbólica, com orientação favorável de todas as lideranças partidárias.

Relator da matéria desde que ela chegou à Câmara, em 2016, o deputado Rubens Bueno argumenta que as mudanças propostas ajudam o país a tirar a “mancha de uma casta de privilegiados do serviço público brasileiro”.

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“Ninguém, no serviço público, pode ganhar mais do que esse teto. No entanto, nós temos milhares e milhares ganhando muito mais, longe daqueles que, no serviço público brasileiro, ganham muito pouco. Com relação àqueles que fazem parte desta casta de privilegiados, que abusam da lei criando penduricalhos, vamos também assumir a nossa responsabilidade”, afirmou durante a sessão.

Impacto da medida

A Constituição Federal determina que o teto remuneratório na administração pública é o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 39.293. Mas alguns rendimentos estão fora da regra, e, na prática, são usados como um escape para que sejam possíveis remunerações acima do limite previsto. Com a regulamentação, a ideia é estreitar o espaço para manobras.

Estudo realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estimou que cerca de 25 mil servidores públicos têm vencimentos superiores ao teto constitucional. O número representa apenas 0,23% do corpo do funcionalismo.

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Grande parte da remuneração superior ao teto ocorre em razão da utilização de rubricas de natureza indenizatória, que não estão sujeitas às restrições impostas pela norma constitucional. É o caso de pagamentos retroativos, venda de férias, gratificações e diversas formas de auxílio ‒ itens chamados de “penduricalhos”.

O projeto de lei, já aprovado pelo Senado Federal, identifica agentes públicos sujeitos às restrições, determina os limites remuneratórios a serem obedecidos nos níveis federal, estadual, distrital e municipal e apresenta um rol de verbas de caráter indenizatório.

As parcelas remuneratórias não contempladas nesta relação de exceções estariam automaticamente submetidas ao limite constitucional, reduzindo, assim, o espaço de medidas criativas para inflarem salários.

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Além do efeito pedagógico, o relator Rubens Bueno estima que a medida gere uma economia de mais de R$ 3 bilhões ao ano e ajude a promover uma melhor alocação dos recursos orçamentários em tempos de austeridade.

Mudanças

O relatório final ainda não foi apresentado formalmente, mas uma versão atualizada já circula entre os parlamentares e é tratada como o texto que provavelmente irá a votação na próxima terça-feira (13), com possibilidade de ajustes pontuais pelo relator.

O substitutivo, ao qual o InfoMoney teve acesso, traz modificações em relação à versão aprovada pelo Senado Federal. Na avaliação de parlamentares fiscalistas, ainda haveria brechas em verbas classificadas como indenizatórias ‒ algumas por eles consideradas controversas.

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Os espaços encontram-se sobretudo em exceções como a indenização de férias não gozadas, a gratificação de magistrado e de membro do Ministério Público pelo exercício de função eleitoral e o auxílio-fardamento pago a militares.

Outros parlamentares, contudo, argumentam que ajustes no texto visam evitar judicialização, tendo em vista a forte pressão contrária de juízes e procuradores. Há um receio de congressistas de que o texto possa ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Pela versão aprovada pelos senadores, a indenização de férias estava prevista no teto, exceto em casos de passagem para a inatividade, limitada a dois períodos adquiridos de 30 dias.

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Já no texto em análise pelos deputados, está fora do limite o pagamento de férias não usufruídas, referentes a até 30 dias, para servidores em atividade. Na última versão, foi incluída “trava” que condiciona o pagamento à “impossibilidade de gozo tempestivo por necessidade do serviço, comprovada em processo administrativo eletrônico específico”. O mecanismo reduz o espaço para “furo” do teto.

Após a demissão, exoneração, passagem para a inatividade ou o falecimento, o texto não estabelece limite de período adquirido.

A venda de férias é hoje expediente usado para viabilizar remunerações acima do teto. Deputados fiscalistas chamam atenção para o fato de ser comum na magistratura a venda de 30 dias de férias e o usufruto de outros 30 dias de recesso a cada ano. O direito a recesso superior a 30 dias por ano está sendo tratado na proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020) e ficou de fora na discussão deste projeto de lei.

A versão do Senado Federal também limita ao teto remuneratório a conversão de licença-prêmio em pecúnia. Já o substitutivo em discussão na Câmara dos Deputados deixa o benefício fora do teto, limitado a seis meses, após a demissão, a exoneração ou a passagem para a inatividade.

A licença-prêmio é o direito que o servidor tem, a cada cinco anos, de gozar de três meses de licença para tratar de assuntos de interesse pessoal. O benefício foi extinto no governo federal em 1999, mas ainda existe em 20 dos 27 estados brasileiros.

Também há mudanças em relação ao auxílio-moradia. Pela proposta aprovada pelos senadores, o benefício possui caráter indenizatório quando concedido na forma de ressarcimento por despesa comprovada decorrente de mudança de ofício do local de residência. O caso do auxílio-moradia concedido sem necessidade de comprovação de despesa entraria no teto.

A versão discutida pelos deputados inclui como despesa indenizatória o auxílio-moradia para custeio de residência em localidade distinta do domicílio eleitoral, em virtude do exercício de mandato eletivo ‒ o que contempla deputados e senadores.

Há também a possibilidade de indenização de despesas destinadas a viabilizar o exercício de mandato eletivo, sem determinar claramente a aplicação de tal regra.

Tanto a versão votada pelos senadores quanto a que deverá ser levada ao plenário da Câmara dos Deputados deixam de fora do teto remuneratório o pagamento de gratificação pelo exercício de função eleitoral. Críticos alegam que a atribuição é inerente a cargos do Judiciário e Ministério Público e que a rubrica deveria estar sujeita ao limite constitucional.

A última versão do texto em análise pelos deputados também coloca na lista de exceções remunerações referentes à participação na organização ou realização de concurso público ou como instrutor em processo de capacitação, desde que não exceda 10% do limite remuneratório aplicável ao agente.

Do lado dos militares, ambos os textos deixam fora do teto remuneratório o auxílio-fardamento, direito pecuniário devido ao militar para custear gastos com fardamento. O substitutivo da Câmara dos Deputados, contudo, abre novas flexibilizações para a categoria.

Uma delas exclui dos limites ajuda de custo devida ao militar por ocasião de transferência para a inatividade remunerada. A outra retira da regra o pagamento de adicional de compensação orgânica resultante do desempenho continuado de atividades especiais.

Outra diferença entre as propostas está no chamado “teto duplex”. A versão aprovada pelos senadores explicita que o limite de rendimentos se aplica ao somatório das verbas dessa natureza percebidas por uma mesma pessoa, ainda que provenham de mais de um cargo ou emprego, de mais de uma aposentadoria ou pensão, ou de qualquer combinação possível entre tais espécies de rendimentos, inclusive quando originados de fontes pagadoras distintas. Já o substitutivo em discussão pelos deputados não trata do assunto.

O assunto veio à tona após o Ministério da Economia publicar, em abril, uma portaria, com base em decisão do Supremo Tribunal Federal, permitindo o acúmulo de salário e aposentadoria acima do teto constitucional. Estimativas apontam que a medida beneficie cerca de 1.000 servidores a um custo anual de R$ 66 milhões.

Sanções

O relatório do deputado Rubens Bueno, por outro lado, inclui a possibilidade de o agente público que autorizar ou omitir informação de rendimentos acima do limite constitucional ser responsabilizado.

O texto prevê pena de dois a seis anos de prisão nestes casos, em uma tentativa de coibir irregularidades na remuneração de funcionários públicos.

Vale ressaltar que, caso os deputados aprovem um texto com modificações em relação à versão recebida, o projeto de lei terá de passar por nova avaliação dos senadores, que decidirão se acatam ou não as alterações.

Uma vez aprovado, o projeto vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pode receber vetos, que podem ser mantidos ou rejeitados pelo Congresso Nacional.

Veja os 31 itens que devem ficar de fora do teto remuneratório:

I – auxílio-alimentação, limitada a exclusão a valor correspondente a três por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;

II – ressarcimentos:
a) de despesa médica e odontológica efetivada nos termos de plano de saúde mantido pelo órgão ou entidade; ou
b) de mensalidade de planos de saúde, até quatro por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;

III – adicional de férias, em valor não superior a um terço da remuneração do agente, desde que não decorra de período de férias superior a trinta dias por exercício;

IV – pagamentos decorrentes de férias não gozadas:
a) durante a atividade, limitados a trinta dias por exercício, em virtude da impossibilidade de gozo tempestivo por necessidade do serviço, comprovada em processo administrativo eletrônico específico, disponibilizado para acesso por parte de qualquer interessado em portal mantido junto à rede mundial de computadores pelo órgão ou entidade;
b) após a demissão, a exoneração, a passagem para a inatividade ou o falecimento;

V – pagamentos decorrentes de até seis meses de licença-prêmio não usufruída, nas condições referidas na alínea b do inciso IV;

VI – décimo terceiro salário, adicional noturno e serviço extraordinário, desde que pagos nos termos previstos nos incisos VIII, IX e XVI do art. 7º da Constituição Federal;

VII – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço;

VIII – adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas;

IX – auxílio-creche, relativo a filhos e dependentes até cinco anos de idade, até valor correspondente, por dependente, a três por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;

X – auxílio ou indenização de transporte, observada a estrita e efetiva necessidade do serviço, em valor não superior a três por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;

XI – indenização decorrente do uso de veículo próprio em serviço, em valor não superior a sete por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;

XII – auxílio-moradia:
a) concedido em razão de mudança do local de residência, por força de ato de ofício, enquanto permanecer o vínculo do agente com a origem ou se o beneficiário for ocupante exclusivamente de cargo de livre provimento e exoneração, respeitado o disposto nos incisos I a III do § 3º;
b) para custeio de residência em localidade distinta do domicílio eleitoral, em virtude do exercício de mandato eletivo, respeitado o disposto nos incisos I e II do § 3º;
c) previsto no art. 45-A da Lei nº 5.809, de 1972, respeitado o disposto nos incisos I e II do § 3º;

XIII – diárias e indenização devida em virtude do afastamento do local de trabalho para execução de trabalhos de campo sem direito à percepção de diária, até valor correspondente, por dia, a dois por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente, exceto quando se tratar de moeda estrangeira;

XIV – ajuda de custo para mudança e transporte, até o valor correspondente ao preço médio cobrado no domicílio de origem para prestação de serviços com esta finalidade, atualizado trimestralmente pelo órgão ou entidade;

XV – abono decorrente de opção pela permanência em serviço após a aquisição do direito de passagem à inatividade, até o valor correspondente à contribuição previdenciária vertida pelo servidor;

XVI – contribuições pagas pela pessoa jurídica relativas a programa de previdência complementar, aberto ou fechado;

XVII – indenização de despesas destinadas a viabilizar o exercício de mandato eletivo;

XVIII – gratificação pelo exercício de função eleitoral, prevista na Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991;

XIX – Indenização de Representação no Exterior, do Auxílio-Familiar, da Ajuda de Custo e das Diárias previstos nas alíneas a, b, c e d do inciso III do art. 8º da Lei nº 5.809, de 10 de outubro de 1972;

XX – adicional ou auxílio-funeral, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social;

XXI – restituição de valores indevidamente descontados da retribuição do agente, inclusive em relação à respectiva correção monetária e juros de mora;

XXII – correção monetária e juros de mora incidentes sobre parcelas em atraso, observado, na respectiva base de cálculo, a cada mês de competência, o limite remuneratório sobre o total devido, considerando-se o somatório dos pagamentos em atraso e dos anteriormente efetivados;

XXIII – Indenização Financeira Mensal para Tropa no Exterior e Indenização Financeira Mensal para Funções de Comando no Exterior, previstas no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 3º da Lei nº 10.937, de 12 de agosto de 2014, bem como o auxílio destinado a atender despesas com deslocamento e instalação, previsto no art. 4º da referida Lei;

XXIV – ajuda de custo devida ao militar por ocasião de transferência para a inatividade remunerada, prevista na alínea b do inciso XI do art. 3º da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, e na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal, até quatro vezes a remuneração mensal do militar;

XXV – compensação pecuniária devida ao militar temporário das Forças Armadas, por ocasião de seu licenciamento, prevista na Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989;

XXVI – auxílio-fardamento;

XXVII – auxílio-invalidez;

XXVIII – adicional de compensação orgânica, previsto no inciso V do art. 3º da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, ou parcela equivalente prevista na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal, até vinte por cento do valor do soldo;

XXIX – gratificação de representação prevista nas alínea b, c e d do inciso II do art. 10 da Lei nº 13.945, de 16 de dezembro de 2019, devida ao militar pela participação em viagem de representação, instrução, emprego operacional ou por estar às ordens de autoridade estrangeira no País, ou parcela equivalente prevista na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal, limitada a exclusão, em ambos os casos, a valor correspondente, por dia, a dois por cento do soldo;

XXX – pagamentos correspondentes a até seis meses da licença especial a que se refere o art. 33 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, após a demissão, a passagem para a inatividade ou o falecimento, ou, nas mesmas circunstâncias, de licença equivalente prevista na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal;

XXXI – participação na organização ou realização de concurso público ou como instrutor em processo de capacitação mantido por órgão ou entidade integrante da administração pública direta e indireta, desde que não exceda valor correspondente a dez por cento do limite remuneratório aplicável ao agente.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.