Fachin vota para que processo sobre vínculo de motorista com o Uber tenha repercussão geral

Ministro relator da ação no STF diz que o tema tem "magnitude inquestionável" e "impacto sobre milhares de profissionais"

Lucas Sampaio

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O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para que um processo contra o Uber (U1BE34) tenha repercussão geral e sirva de baliza para todos os processos judiciais sobre “Uberização” no país (quando se discute se há vínculo de emprego entre motoristas e entregadores de aplicativos com plataformas de serviços, como Uber, Rappi e iFood).

Fachin é o relator do Recurso Extraordinário (RE) 1.446.336, que começou a ser julgado nesta sexta-feira (23) no plenário virtual do Supremo. Agora, os demais ministros têm até a próxima sexta, 1º de março, para apresentarem seus votos.

Para o ministro, o tema “reveste-se de uma magnitude inquestionável, dada sua proeminência jurídica, econômica e social, bem como sua conexão intrínseca com os debates globais que permeiam as dinâmicas laborais na era digital”. Ele diz também que a discussão é uma das “mais incandescentes na atual conjuntura trabalhista-constitucional, catalisando debates e divergências consistentes, tanto no escopo doutrinário, quanto no âmbito jurisprudencial”.

O relator afirma que “a compreensão do desafio em conciliar os direitos laborais garantidos constitucionalmente e os interesses econômicos, tanto dos condutores de aplicativos quanto das corporações, assume premente necessidade” e tem “impacto sobre milhares de profissionais, usuários e, por conseguinte, sobre o panorama econômico, jurídico e social do país”.

O ministro também destaca as “decisões divergentes” da Justiça brasileira “têm suscitado uma inegável insegurança jurídica”, “agravam as incertezas e dificultam a construção de um arcabouço jurídico estável e capaz de oferecer diretrizes unívocas para as cidadãs e cidadãos brasileiros”. “Assim sendo, cabe a este Supremo Tribunal Federal conceder uma resposta uniformizadora e efetiva à sociedade brasileira, acerca da compatibilidade do vinculo empregatício entre motoristas de aplicativo e a empresa criadora e administradora da plataforma digital, em face dos princípios da livre iniciativa e direitos sociais laborais encartados na Constituição da República”.

Repercussão geral

Antes de julgar o mérito da ação em si, STF está decidindo se o tema é de repercussão geral (se o acórdão deverá ser aplicado a todas as ações judiciais semelhantes). Caso isso ocorra, Fachin poderá suspender todos os processos do país que tratem do assunto, até que o Supremo tome uma decisão final — e ela, depois, deverá obrigatoriamente ser seguida pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário.

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Há uma série de ações, em diferentes instâncias, sobre a “Uberização”. Uma delas é a reclamação nº 64.018, que é relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, também no Supremo, e quase foi julgada no plenário físico antes do Carnaval. Ela estava na pauta da sessão do dia 8, mas não foi apreciada e agora não há uma nova data para o julgamento.

Por ser uma reclamação, a decisão se aplica apenas ao caso específico e não tem repercussão geral. Ou seja: mesmo que o julgamento criasse um precedente, o acórdão não seria vinculante e não teria de ser obrigatoriamente seguido pelas demais instâncias.

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Seria a primeira vez que a Corte julgaria o tema no plenário físico, pois todos os outros processos foram analisados em turmas e em decisões monocráticas no STF. A reclamação é um recurso do Rappi, que contesta os acórdãos da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), que reconheceram vínculo de emprego de um trabalhador com o aplicativo.

Em dezembro, a 1ª Turma do Supremo já decidiu não haver vínculo de emprego entre trabalhadores e empresas que operam plataformas, em outra ação relatada por Moraes. O colegiado reverteu uma decisão da Justiça do Trabalho de Minas Gerais, que havia reconhecido vínculo de um motorista com Cabify.

Moraes entendeu que a Constituição Federal admite outras relações de trabalho. “Aquele que faz parte da Cabify, da Uber, do iFood tem a liberdade de aceitar as corridas que quer. Ele tem a liberdade de fazer o seu horário e tem a liberdade de ter outros vínculos”, afirmou o ministro em seu voto, que foi seguido por Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lucia. Ele também destacou que a Justiça Trabalhista tem descumprido, reiteradamente, precedentes do STF sobre a inexistência de relação de emprego.

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Na terça-feira (20), uma outra decisão da 1ª Turma voltou a derrubar, por unanimidade, o vínculo de emprego de um entregador de plataforma, que havia sido reconhecido pelo TST (no caso em específico, do Rappi). Todos seguiram o entendimento de ministro Zanin, relator da ação, que já havia concedido liminar (decisão provisória), pedida pela empresa, para suspender a decisão da justiça trabalhista. Mas esta decisão também não é vinculante (e não será aplicada de forma automática às demais instâncias judiciais).

Consolidador do tema

O julgamento do RE 1.446.336 no plenário virtual pode, assim, se tornar o consolidador do entendimento do STF sobre o tema, o que padronizaria as decisões judiciais e daria segurança jurídica às empresas que funcionam como plataformas. No caso em questão, uma motorista de Uber pediu o reconhecimento do vínculo de trabalho e perdeu em primeira instância, mas conseguiu reverter a decisão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) e na 8ª Turma do TST.

Foi a Procuradoria-Geral da República (PGR) que pediu, em 13 de dezembro, que fosse reconhecida a repercussão geral deste caso específico. A Procuradoria defende que a uniformização é necessária, porque foram registrados mais de 780 mil processos na Justiça do Trabalho, entre o início de 2019 e junho de 2023, com pedido de reconhecimento de vínculo entre os trabalhadores e aplicativos de transporte e entrega, e cerca de 17 mil novos processos só nos últimos seis meses.

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Fachin tem se posicionado favoravelmente ao reconhecimento de vínculo entre trabalhadores e as plataformas, mas a maioria dos ministros do STF costuma votar em sentido contrário, por entenderem que a Constituição permite contratos de trabalho alternativos à CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.