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SÃO PAULO – A combinação de desafios fiscais − aprofundados pelas despesas com precatórios em 2022 e os esforços do governo em implementar o Auxílio Brasil – com o clima hostil entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e tribunais superiores levou a consultoria Eurasia Group a rebaixar de “neutra” para “negativa” sua percepção sobre o ambiente político para os próximos dois anos.
Em relatório distribuído a clientes na última quarta-feira (18), Christopher Garman, diretor para Américas da Eurasia, chamou atenção para a persistente inflação e os impactos de um maior risco fiscal sobre os preços – além das consequências de crescentes riscos energéticos decorrentes da crise hídrica.
A combinação dos fatores tende a pressionar os juros e abalar as perspectivas para o crescimento econômico no ano que vem – e, de quebra, influenciar nas eleições de 2022, já que a recuperação do PIB seria uma das principais armas trabalhadas por Bolsonaro para recuperar popularidade.
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“Com a distribuição de vacinas [contra a Covid-19] a caminho no Brasil para imunizar 90% da população adulta com uma dose até setembro, não apenas o fim da pandemia estava à vista, mas os dados econômicos junto com os resultados fiscais foram surpreendentemente para o lado positivo neste ano (as previsões de crescimento saltaram para mais de 5% do PIB). Acrescente-se o espaço que o governo teve para gastar em um programa de bem-estar social reformulado sob o teto de gastos para 2022 e uma reforma sobre o imposto de renda que proporciona alívio para as pessoas com renda mais baixa, e as condições para Bolsonaro se recuperar nas pesquisas pareciam definidas”, observou.
“Mas as perspectivas econômicas para o próximo ano parecem mais desafiadoras devido a um ciclo vicioso entre inflação, gestão fiscal e política. Com as expectativas para a inflação em 2021 seguindo em tendência de alta (de 5,2% para 7,1% entre maio e agosto), a política de aprovar uma PEC para lidar com o enigma dos precatórios não será fácil. Mais inflação significa menos espaço sob o teto de gastos para gastar em um programa social, o que aumenta os incentivos políticos para a presidência e o Congresso de simplesmente endossar algumas medidas fora da regra fiscal”, complementou.
Com seus níveis de aprovação em queda e um ambiente econômico mais desafiador, o analista acredita que Bolsonaro poderá ter mais incentivos para tentar deslegitimar o processo eleitoral de 2022 a partir da contestação da confiabilidade das urnas eletrônicas. Uma das consequências esperadas seria o aprofundamento da tensão institucional e a deterioração da qualidade da agenda econômica no Congresso Nacional.
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Pesquisa XP/Ipespe, realizada 11 e 14 de agosto, mostrou que 54% dos eleitores avaliam a atual gestão como ruim ou péssima ‒ oscilação positiva de 2 pontos percentuais ante julho. O indicador está em trajetória de alta desde outubro de 2020, quando atingiu 31%.
Para Garman, a superação da pandemia do novo coronavírus e o novo programa Auxílio Brasil – que pretende ampliar o número de beneficiários do Bolsa Família e o valor médio dos repasses mensais – devem ajudar Bolsonaro a recuperar terreno. Mas a inflação mais elevada e um crescimento mais tímido limitam o espaço para os ganhos de imagem.
“Um Bolsonaro enfraquecido significa que ele dobrará aposta na polarização política e na contestação das eleições”, avalia Garman.
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“O risco de a eleição não ser realizada é muito baixo (menos de 5%), mas há risco de violência na campanha, principalmente se Bolsonaro perder. É muito provável que o Brasil siga o roteiro dos Estados Unidos em relação à eleição contestada. E quanto à legislação que o Congresso Nacional poderá aprovar para as próximas eleições, sua qualidade tende a cair – com mais riscos fiscais associados à reforma tributária”, complementou.
Ainda assim, o especialista acredita em uma saída “satisfatória” para a equipe econômica no imbróglio dos precatórios. Ele também aposta que o novo programa social do governo seja mantido sob as regras do teto de gastos e que seja possível avançar com pautas microeconômicas até o fim do ano, como a privatização dos Correios.
Mas a atual conjuntura política e econômica levou Garman a transferir o favoritismo da corrida presidencial de Bolsonaro para uma leve vantagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem liderado em todos os cenários de primeiro e segundo turnos nas pesquisas.
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“A eleição ainda será apertada, mas se tivéssemos que fazer uma aposta hoje, o pêndulo vai mais para a direção de Lula do que de Bolsonaro. Dito isso, muito vai depender da composição da repercussão da pandemia no início de 2022”, avaliou.
Não que a candidatura de Lula seja sinônimo de responsabilidade fiscal – e as sucessivas contestações ao teto de gastos atestam o contrário –, mas o risco fiscal é pauta que mina o atual governo, já que promove um ciclo negativo de inflação mais elevada, juros altos e crescimento pressionado, e prejudica os planos de Bolsonaro pela reeleição.
Para o diretor da Eurasia, as chances de um candidato da “terceira via” – campo hoje disputado principalmente por Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM) – cresceram de 10% para 20%.
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Tal cenário é considerado pouco provável pela consultoria, dada a percepção de que Bolsonaro conta com uma base fiel próxima a 20% e que a candidatura de Lula está consolidada.
“Para um terceiro candidato chegar ao segundo turno, o apoio a Bolsonaro teria que cair ainda mais. Possível se o ambiente econômico se deteriorar mais e principalmente se o governo sofrer com um racionamento de energia, mas ainda improvável. Mas esse cenário está agora mais no radar do que um mês atrás”, avaliou.