Estados apostam em refinanciamento de dívidas de ICMS, IPVA e ITCMD para equilibrar contas

Apesar de impulsionar arrecadação imediata, medida pode gerar efeitos colaterais sobre os cofres públicos no longo prazo

Marcos Mortari

Notas e moedas de reais (iStock / Getty Images Plus)
Notas e moedas de reais (iStock / Getty Images Plus)

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Dezesseis Estados brasileiros já realizaram neste ano ou estão com programas abertos de anistia fiscal para contribuintes por conta de débitos não recolhidos de impostos, juros e multa, segundo levantamento feito pelo escritório de advocacia Mattos Filho.

O número corresponde a pouco menos de 60% das unidades federativas do país. Outras 11 UFs não lançaram mão deste instrumento ao longo de 2023. Não foram considerados no levantamento casos de benefícios concedidos a setores específicos da economia.

Programas de refinanciamento costumam ser utilizados pelo governo como forma de gerar arrecadação extraordinária e fechar as contas. Eles também representam uma oportunidade para o contribuinte que deseja regularizar sua situação a partir de acordos de pagamento sob condições mais vantajosas de parcelamento com descontos.

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Segundo o levantamento, 10 Estados ainda oferecem a possibilidade de quitação de débitos com redução de juros e multa, sendo que em 8 deles (Acre, Amapá, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rondônia) o prazo se encerra nos próximos dias, e em 2 (Ceará e Roraima), somente no ano que vem.

Outros 6 (Espírito Santo, Mato Grosso, Piauí, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins) já fecharam a janela de adesão aos seus programas.

A amplitude do benefício e as condições variam em cada unidade federativa, mas o escritório aponta que, em todos os casos, o desconto supera 50%. Em alguns deles, o benefício está restrito apenas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Mas em outros ele também se aplica ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

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Há também diferenças entre a natureza do débito enquadrado na regra. Estados como Acre, Ceará e Maranhão admitem créditos tributários de ICMS inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou não. O Mato Grosso ainda inclui aqueles objetos de parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, espontaneamente denunciados pelo contribuinte, em discussão administrativa ou judicial.

Como os programas de anistia são considerados benefícios fiscais, eles dependem do aval de outros governadores a partir de convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários estaduais de Fazenda, e também da aprovação das respectivas Assembleias Legislativas.

Veja um resumo de cada programa ainda aberto:

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UFRegrasAbrangênciaPrazo
AcreRedução de juros e multa que varia entre 65% e 95%, a depender da modalidade de pagamento.Créditos tributários de ICMS constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, inclusive os ajuizados, podendo ser incluídos os valores espontaneamente declarados ou informados pelo sujeito passivo à Administração Tributária, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31 de dezembro de 2021.22 de dezembro de 2023
AmapáRedução de juros e multa que varia entre 50% e 100%, a depender da modalidade de pagamento.Créditos tributários de ICMS inscritos ou não em dívida ativa, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31 de março de 2023.31 de dezembro de 2023
CearáRedução de juros e multa que varia entre 100% e 75%, a depender da modalidade de pagamento e do período de adesão.Créditos tributários, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou não, parcelados ou não, decorrentes dos fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2022.29 de fevereiro de 2024
Distrito FederalRedução de juros e multas que varia de 99% a 40%, a depender da modalidade de pagamento.Débitos tributários e não tributários, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou não, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31 de dezembro de 2022.28 de dezembro de 2023
MaranhãoRedução de juros e multas que varia de 95% e 60% a depender da modalidade de pagamento.Créditos tributários, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31 de dezembro de 2022.28 de dezembro de 2023
Mato GrossoRedução de 60% até 95% a depender da modalidade de pagamento.Créditos tributários de ICMS, vencidos até 31 de dezembro de 2020, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa, inclusive objeto de parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, espontaneamente denunciados pelo contribuinte, em discussão administrativa ou judicial.28 de dezembro de 2023
PernambucoRedução de juros e multa que varia entre 40% e 100%, a depender do tributo, da infração e da modalidade de pagamento.Créditos Tributários de ICMS, ao IPVA e ao ITCMD, referentes a fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2022.27 de dezembro de 2023
Rio Grande do NorteRedução de juros, multa e demais acréscimos legais que varia de 99% a 60%, a depender da modalidade de pagamento.Créditos tributários de ICMS vencidos até 31 de dezembro de 2022.26 de dezembro de 2023
RondôniaRedução de multas punitivas e moratórias e dos juros de mora que varia de 95% a 60%, a depender da modalidade do pagamento e da situação do contribuinte.Débitos tributários inscritos ou não em dívida ativa cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31 de dezembro de 2021.28 de dezembro de 2023
RoraimaRedução de juros e multas de mora ou punitivas que varia entre 95% e 75%, a depender da modalidade de pagamento.Débitos fiscais de ICMS ou penalidade de origem vinculada ao ICMS, com fatos geradores ocorridos até 31 de março de 2023.24 de maio de 2024
Fonte: Mattos Filho

Segundo o levantamento, os Estados que não lançaram mão de programas de refinanciamento de dívidas neste ano foram: Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo. Já em Santa Catarina a iniciativa aguarda regulamentação.

O advogado Ricardo Cosentino, sócio da área tributária do Mattos Filho, observa que é comum que Estados editem programas de refinanciamento de débitos e anistia a cada dois anos. Ele aponta os juros elevados (muitas vezes acima da Selic) e o valor cobrado na forma de multas como elementos que contribuem para o cenário.

O especialista, por outro lado, vislumbra mudanças no horizonte, com uma tendência de os entes adotarem programas permanentes e mais focalizados, em que os benefícios oferecidos serão menores e levarão em conta a realidade de cada contribuinte − por exemplo, uma empresa com balanço saudável não teria o mesmo benefício que uma companhia que enfrenta uma situação de recuperação judicial.

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Efeitos colaterais

O economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, destaca que a nova rodada de Refis vem em um momento delicado para as contas dos Estados, em que as receitas não acompanharam o incremento de despesas, provocado sobretudo por aumentos salariais após o represamento dos anos de pandemia de Covid-19 e por questões como o piso de enfermagem e o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Ele lembra, ainda, que, apesar de o ano passado ter sido positivo para a arrecadação dos entes, em razão da retomada pós-Covid e da alta das commodities, a aprovação de duas leis complementares (LCs 192/2022 e 194/2024) pelo Congresso Nacional estabelecendo teto de alíquota de ICMS para itens considerados essenciais prejudicou os cofres públicos. Isso, inclusive, motivou um acordo posterior de compensação com o governo federal e aumentos de impostos em diversas localidades.

“Vimos em 2023 uma deterioração significativa das finanças dos Estados. Claro que isso tem que ser observado de forma particular em cada ente, porque há uns que sofrem mais um efeito do que outros. Mas, no agregado, vivenciamos uma desaceleração da arrecadação frente a um aumento mais significativo das despesas”, observa.

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Tal contexto favoreceu a busca de governadores por alternativas que gerassem novas receitas − ainda que não estruturais. O especialista, no entanto, alerta para efeitos colaterais do Refis, que pode premiar “maus pagadores” e comprometer a arrecadação pública no longo prazo. “Infelizmente, é uma prática extremamente comum. Em alguns casos, quase anual”, afirma. “Um problema é que existe um risco moral, já que muitas vezes as empresas partem do pressuposto que vai haver um Refis à frente, com uma condição muito favorável de juros e multa [e deixam de pagar]“.

“Para a empresa, sobretudo em uma economia com juros altos e dificuldades de acesso a capital como a brasileira, existe quase um incentivo para ela não pagar tributos em dia e esperar o momento de um Refis. Isso acaba punindo quem paga o tributo no momento adequado, desvirtuando o mecanismo”, diz.

Tendências

Para Ricardo Cosentino, da Mattos Filho, há movimentos em curso nos Estados que podem mitigar esses efeitos. “É possível que daqui a um ou dois anos a gente não veja mais esse tipo de programa com 95% de redução [de juros e multas], justamente porque o sistema se adequou para não cobrar mais do que deveria”, projeta.

“Estamos em um momento de migração de programas com reduções grandes de juros e multa para outros, não mais temporários, de transação, que permitem o pagamento com reduções menores se forem cumpridas determinadas características”, complementa.

O caminho já tem sido adotado, em nível nacional, pela Receita Federal e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A nível subnacional, o especialista vê São Paulo na vanguarda, com programas como o “Resolve Já” e o “Transaciona SP” − o primeiro voltado a débitos que ainda estão em discussão administrativa, e o segundo para débitos inscritos na dívida ativa estadual.

Em linha com a tendência observada, o Confaz firmou convênio (nº 210/2023), na semana passada, autorizando Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo a instituir transação resolutiva de litígios relativos à cobrança de ICMS.

Pela norma, o benefício se restringe a créditos que estejam inscritos em dívida ativa e atendam a três critérios: 1) classificação como irrecuperáveis ou de difícil recuperação; 2) de pequeno valor; e 3) objeto de litígios tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica.

Os descontos não poderão superar 65% do valor consolidado e não poderá haver aplicação de redução sobre o valor do principal do imposto devido − em um tom mais restritivo do que se observou no histórico recente dos Refis.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.