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SÃO PAULO – Falar sobre o novo governo hoje, do ponto de vista econômico, virou sinônimo de comentar o enorme abismo que há entre o que o Brasil é e o que deverá se tornar para sustentar um ritmo de crescimento condizente com o seu potencial. E a questão-chave, para muitos, é nada menos do que a política fiscal: é necessária uma reforma completa e profunda do sistema.
Apesar do problema ser identificado, a percepção é de que há pouca vontade política de mudança. “Há indiscutivelmente um padrão no Brasil (como em muitos países) de que as grandes reformas somente sejam aceitas quando elas se tornam de necessidade óbvia e premente”, ressalta a Economist Intelligence Unit, braço de pesquisa econômica do grupo Economist.
“É difícil para os formuladores de política convencerem o eleitorado da necessidade de implementar reformas desconfortáveis quando a situação econômica parece ser boa”, completa a EIU, verbalizando algo que muitos analistas já insinuaram: “assim, sob a administração de Dilma, o Brasil provavelmente vai perder a oportunidade de estabelecer uma base para um crescimento sustentável de longo prazo acima de 5% ao ano”.
Por outro lado, há quem acredite que reformas extensas e profundas não são o melhor caminho. Recentemente, o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, afirmou que o governo deveria buscar passos concretos e pequenos na direção certa, ao invés de grandes alterações que poderiam levar anos para serem aprovadas.
Política fiscal: a questão-chave
Os entusiastas dessa visão acreditam que mudanças necessárias na área fiscal trariam impactos inclusive para a política monetária e até mesmo para o câmbio. “Um gasto fiscal mais contido no médio prazo prepararia o caminho para uma redução no juro básico, o que reduziria as notoriamente elevadas taxas comerciais do Brasil e apoiariam o crescimento do crédito”, prevê a equipe da EIU.
Os pontos que precisam mudar
Diante desse cenário, o primeiro ponto que será discutido pelo novo governo provavelmente será o aumento do salário mínimo. Enquanto os sindicatos pleiteiam um salário mínimo de R$ 580, o governo afirma que um patamar acima de R$ 540 seria um risco para a consolidação fiscal prevista para 2011. Essa decisão “deve ser o primeiro sinal de como a nova administração irá conduzir a política fiscal no próximo ano”, segundo Marcelo Salomon e Guilherme Loureiro, do Barclays Capital.
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Além da discussão sobre o mínimo, outras questões se apresentarão para o governo de Dilma. A reforma das leis trabalhistas é uma delas e que tem sido largamente negligenciada, apesar do aumento da formalização da economia nos últimos anos. A percepção é de que a atual legislação impõe uma forte carga sobre as empresas, desincentivando a contratação formal e, portanto, reduzindo o alcance da arrecadação pública sobre a renda.
E já que as reformas são o assunto, a tributária também entra para a lista de questões que deveriam ser pautadas pelo novo governo. “A reforma tributária foi deixada de lado indefinidamente, e foi mencionada apenas em termos genéricos durante a campanha”, nota a Economist Intelligence Unit. Nesse sentido, a volta da CPMF (Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira) entra em foco, assim como as propostas atualmente em trâmite para simplificar o sistema tributário. “Mas isso não irá implicar uma redução na carga de impostos, que é equivalente a cerca de 35% do PIB (Produto Interno Bruto)”, notou a EIU.
Por fim, dentre as mudanças que deveriam entrar em destaque – e não entraram até agora – está a reforma do sistema previdenciário brasileiro. Por enquanto, o problema não é tão grande, porém com o envelhecimento da população, esta é uma das reformas mais necessárias para o longo prazo.
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Na opinião de Pámela Cox, a vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina, embora os níveis de pobreza estejam caindo, o Brasil precisa atuar mais significativamente na melhora da educação, qualidade da mão-de-obra e infraestrutura, de forma a elevar a competitividade.
Com Mantega na Fazenda, fisco continua igual?
Os problemas fiscais brasileiros, embora longe de serem desastrosos, não passam despercebidos pelos economistas. Tanto que foram o principal assunto abordado por Guido Mantega, em seu primeiro discurso após a confirmação do convite da presidente eleita Dilma Rousseff para a permanência na liderança do Ministério da Fazenda. “É preciso um esforço comum de retenção de gastos por parte do Legislativo, Executivo e Judiciário para manter a saúde fiscal do Brasil”, disse.
No entanto, a fala de Mantega não empolga. Se a palavra de ordem do novo governo é continuidade, parece que nada de novo acontecerá no cenário fiscal. “Mantega já declarou que não há nenhuma conexão entre taxas de juro e política fiscal; consequentemente, nós permanecemos céticos que qualquer ajuste vá acontecer no lado fiscal que possa mudar o atual balanço de riscos”, criticou o economista-chefe do Barclays Capital, Marcelo Salomon.
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Segundo ele, uma moderação nos gastos públicos é até esperada, porém a política fiscal deve continuar flexível, com a expansão do crédito governamental ainda aumentando rapidamente.
Disfarces de uma política expansionista
Entre as impressões de que houve uma deterioração fiscal significativa nas contas brasileiras, o economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, traz um dos argumentos mais contundentes. Segundo ele, “com toda a criativa contabilidade do governo”, há um crescimento das receitas não fiscais nos resultados do balanço primário, como a venda dos direitos de exploração de petróleo à Petrobras (R$ 32 bilhões em setembro) e as receitas com concessões e dividendos (R$ 28 bilhões em setembro).
“Uma vez que retiramos das contas fiscais estas receitas (assim como algumas despesas), nós descobrimos que o balanço primário federal, que atingiu em média 2% do PIB entre 2002 e 2008, caiu para cerca de 0,5% do PIB entre 2009 e 2010, uma expansão fiscal considerável”, nota Schwartsman.