Energia nuclear volta ao centro do debate − e Brasil pode assumir posição estratégica

Com retomada de investimentos em plantas atômicas pelo mundo, ex-ministro Bento Albuquerque vê interesse inédito do setor privado no Brasil e oportunidade de desenvolvimento para o País

Marcos Mortari

O ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante evento (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
O ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante evento (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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A combinação da preocupação com segurança energética e descarbonização tem levado o mundo a “redescobrir” a energia nuclear, com diversos países decidindo virar a página de polêmicas que rondam essa matriz e investindo em planos de construção e expansão de plantas atômicas.

Um dos entusiastas da ampliação do uso desta fonte de energia no Brasil, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque argumenta que o País ocupa posição privilegiada na nova conjuntura global e deveria explorar seu potencial com um olhar estratégico para o futuro, combinando outras fontes limpas em desenvolvimento ao uso da energia nuclear, sem descartar o consumo de petróleo e gás.

Para ele, o investimento em usinas nucleares teria papel decisivo na construção de uma “independência energética” no Brasil, a partir da diversificação de fontes, em um contexto de acirramento dos conflitos geopolíticos e maior demanda internacional pela descarbonização – cenário em que o País conta com vantagens competitivas naturais por dispor de uma matriz muito mais limpa do que a média.

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“O mundo redescobriu a energia nuclear”, disse Albuquerque em entrevista concedida ao InfoMoney. “Querendo ou não, ela vai ser fundamental [para os próximos movimentos globais]“, resumiu.

Almirante de esquadra, Albuquerque tem uma ligação especial com o assunto, que remonta ao seu ingresso na Marinha, na década de 1970. Durante sua carreira militar, ele foi Diretor-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, ocasião em que esteve à frente do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) e do Programa Nuclear da Marinha (PNM).

A retomada de um olhar internacional mais interessado sobre a energia nuclear ocorre após anos difíceis para o setor, em reflexo dos acidentes de Tchernóbil (1986), na antiga União Soviética, e de Fukushima (2011), no Japão.

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Defensores argumentam, no entanto, que erros do passado serviram de lição e hoje tal matriz, além de limpa, é uma das mais seguras do mundo e possui alto potencial de escala – o que ajuda nos desafios urgentes de descarbonização.

Do ponto de vista geopolítico, a escalada nas tensões entre Rússia e Ocidente desde o início da guerra na Ucrânia tem motivado países europeus a buscarem fontes alternativas de energia para reduzir dependência do gás natural russo e diversificar suas matrizes.

Segundo levantamento da Associação Nuclear Global (World Nuclear Association, em inglês), há 440 usinas nucleares em operação em 32 países e em Taiwan, com capacidade de produzir cerca de 10% de toda a energia elétrica do mundo. A instituição estima haver cerca de 60 reatores em construção no planeta – a maioria está na Ásia, sendo 26 só na China e 7 na Índia – e outros 110 em planejamento.

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Na visão de Bento Albuquerque, o Brasil pode desempenhar papel relevante nesta nova conjuntura – que deverá ir muito além da possível retomada das obras de Angra 3, ainda em discussão pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E isso já foi notado por potenciais investidores do setor privado.

Ele aponta as volumosas reservas de urânio, o domínio da tecnologia de enriquecimento do mineral e a longa experiência na operação de reatores como diferenciais competitivos do País. “Só 3 países do mundo têm isso tudo: Brasil, Estados Unidos e Rússia”, pontuou.

A recente abertura regulatória para a exploração de urânio do País, combinada a uma necessária modernização do arcabouço legal, diz o militar, poderá dar as condições para um desenvolvimento inédito da exploração de energia nuclear em parceria com o setor privado, abrindo um mercado que hoje é restrito à estatal Eletronuclear. Um dos caminhos vislumbrados passa pela conversão de usinas térmicas, que utilizam carvão – fonte de energia altamente poluidora.

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“Eu não imaginava que ia viver isso. Aqui, no país, começou a despertar o interesse de empresas privadas pelo setor nuclear, que antes era só estatal. Isso é motivado pelo movimento que está acontecendo no mundo, mas estão começando a ver as oportunidades que existem aqui”, avaliou.

Para Albuquerque, a abundância e a diversidade de fontes energéticas do Brasil, que têm permitido um aumento da capacidade de geração por fontes intermitentes (que podem variar drasticamente, dependendo da disponibilidade de recursos, como nos casos de solar e eólica), deve reforçar a importância de um olhar mais atento para fontes de energia de base, como a nuclear, de modo a assegurar a soberania e a segurança energética do País.

Na avaliação do ex-ministro de Minas e Energia, o processo de transição energética “depende muito de cada região e país, associado ao seu desenvolvimento econômico e potencialidades”. Mas ele acredita que a redução da dependência de combustíveis fósseis ainda deve demorar para se tornar uma realidade no mundo.

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“O que é transição energética?”, indagou. “É o processo. E se você quiser dar um espaço temporal mais recente, começou 4 séculos atrás com o carvão. E o carvão está aí até hoje. Ele não tem mais a importância que tinha na revolução industrial, mas não deixou de ter utilidade – e vai continuar tendo.”

“O petróleo e o gás vão continuar sendo a fonte energética mais relevante pelo menos pelos próximos 50 e 70 anos. Você não pode pensar a transição energética como ‘vamos acabar com petróleo e gás, e agora vai ser hidrogênio verde’. Não é assim. O que vai acontecer é que as fontes vão assumir maior relevância”, argumentou.

No caso brasileiro, Albuquerque defende que a transição energética seja um processo combinado à geração de emprego, renda e tecnologia e alie a questão da sustentabilidade à segurança e independência energética.

“Ninguém vive sem petróleo e gás hoje em dia e não vai vier. Não vai ser o hidrogênio que em 10, 20, 30, 40 ou 50 anos vai resolver isso. Vai ser uma porção de coisas − inclusive com a captura de carbono”, prosseguiu. Nas suas projeções, o consumo mundial de petróleo e gás deve crescer até 2040, quando iniciará um recuo gradual.

É por isso que ele argumenta que o Brasil, sem renunciar a natureza de sua matriz energética mais limpa do que a média global, não pode deixar de lado a exploração de combustíveis fósseis – e usar os ganhos financeiros oriundos dessa atividade justamente para financiar sua própria transição energética.

“Petróleo e gás terão papel crucial para o país. A Margem Equatorial é fundamental. Quando chegar em 2030/2032, seremos entre o 4º e o 5º maior produtor e exportador [de petróleo] do mundo, mas aí nossas reservas vão começar a cair”, argumentou. Ele lembra, ainda, a pegada de carbono abaixo da média na exploração do pré-sal pela Petrobras e o crescimento de projetos e captura e armazenamento de carbono no setor.

Em contraste com o otimismo em relação ao desenvolvimento da energia nuclear no País, Albuquerque levanta questionamentos quanto ao potencial das eólicas offshore a curto e médio prazo – tema em discussão no Congresso Nacional. Ele argumenta que o país vive um momento de excesso de oferta, e incentivos públicos seriam inadequados para o desenvolvimento desta nova fonte, de custo duvidoso, a seu ver.

Da mesma forma, é cético quanto à viabilidade econômica e eficiência de investimentos em projetos de hidrogênio de baixo carbono – e diz que a desconfiança é compartilhada pelo setor privado, que até o momento teria investido quase que exclusivamente em pesquisas, e não em desenvolvimento de operações.

“Temos as melhores condições para produzir hidrogênio. Mas para o nosso consumo, o custo-benefício não se justifica. Agora, se o alemão quiser vir aqui, produzir hidrogênio, bancar tudo, desenvolver o transporte, ótimo. Vai ser muito bom para nós, que vamos gerar riqueza, e para eles, que vão descarbonizar a matriz deles”, avaliou.

Durante a conversa com o InfoMoney, o ex-ministro citou estimativa de que nem 7% dos projetos relacionados à produção de hidrogênio de baixo carbono vão se tornar economicamente viáveis daqui a 10 anos. “Você vai querer criar mais um subsídio em um energético de hidrogênio para o consumidor ou o Tesouro pagar essa conta? É uma questão de custo e benefício. Eu não consigo ver um mínimo de racionalidade econômica e nem de política pública nesse sentido”, criticou.

“A matriz energética brasileira não tem a premência de descarbonização que o resto do mundo tem. Nossa matriz é 50% limpa, a do mundo, na média, é 14%. Eles vão ter que mais que triplicar para chegar ao Brasil [até 2050]. É uma missão impossível”, continuou.

Na visão de Bento Albuquerque, o Brasil tem um “excelente problema” com a abundância e diversidade de fontes de energia disponíveis. Mas tal realidade exige, por outro lado, foco para que investimentos sejam feitos de forma estratégica e eficiente para garantir uma matriz equilibrada e segura.

“Preocupa a forma como nossa matriz está se expandindo, com determinadas fontes assumindo cada vez uma participação maior. É preciso pensar na segurança e no equilíbrio do sistema”, concluiu.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.