Enchente isola Porto Alegre e aprofunda gestão da pior crise climática do Brasil

Águas cobrem ruas e avenidas da capital gaúcha em pontos que nunca haviam sido alcançados pelas cheias e expulsam de casa milhares de moradores

Dhiego Maia

(Foto: Reuters/Diego Vara)
(Foto: Reuters/Diego Vara)

Publicidade

O Rio Grande do Sul está envolto há dias numa tarefa dramática: ao mesmo tempo que conta seus mortos — já são 78, segundo números mais atualizados da Defesa Civil —, corre para localizar gente desaparecida, manter vivo quem se feriu e resgatar “ilhados”, para que mais ninguém entre nas estatísticas macabras que causam dor a uma população que ainda se recuperava da passagem de um ciclone, que deixou 54 óbitos e um rastro de destruição por onde passou, em 2023. O estado enfrenta o segundo evento climático em menos de um ano — só que desta vez mais forte e sem precedentes.

Até o momento, 780 mil pessoas foram atingidas de alguma forma pela maior enchente registrada na história do estado — e que coloca o Brasil na lista dos países mais afetados pela desordem do clima. Os números do caos seguem: ao menos 261 mil pontos estão sem energia elétrica e outras 854 mil residências gaúchas não têm água. Os serviços de telefonia e internet não estão funcionando em dezenas de municípios.

Segundo a Defesa Civil, há 110 trechos de rodovias com bloqueios totais ou parciais pelo rompimento de pontes, acúmulo de água ou desabamento de encostas — entre elas, algumas das principais vias que cortam o Rio Grande do Sul, como as BRs 116 e 386.

A água serpenteou pelo interior do estado ao longo dos últimos dias e, agora, chega com mais força à capital, Porto Alegre, que se vê isolada por terra — com a rodoviária e importantes vias de acesso tomadas por água e lama — e pelo ar, com o aeroporto Salgado Filho fechado sem nenhum avião autorizado a fazer pouso ou decolagem.

Veja aqui o que fazer se você tem voo marcado com chegada ou saída para Porto Alegre.

Leia também: Novo InfoMoney estreia nessa segunda (6) com site reformulado e cobertura ampliada

Continua depois da publicidade

Porto Alegre ilhada

Mesmo mais estruturada, a situação de Porto Alegre preocupa. O lago Guaíba, cartão-postal que margeia a capital gaúcha, é o repositório do aguaceiro que escorreu pelo interior e fez subir o seu volulme ao nível inédito de 5,3 metros, na tarde de domingo (5).

As águas cobrem ruas e avenidas de norte a sul da capital, incluindo o Centro Histórico, inundam pontos que nunca haviam sido alcançados pelas cheias e expulsam de casa um número ainda incerto de moradores. As aulas escolares foram suspensas, e as escolas da capital viraram abrigos temporários.

O Sarandi, bairro da zona norte com 91,3 mil moradores, foi o primeiro a receber a ordem de evacuação. O transbordamento de um dique deve levar um volume expressivo de água à região, causando destruição às moradias e colocando quem estiver por lá em perigo, alertou o Centro Integrado de Coordenação de Serviços (Ceic), órgão da prefeitura de Porto Alegre.

Continua depois da publicidade

Corrida por resgates

O rápido aumento do nível do Guaíba e de seus afluentes provoca uma corrida por resgates em Porto Alegre e nas cidades vizinhas de Eldorado do Sul e Canoas.

Moradores ilhados têm usado as redes sociais e grupos de WhatsApp para compartilhar sua localização em pedidos por socorro, e usuários atualizam mapas online com endereços de pessoas isoladas.

“Precisamos de resgate!!! Água subindo sem parar. Ficando sem bateria”, escreveu no X uma mulher de Eldorado do Sul, que estava em um apartamento com 20 pessoas enquanto a enchente ameaçava chegar ao segundo andar do prédio, no sábado (4).

Continua depois da publicidade

Dezenas de voluntários que praticam esportes náuticos ou pescam no Guaíba se somaram às equipes do Exército, do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil na busca por moradores que estão em comunidades tomadas pelo rio. Até este domingo, a cidade contabilizava mais de 4 mil resgates.

Moradora da Ilha da Pintada, Kaeli Moraes foi retirada de jet ski de sua casa com o marido e os três filhos quando o alagamento estava a cinco degraus de alcançar o segundo andar. Eles só conseguiram deixar o local porque o pai de Kaeli arrancou as grades da janela da sala, de dentro de um barco, e a família pôde pular para o telhado da residência em frente.

“Teve enchente em setembro, depois em novembro. E, agora, essa. Tudo só piora”, disse, mencionando as duas cheias do ano passado que também alagaram as ilhas da capital gaúcha.

Continua depois da publicidade

Na Usina do Gasômetro, os moradores que chegam têm apenas a roupa do corpo, documentos e, em alguns casos, celulares. “De bens materiais, quem tinha bastante e quem tinha pouco ficou sem nada. Nessa hora, a gente tem que salvar a vida da gente”, disse o pescador Marcos Brandão, que, resgatado em um barco de pequeno porte, precisou abandonar o pitbull da família em uma laje ainda intacta.

Com o seu jet ski submerso em uma garagem, Fabiano Saldanha pegou emprestado o de um conhecido e, desde sexta-feira (3), calcula que o grupo formado por ele e três amigos socorreu cerca de 50 moradores das ilhas. Os jet skis, conta, circulam na altura dos fios dos postes de luz e passam por cima de carros submersos pelo labirinto de água que engoliu as vias, sob forte correnteza do Guaíba. “A gente entra nas ruas e só ouve ‘socorro’, ‘socorro’. É muito triste, é uma guerra”, relatou.

Equipes de socorristas de ao menos outros nove Estados do país atuam nas operações, sobretudo em localidades onde o socorro precisa chegar do céu. Em uma cena que viralizou nas redes sociais, um homem do Comando de Aviação do Exército quebrou o telhado de uma casa ilhada com um tijolo e içou um bebê em um helicóptero em Lajeado.

Continua depois da publicidade

Como acompanhar o clima?

Para aumentar o nível de prevenção, a população do Rio Grande do Sul pode fazer um cadastro e receber alertas meteorológicos da Defesa Civil. Basta enviar o CEP da localidade por SMS para o número 40199. Uma confirmação vai ser enviada e o número ficará disponível para receber as informações.

Também é possível se cadastrar pelo Whatsapp: número (61) 2034-4611. Um robô de atendimento fará a interação e o usuário poderá compartilhar a localização atual ou qualquer outra de interesse para receber as mensagens da Defesa Civil.

Gabinete de crise

O governo federal montou um gabinete de crise para centralizar os trabalhos no Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou ao Rio Grande do Sul neste domingo, três dias após a primeira visita desde o início da crise, ao lado de 13 ministros e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

“Repito e insisto: a devastação a que estamos sendo submetidos não tem precedentes. É momento de somarmos forças em prol do nosso Estado”, publicou o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), nas redes sociais, antes de se encontrar com Lula.

Já Lula, após visualizar a destruição do alto, prometeu linhas de crédito para recuperar o caixa de empresas assoladas pela tragédia e um regime diferenciado de envio de recursos financeiros ao Rio Grande do Sul, que vai demorar para ver seu chão seco e recuperado — em todos os sentidos.

(Com informações de Reuters e Agência Brasil)

Dhiego Maia

Subeditor de Finanças do InfoMoney. Escreve e edita matérias sobre carreira, economia, empreendedorismo, inovação, investimentos, negócios, startups e tecnologia.