Em sabatina ao JN, Bolsonaro diz que respeitará resultado das urnas, “desde que eleições sejam limpas e transparentes”

Atual presidente é o primeiro candidato a ser entrevistado nesta semana pelo Jornal Nacional, da TV Globo

Marcos Mortari Anderson Figo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) em audiência com o Secretário-Geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). (Foto: Isac Nóbrega/PR)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) em audiência com o Secretário-Geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). (Foto: Isac Nóbrega/PR)

O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, voltou a levantar, nesta segunda-feira (22), suspeição sobre o sistema eleitoral brasileiro, e colocou condicionantes para aceitar o resultado das urnas em outubro.

Em sabatina ao Jornal Nacional, da TV Globo, o mandatário retomou parte do discurso adotado em reunião com embaixadores em 18 de julho, citando inquérito (sigiloso) aberto pela Polícia Federal para apurar supostas alegações de fraude nas eleições de 2018.

“Nós temos que evitar que dúvidas pairem por ocasião das eleições”, afirmou.

“Se você pode botar uma tranca a mais na sua casa, para evitar que ela seja assaltada, você vai fazer ou não? Esse é o objetivo disso que eu tenho falado sobre o Tribunal Superior Eleitoral”, disse.

Bolsonaro alega que, no pleito de 2018, um funcionário da área de tecnologia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria afirmado que hackers tiveram acesso a áreas restritas do sistema da instituição por oito meses, com a posse das senhas de um ministro e cinco servidores.

O episódio deu origem a um inquérito que corre sob sigilo na PF. Bolsonaro afirma que informações foram solicitadas pelos investigadores ao TSE, mas não foram entregues, sob alegação de que os registros haviam sido apagados.

As declarações de Bolsonaro contra a segurança das urnas eletrônicas têm provocado reações de chefes de instituições e da sociedade civil organizada, que manifestam confiança no sistema eletrônico de votação adotado há mais de duas décadas pelo país.

Na semana passada, uma série de atos pelo país marcou o lançamento da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, idealizada por ex-alunos e a direção da Faculdade de Direito da USP e que hoje supera 1 milhão de assinaturas, e o documento “Em defesa da Democracia e da Justiça”, organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Durante a entrevista desta segunda-feira (22), Bolsonaro disse que respeitará o resultado das urnas eletrônicas, em outubro, mas colocou um condicionante: que o processo seja “limpo” e “transparente”, sem especificar o que entende por esses termos neste contexto.

“Fique tranquilo, Bonner. Teremos eleições”, afirmou após sucessivos questionamentos feitos pelo jornalista William Bonner, que conduzia a entrevista ao lado da jornalista Renata Vasconcellos.

“Serão respeitados os resultados das urnas, desde que as eleições sejam limpas e transparentes”, disse o presidente em outro momento.

Logo no início da sabatina, Bolsonaro disse que o jornalista havia cometido “fake news” e negou ter xingado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas no ano passado, durante ato com apoiadores no 7 de Setembro, o presidente chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” em discurso. Na ocasião, ele inclusive indicou que poderia não cumprir decisões judiciais.

Bolsonaro voltou a dizer que é “perseguido” pelo ministro (sem citar o nome), que é relator do inquérito das fake news no STF. Mas afirmou que “hoje em dia, pelo que tudo indica, [a relação] está pacificada”. “Espero que seja uma página virada”, disse. O mandatário compareceu à posse do magistrado como presidente do TSE na semana passada.

Bolsonaro disse, ainda, que as Forças Armadas, convidadas para a integrar um grupo de inspeção às urnas eletrônicas, “em parte”, “decidirão sobre essa questão da transparência ou não”. Ele também mencionou a reunião que Alexandre de Moraes terá amanhã com o ministro Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) para tratar do processo eleitoral.

“Tenho certeza que o ministro Alexandre de Moraes vai conversar e chegar a bom termo nessa questão de eleições. Agora, precisei provocar para que chegasse a esse ponto (sic). Pode ter certeza que teremos eleições limpas e transparentes no corrente ano”, declarou.

Discurso anti-democrático

Questionado sobre a postura de alguns de seus apoiadores em defesa de um golpe militar e contra determinadas instituições em discursos antidemocráticos, Bolsonaro disse que as manifestações estariam dentro do direito à “liberdade de expressão” dos grupos.

“Você vê as manifestações nossas sem qualquer ruído. Uma lata de lixo sequer virada nas ruas. Eu considero como liberdade de expressão. Artigo 142. O que é o artigo 142? É um artigo da Constituição que eu não entendo a maneira como alguns pouquíssimos entendem”, disse.

“Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles, eu não levo para esse lado. Para mim, isso daí faz parte da democracia. Não posso eu ameaçar fechar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal”, pontuou.

“Eu não vejo nada demais. Vejo liberdade de expressão, como alguns falam em AI-5. Nem existe mais AI-5. Você querer punir alguém por ter levantado uma faixinha no meio da multidão pedindo AI-5, isso aí é uma coisa que no meu entender não leva a lugar nenhum”, concluiu o presidente.

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Posicionamento na pandemia

Perguntado se ele se arrependia pelo comportamento que teve na pandemia de Covid-19, desestimulando o lockdowns e a vacinação, Bolsonaro disse que “não adotou o politicamente correto” e chamou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia de CPI do circo.

“Nós compramos mais de 500 milhões de doses de vacinas. Só não se vacinou quem não quis. Eu acho que vocês dois se vacinaram. [Com vacinas] compradas por mim, em tempo bem mais rápido do que em outros países. Não tinha no mercado”, disse.

“Não poderia eu, num primeiro momento, falar que deveríamos assinar certos contratos, como por exemplo com a Pfizer, onde a Pfizer não garantia a entrega da vacina. A primeira vacina no mundo foi dada em dezembro de 2020. Em janeiro, nós já estávamos vacinando no Brasil. Então, fizemos a nossa parte”, completou.

O presidente afirmou ainda que a grande mídia desestimulou os médicos a fazerem o tratamento precoce. Ele afirmou também que usou uma “figura de linguagem” ao dizer que quem tomasse a vacina contra Covid viraria jacaré, porque a “Pfizer não garantiu quais seriam os efeitos colaterais” do imunizante. A fabricante procurou o governo brasileiro para a venda do imunizante ainda em 2020, mas só obteve resposta 93 dias depois.

Em janeiro de 2020, técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deixaram claro em seus pareceres que a ausência de alternativas terapêuticas foi um dos critérios adotados para a aprovação do uso emergencial dos imunizantes Coronavac e Astrazeneca, contrariando posição do Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro, que insistiam no chamado tratamento precoce, com medicamentos como Ivermectina.

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já tinha se posicionado negando a existência de um tratamento precoce para Covid e desestimulando o uso indiscriminado de medicamentos como Ivermectina.

Bolsonaro também disse que países que decretaram lockdown hoje dizem que foi um erro, mas não citou quais seriam esses países. Estudos mostram que a adoção do lockdown salvou vidas durante a pandemia e desafogou hospitais, além do fato de que as nações que primeiro adotaram o distanciamento social e estimularam a vacinação também foram as primeiras a reduzir drasticamente o número de mortos pela doença.

Plano econômico

Bolsonaro foi questionado sobre os planos para melhorar os indicadores do país caso reeleito e cumprir promessas feitas durante a campanha de 2018 no sentido de reduzir juros e inflação e valorizar o real.

“As promessas foram frustradas pela pandemia, por uma seca enorme que tivemos no ano passado e também pelo conflito da Ucrânia com a Rússia. Se você pegar os dados de hoje, você vê o Brasil como talvez o único país do mundo com uma deflação, um país onde vai ter uma inflação menor do que, por exemplo, Inglaterra, menor que os Estados Unidos. Você vê também que a taxa de desemprego tem caído no Brasil. Os números da economia são fantásticos levando-se em conta o resto do mundo”, disse.

O presidente defendeu a implementação de uma agenda de reformas econômicas e lembrou de iniciativas como a reforma da previdência e a Lei de Liberdade Econômica, ambas iniciativas aprovadas em 2019.

Em outro sentido, ele destacou iniciativas como o Pronampe e o BEm, na manutenção de empregos, e o auxílio emergencial de R$ 600,00, criado pelo Congresso Nacional.

Meio Ambiente 

Perguntado sobre o aumento do desmatamento da Amazônia durante seu governo, Bolsonaro quis compará-lo às recentes queimadas em países do Hemisfério Norte, como Espanha e França, causadas pelas altas temperaturas enfrentadas durante o verão. Neste caso, porém, são incêndios naturais, não criminosos.

“Quando se fala em Amazônia, porque não se fala também na França, que há mais de 30 dias está pegando fogo? A mesma coisa com a Espanha, Portugal. A Califórnia pega fogo todo ano. No Brasil, infelizmente, não é diferente, acontece. Alguma parte disso aí é criminoso, eu sei disso, outra parte não é criminoso, é o ribeirinho”, disse.

O presidente foi indagado pela sua fala sobre não concordar com a queima de equipamentos apreendidos na Amazônia utilizados para o desmatamento, como tratores. Ele disse que a lei prevê a queima dos equipamentos quando não for possível retirá-los do local, mas que nem sempre os fiscais obedecem essa determinação.

“O material pode ser retirado do local e há um abuso de uma parte”, afirmou, referindo-se ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Muitas vezes o que o pessoal do Ibama faz? Toca fogo, mesmo podendo retirar o material de lá.”

Em seguida, Bolsonaro insinuou que países da Europa tenham interesse agora em acelerar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia por causa da guerra na Ucrânia, de olho no agronegócio do país.

Relacionamento com Centrão e corrupção

Perguntado sobre sua proximidade com parlamentares do “Centrão”, Bolsonaro indagou William Bonner se ele o estava estimulando a ser um ditador. “O Centrão são trezentos e poucos parlamentares. Se eu os deixar de lado, vou governar com o que? Não vou governar com o parlamento”, disse.

“São 513 deputados. 300 são de partidos de centro, pejorativamente chamados de Centrão. Do lado de lá, os 200 que sobram são o pessoal do PT, PCdoB, Rede. Não dá para você conversar com eles. Eles não teriam número suficiente para aprovar sequer um projeto de lei comum. Então, os partidos do centro fazem parte da base do governo para que possamos avançar em reformas”, completou o candidato.

Pressionado sobre a mudança de discurso entre ele ser contra o Centrão, como falava em 2018, e de que ele é parte do Centrão, como fala agora em 2022, Bolsonaro escapou da resposta dizendo que o importante era ele ter um governo “livre de corrupção”.

Mas o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, por exemplo, foi preso preventivamente em 22 de junho acusado de tráfico de influência e corrupção no MEC. Ele teria beneficiado pastores com dinheiro da educação a pedido do próprio presidente, no caso de um dos pastores, segundo as investigações.

“Por muitas vezes, depois que a pessoa chega, a gente vê que ela não leva jeito para aquilo. Ele foi preso, inclusive. O Ministério Público do DF foi contra a prisão dele porque não tinha nada contra ele. Se tiver hoje em dia, é outra história. Até aquele momento, não tinha nada”, afirmou o candidato do PL à Presidência.

“As pessoas se revelam quando chegam. Acontece. É igual a um casamento”, afirmou Bolsonaro. “O ideal era não ter rotatividade nenhuma, mas acontece”, completou. Bolsonaro já indicou cinco ministros da Educação em quase quatro anos de governo.

Agenda

Bolsonaro foi o primeiro presidenciável entrevistado pelo Jornal Nacional. Ainda nesta semana, serão sabatinados os candidatos Ciro Gomes (PDT), na terça-feira (23); Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na quinta-feira (25), e Simone Tebet (MDB), na sexta-feira (26). A ordem das entrevistas foi definida por sorteio.

Conheça a trajetória dos candidatos à Presidência:

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.