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Na reunião de cúpula do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez, nesta segunda-feira (8), um discurso enfático em defesa à democracia na América Latina e deu recados contra aqueles que classificou como “falsos democratas” que, na sua visão, tentam “solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”.
As declarações ocorreram na ausência do presidente da Argentina, Javier Milei, que desistiu de participar do encontro, mas que no fim de semana esteve em Balneário Camboriú (SC), para a Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC) ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras lideranças políticas da direita brasileira.
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Logo na abertura de sua fala, Lula lembrou do episódio recente de tentativa fracassada de golpe de Estado na Bolívia e traçou um paralelo com as manifestações antidemocráticas de 8 de janeiro de 2023, que culminaram na invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília. O evento dos líderes do Mercosul ocorre em Assunção, no Paraguai.
“A reação unânime [dos países do Mercosul] ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstra que não há atalhos à democracia em nossa região, mas é preciso permanecer vigilante. Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”, afirmou.
“Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado”, prosseguiu.
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O presidente brasileiro também associou os elevados índices de desigualdade social na região a riscos à democracia e atacou o que classificou como “experiências ultraliberais” na América Latina − em outro recado velado a Milei.
“Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado”, afirmou.
“Os bons economistas sabem que o livre mercado não é uma panaceia para a humanidade. Quem conhece a história da América Latina reconhece o valor do Estado como planejador e indutor do desenvolvimento. No mundo globalizado, não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista. Tampouco há justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdades em nossa região”, prosseguiu.
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Esta é a primeira cúpula do Mercosul que não conta com a participação do presidente da Argentina. Milei enviou a chanceler do país Diana Mondino para representá-lo. O atual mandatário do país-vizinho é crítico ao bloco regional e outros fóruns internacionais e também já fez duras críticas a Lula.
As falas de Lula, por sua vez, foram vistas nos bastidores como um “recado” ao argentino após o evento com lideranças conservadoras no Brasil.
Durante seu discurso, Lula disse, ainda, que nunca os líderes do Mercosul se depararam com tantos desafios − seja no âmbito regional, seja a nível global. “Nos últimos anos, permitimos que conflitos e disputas, muitas vezes alheias à região, se sobreponham à nossa vocação de paz e cooperação. Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que a si própria”, disse.
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“É preciso pensar grande, como nossos antecessores ousaram fazer nesta capital há 33 anos. O Mercosul será o que quisermos que seja. Não nos cabe apequená-lo com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente. Nossos esforços de atualização devem apontar para outra direção”, continuou.
O presidente brasileiro disse que a região tem “uma agenda inacabada”, que traz como consequência a exclusão de dois setores excluídos do livre-comércio: 1) a inclusão do setor automotivo; 2) a evolução de debates sobre o desenvolvimento dos biocombustíveis a partir do setor açucareiro.
“Precisamos de uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação para a geração de emprego e renda”, afirmou.
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Ele também enfatizou o “papel incontornável” da América Latina na agenda global da transição energética, sugeriu a formação de uma aliança entre produtores de minerais críticos para a garantia de que os benefícios da exploração desses recursos sejam aproveitados pelos países. E defendeu uma governança de dados como instrumento para a soberania futura da região e o desenvolvimento da inteligência artificial local.
Do ponto de vista comercial, Lula disse que “só não concluímos o acordo com União Europeia porque os europeus ainda não conseguiram resolver suas próprias contradições internas”.
O acordo entre UE e Mercosul vem sendo negociado há mais de 20 anos. Em 2019, os blocos chegaram a assinar uma versão, que não foi ratificada em meio à difícil relação do governo Jair Bolsonaro com os europeus, ao aumento do desmatamento e ao não cumprimento de regras ambientais pelo Brasil.
As negociações foram reabertas em março de 2023, mas geraram novos embates. De um lado, Lula passou a criticar o bloco europeu pelas exigências ambientais. De outro, o presidente francês Emmanuel Macron se tornou uma voz cada vez mais frequente contra o acordo, em meio a protestos de agricultores locais, que se opõem à entrada de produtos agrícolas da América do Sul na França.
Desde o início da presidência paraguaia no Mercosul, em dezembro, as negociações pelo acordo estão paralisadas.
O cenário se tornou ainda mais adverso após as eleições para o Parlamento Europeu, braço legislativo da UE, em junho, que teve um avanço de partidos de extrema-direita em alguns dos principais países do bloco, como Alemanha, França e Itália.
Os partidos da extrema-direita europeia têm defendido uma abordagem mais protecionista no bloco e defendido os agricultores europeus em meio à crise de custo de vida no continente.
Na reunião de cúpula do Mercosul, nesta segunda-feira (8), Lula também enfatizou acordos firmados com países asiáticos e indicou foco em diálogos com a China sobre um acordo e a busca pelo aprimoramento de um sistema de pagamentos em moeda local − que, na prática, reduz a dependência ao dólar.
“Maior harmonização nos procedimentos adotados pelos nossos bancos centrais para esse tipo de operação reduzirá custos e beneficiará, sobretudo, pequenas e médias empresas do nosso continente”, disse.
(com agências)