Em derrota para governo, Câmara aprova projeto do marco temporal de demarcação das terras indígenas

Debate ocorre no momento em que o Supremo Tribunal Federal se preparava para retomar julgamento sobre o assunto

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa extraordinária (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa extraordinária (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira (30), projeto de lei que trata do marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL 490/2007). Foram 283 votos favoráveis e 155 contrários ao substitutivo apresentado pelo relator, deputado Arthur Oliveira Maia (União Brasil-BA), e representa uma derrota para o governo.

A votação ocorre menos de uma semana após os deputados aprovarem requerimento de urgência para a tramitação da matéria. O texto determina que só serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O debate ocorre no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) se preparava para retomar julgamento sobre o assunto. Os ministros devem decidir se a promulgação da Carta Magna deve ou não ser adotada como referência para definir a ocupação tradicional de terra por povos indígenas. O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou contra a tese.

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Na Câmara dos Deputados, após a discussão do projeto de lei, o relator acatou uma das nove emendas de plenário apresentadas pela deputada Duda Salabert (PDT-MG).

O dispositivo incorporado ao substitutivo aprovado retira trecho que listava quatro situações nas quais o usufruto dos indígenas sobre a terra não se aplicariam, como aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos e os resultados de mineração ou garimpagem.

O texto aprovado pelos deputados também estabelece como terras reconhecidamente indígenas áreas reservadas, consideradas as destinadas pela União por outras formas que não a prevista na regra geral do marco temporal da Constituição de 1988. Além de áreas adquiridas, consideradas as havidas pelas comunidades indígenas pelos meios admissíveis pela legislação, tais como a compra e venda e a doação.

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Pelo substitutivo, são reconhecidas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Carta Magna de 1988, eram simultaneamente:

1) por eles habitadas em caráter permanente;

2) utilizadas para suas atividades produtivas;

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3) imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e

4) necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

A ausência da comunidade indígena na área pretendida na data definida como marco temporal descaracterizaria o enquadramento como área habitada em caráter permanente, salvo no caso de renitente esbulho devidamente comprovado.

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O termo é definido pelo texto como “efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição Federal de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”.

E a cessão da posse indígena anteriormente ao marco, salvo na situação anteriormente descrita, inviabilizaria o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada.

O substitutivo prevê ainda:

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O substitutivo de Maia estabelece que o usufruto das terras pelos povos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional, permitindo a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Essa dispensa de ouvir a comunidade se aplicará também à expansão de rodovias, à exploração de energia elétrica e ao resguardo das riquezas de cunho estratégico.

As operações das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena não dependerão igualmente de consulta às comunidades ou à Funai.

Já o poder público poderá instalar em terras indígenas equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação.

A partir do projeto, fica permitido aos povos indígenas o exercício de atividades econômicas por eles próprios ou por terceiros não indígenas contratados.

Esses povos poderão assinar contratos de cooperação com não indígenas para a realização dessas atividades, inclusive agrossilvipastoris, desde que gerem benefícios para toda a comunidade, seja por ela decidido e que a posse da terra continue com os indígenas. O contrato deverá ser registrado na Funai.

De igual forma, será permitido o turismo em terras indígenas, também admitido o contrato com terceiros para investimentos, respeitadas as condições da atividade econômica.

Essas atividades, assim como a exploração de energia elétrica e de minerais autorizadas pelo Congresso Nacional contarão com isenção tributária.

Outra novidade nos processos para a demarcação de terras indígenas é que eles deverão contar, obrigatoriamente, com a participação dos estados e municípios onde se localiza a área pretendida e de todas as comunidades diretamente interessadas, como produtores agropecuários e suas associações.

Segundo o texto, essa participação deverá ocorrer em todas as fases, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa e permitida a indicação de peritos auxiliares.

Nesse sentido, o substitutivo de Arthur Maia determina que caberá a apresentação de suspeição de antropólogos, peritos e outros profissionais especializados. Essa suspeição está prevista para juízes, membros do Ministério Público e auxiliares da Justiça quando a causa envolve pessoas com as quais trabalharam ou têm relação direta, por exemplo.

Quanto aos procedimentos, eles deverão estas disponíveis para consulta em meio eletrônico e qualquer cidadão poderá ter acesso a todas as informações, estudos, laudos e conclusões. Informações orais coletadas de indígenas somente serão consideradas válidas se realizadas em audiências públicas ou registradas em áudio e vídeo.

Com a aprovação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei segue para análise do Senado Federal, que não tem prazo para votar a matéria.

Caso o texto seja aprovado sem modificações, seguirá pra sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Se houver modificações na versão aprovada pelos deputados, ela precisará voltar para a Câmara para uma nova análise. A casa iniciadora tem a palavra final sobre o projeto.

O resultado da votação representa um recado de insatisfação dos parlamentares com o governo. A sinalização também foi para o Supremo Tribunal Federal, que trouxe o tema pra a pauta da próxima semana. A corte já adiou a discussão por sete vezes.

Apesar de aliados do Planalto terem trabalhado pelo adiamento da pauta, saíram derrotados. Integrantes de partidos com posições na Esplanada dos Ministérios entregaram votos importantes a favor do texto.

Caso seja sancionada, a lei pode afetar o processo de demarcação de terras indígenas em curso. Parlamentares de esquerda já consideram a possibilidade de judicializar a questão, enquanto ruralistas argumentam que a medida trará segurança jurídica ao campo.

(com Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.