Disputa entre Congresso e STF pode impactar agenda do governo, que mantém distância

Nos últimos dias, parlamentares das bancadas ruralista, evangélica e católica organizaram obstrução para marcar posição contra decisões do Judiciário

Luís Filipe Pereira

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Defendida em seu discurso de posse ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), há uma semana, a ideia de pacificação entre os Poderes apresentada pelo ministro Luís Roberto Barroso ainda parece distante de ser concretizada.

Nas últimas semanas, o desgaste na relação entre Legislativo e Judiciário se agravou, e o governo acompanha com cautela os movimentos de ambas as partes no tabuleiro do jogo político.

Parlamentares das bancadas ruralista, evangélica e católica se colocaram em obstrução para marcar posição contra decisões recentes do Judiciário. Eles se manifestaram contra a sentença que tornou inconstitucional o marco temporal de terras indígenas, e o encaminhamento, por parte dos magistrados, de questões envolvendo a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação e o porte de drogas.

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Uma das respostas do Legislativo veio com a aprovação de um projeto de lei que estabelece que os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam ou reivindicavam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Na avaliação de magistrados, os dispositivos que tratam do tema decidido pelo Judiciário é inconstitucional e não deve produzir efeitos.

Nos bastidores, há um jogo de pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete integralmente a matéria. De qualquer forma, a simples votação já funcionou como um recado do incômodo dos parlamentares com o que eles entendem como invasão de competências promovida pelos integrantes da mais alta Corte do país.

Ontem (5), após uma série de embates, as cúpulas do Legislativo e do Judiciário fizeram um esforço para apaziguar os ânimos em meio à sessão solene do Congresso Nacional em homenagem aos 35 anos da promulgação da Constituição Federal. Além dos discursos marcados por mensagens em defesa do diálogo entre os Poderes, o encontro envolveu uma série de gestos mútuos de deferência.

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), defendeu uma relação harmônica entre as instituições, que devem exercer atuação independente.

“São as maiores autoridades da república as que mais têm responsabilidade nesta matéria. Os Três Poderes são guardiões da Constituição Federal e a sua guarda começa pela harmonia e independência preconizadas na Carta de 1988. Os poderes devem ser freios e contrapesos. Um poder não pode ser a bigorna e o outro não pode ser o martelo dos outros”, afirmou.

Na disputa com o Supremo, parlamentares defendem que a obstrução permaneça até que haja um redirecionamento da pauta de votações do plenário. Caso o movimento persista, é possível que o incômodo do grupo provoque efeitos colaterais à agenda de interesse do governo no Congresso Nacional. Sobretudo na ausência de Lira, que viajará para a Índia e China de 10 a 20 de outubro.

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O risco é que o desconforto dos parlamentares dificulte a construção de consensos em torno de matérias como o projeto de lei que trata da taxação de aplicações financeiras mantidas por brasileiros no exterior, a medida provisória que altera as regras de tributação de fundos fechados e outra que regulamenta decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre subvenções concedidas pelos Estados via ICMS.

Em meio à tensão institucional, além da discussão sobre o marco temporal, deputados resolveram desenterrar projeto que proíbe a equiparação de casamentos homoafetivos a casamentos heterossexuais. Prometem, ainda, resgatar projeto que restringe ainda mais as hipóteses em que o aborto é permitido pela legislação.

Outra decisão da Corte que repercutiu mal entre congressistas nas últimas semanas foi a defesa do voto da ministra Rosa Weber, no plenário virtual, para descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação. Após a manifestação da magistrada, que se aposentou nesta semana ao completar 75 anos, o ministro Luís Roberto Barroso protocolou um destaque para encaminhar o debate ao plenário físico. Ainda não há data firmada para a continuação do julgamento.

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PEC limita decisões monocráticas

Pelo lado do Legislativo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou, na quarta-feira (4), uma Proposta de Emenda à Constituição que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores (PEC 8/2021).

O texto, que ainda precisa ser submetido ao plenário antes de ser encaminhado à Câmara dos Deputados, veda a concessão de decisão proferida por um único magistrado suspendendo a eficácia de lei ou ato normativo com efeito geral ou que suspenda ato do Presidente da República ou do Parlamento.

Seriam submetidos às mesmas regras processos no Supremo Tribunal Federal que peçam a suspensão da tramitação de proposições legislativas ou que possam afetar políticas públicas ou criar despesas.

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Após a aprovação da PEC na CCJ do Senado, Barroso saiu em defesa da Corte, e afirmou que “não é hora de mexer no STF”. O ministro, no entanto, negou mal-estar com o Congresso Nacional, e disse compreender e receber com “naturalidade” os debates em curso no Poder Legislativo, mas acrescentou que “compreender não é concordar”.

O presidente da Corte criticou a possibilidade de reversão de decisões monocráticas dos ministros do Supremo. Segundo ele, tal medida já foi adotada na Constituição de 1937, na ditadura de Getúlio Vargas, “o que não me parece um bom precedente”.

Barroso frisou que o Supremo já modificou seu regimento interno para prever que decisões monocráticas em ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) sejam submetidas na sessão mais próxima possível ao escrutínio do plenário.

Outra alteração recente estabeleceu prazo de 90 dias para a devolução automática de vistas, prazo mais rígido que os 6 meses em discussão na proposta aprovada pela CCJ.

Neste sentido, Barroso disse ver vantagens e desvantagens na adoção de mandatos para a Corte. Para o ministro, o problema maior estaria em se mudar a regra, não deixando que a opção do constituinte de 1988 se consolide.

“Em síntese, pessoalmente, acho que o Supremo, talvez, seja uma das instituições que melhor serviu ao Brasil na preservação da democracia. Não está em hora de ser mexido”, afirmou Barroso.

Na direção oposta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se posicionou publicamente a favor de que seja discutida a  instituição de um limite de prazo para um ministro ocupar posição no Supremo. Ele defendeu que o debate sobre o tema seja aprofundado após a indicação de um novo ministro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Não há um consenso entre os senadores sobre qual seria o prazo ideal para o mandato de um ministro do Supremo, caso este seja o caminho seguido. Há sugestões de margem de 8, 10, 12 e até 15 anos.

(Com Agências)

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