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Uma das mudanças implementadas pela Câmara dos Deputados na reta final da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, a desoneração de produtos da cesta básica deve limitar o alcance do chamado “cashback” no novo modelo.
Tal avaliação é compartilhada por um dos maiores especialistas em reforma tributária no país, o economista Bernard Appy, autor da versão original da PEC 45/2019, que hoje comanda uma secretaria extraordinária no Ministério da Fazenda para tratar do assunto. Ele concedeu entrevista exclusiva ao InfoMoney na última terça-feira (11). Assista à íntegra pelo vídeo acima ou clicando aqui.
A versão do texto da reforma tributária aprovada pelos deputados institui uma “Cesta Básica Nacional de Alimentos”, de modo a assegurar o direito à alimentação, previsto na Constituição Federal. O texto, que agora tramita no Senado Federal, determina que lei complementar posterior defina a lista de produtos que farão parte deste grupo, com alíquota zero no novo sistema.
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Atualmente, produtos da cesta básica já são isentos de tributos federais e têm diferentes regimes em cada estado. Mas integrantes da equipe econômica do governo defendiam uma mudança no modelo. Eles acreditavam que seria mais eficiente como política pública reonerar esses itens para toda a população e conceder o benefício de devolução dos impostos pagos pelos grupos mais vulneráveis ‒ o que hoje tem sido chamado de “cashback”.
Nesta linha de raciocínio, o modelo seria capaz de entregar uma política mais focalizada, permitindo mais benefícios aos mais pobres a um custo menor, já que camadas de maior renda não seriam atendidos pela medida ‒ ao contrário do que acontece hoje. Além do fato de a atual lista de produtos considerados básicos para o consumo incluir itens controversos, como determinados tipos de peixes e queijos importados, com preços elevados e que normalmente são consumidos por faixas de maior renda.
Nas primeiras versões de seu substitutivo, o relator da matéria na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), fixou uma alíquota reduzida, de 50% do percentual que for definido na alíquota padrão, para itens da cesta básica. Mas a forte pressão do agronegócio, de representantes dos supermercados e outros grupos da sociedade civil, que alegavam que o desenho poderia aumentar o preço de alimentos ao consumidor, o levaram a alterar o texto e contemplar uma desoneração completa para uma lista de produtos a ser definida posteriormente.
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No substitutivo da Proposta de Emenda à Constituição aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada, também há, por outro lado, a previsão de que uma lei complementar disponha sobre as hipóteses de devolução de valores pagos no novo imposto a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda no país. Mas na prática as possibilidades de alcance do benefício se limitam às condições do novo modelo.
Isso significa que seria mais difícil implementar um desenho de “cashback” mais amplo se o sistema contar com um volume maior de exceções ‒ já que todas elas pressionam para cima a alíquota padrão do novo imposto, que terá que absorver os impactos de regras diferenciadas para manter o nível de carga tributária atual.
Apesar das possíveis limitações impostas pelo desenho aprovado, Bernard Appy diz que é possível implementar alguma regra de devolução de imposto no novo sistema tributário. Desta forma, seria possível trazer maior progressividade ao modelo (isto é, quem tem maior renda pagaria proporcionalmente mais imposto do que aqueles que ganham menos). O alcance, segundo ele, dependerá da calibragem do conjunto de regras.
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“O ‘cashback’ continua sendo importante. Ele continua sendo um instrumento bastante eficiente, do ponto de vista distributivo. O espaço para usá-lo obviamente é reduzido na hora em que se coloca a desoneração da cesta básica no texto constitucional”, diz o secretário.
“Isso não significa que não haverá ‘cashback’. Ele vai existir, muito provavelmente, mas o espaço fiscal entendido para poder alocar recursos na desoneração do consumo das famílias de menor renda fica um pouco reduzido. Agora, é uma decisão política. Depois que tivermos o desenho pronto, é possível decidir qual vai ser o escopo do ‘cashback'”, explica.
A Proposta de Emenda à Constituição da reforma tributária ainda precisa ser analisada pelo Senado Federal, com necessidade de apoio mínimo de 3/5 dos integrantes da casa legislativa (ou seja, 49 votos entre 81) em dois turnos de votação em plenário, e ainda pode sofrer alterações.
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Caso ele seja aprovado com mudanças de mérito em relação à versão recebida dos deputados, é necessária nova análise da Câmara. A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças. Ela somente vai à promulgação do Congresso Nacional quando superadas essas divergências.