Derrubada do X acirraria “polarização” e daria força ao 7 de setembro, diz Eurasia

De acordo com relatório da Eurasia, uma das principais consultorias de risco do mundo, a “proibição do X pode energizar os eleitores de direita antes dos comícios do Dia da Independência” no Brasil

Fábio Matos

Elon Musk, dono do "X", antigo Twitter (Foto: Krisztian Bocsi/Bloomberg)
Elon Musk, dono do "X", antigo Twitter (Foto: Krisztian Bocsi/Bloomberg)

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A eventual decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a plataforma X (o antigo Twitter) no Brasil, que foi sacramentada nesta sexta-feira (30), acirraria ainda mais um ambiente de forte polarização política no país e poderia insuflar os manifestantes que pretendem ir às ruas no dia 7 de setembro contra o magistrado.

A avaliação é da Eurasia, uma das principais consultorias de risco do mundo, e consta de um relatório da companhia divulgado nesta sexta-feira. O documento analisa o imbróglio entre o X, do bilionário Elon Musk, e o ministro Alexandre de Moraes.

De acordo com o relatório da Eurasia, a “provável proibição do X pode energizar os eleitores de direita antes dos comícios do Dia da Independência”.

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“A principal consequência da derrubada de X seria alimentar a polarização política”, diz a consultoria. “Os conservadores brasileiros (assim como em outras partes do mundo) aplaudem Musk como alguém que não teme enfrentar as autoridades para defender a liberdade de expressão e prevenir a censura. Neste contexto, a proibição ajudaria a reforçar a narrativa de que os tribunais estão exagerando e que seria necessária uma mobilização do campo da direita para travar este movimento”, afirma a Eurasia.

Segundo o relatório, “o potencial para mobilizar os conservadores seria particularmente benéfico para [o ex-presidente Jair] Bolsonaro”.

“O ex-presidente teve algumas semanas difíceis depois que o prefeito Ricardo Nunes, o candidato que ele apoia na corrida para prefeito de São Paulo, perdeu terreno nas pesquisas para um ‘outsider’ de extrema direita [Pablo Marçal]. A principal preocupação de Bolsonaro no curto prazo são os tradicionais comícios de 7 de setembro, que ele utiliza para mobilizar apoiadores e mostrar a sua influência política. Um possível fiasco nas manifestações deste ano poderia sugerir que ele está perdendo a capacidade de liderar os seus eleitores. O caso X poderia ajudar a reduzir esse risco”, avalia a consultoria.

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Além de mobilizar o eleitorado bolsonarista, diz a Eurasia, o possível bloqueio do X no Brasil também teria efeito potencial sobre a esquerda.

“As ações de Musk também alimentaram os progressistas, que veem a sua decisão de contestar as ordens do Supremo Tribunal como uma interferência estrangeira e um ataque à democracia e às instituições brasileiras. Lula e seus apoiadores provavelmente usarão o episódio para reacender os apelos pela regulamentação das redes sociais no Brasil”, diz o relatório.

“Este cenário, em que ambos os lados do espectro político veem o outro lado como uma ameaça à democracia, é uma tendência em muitos países. Este será um contexto importante para as eleições americanas deste ano e para a disputa presidencial do Brasil em 2026”, conclui a Eurasia.

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Em seu relatório, a empresa observa que, apesar de “bastante severa”, a possível suspensão do X no Brasil “teria valor legal”. “Com o fechamento de seu escritório, a plataforma não possui representantes legais no país, o que a legislação brasileira exige para que as empresas recebam e cumpram as notificações legais”, diz o texto.

“Além disso, a maioria dos juízes do STF, provavelmente, endossaria a medida, já que muitos veem as atitudes de Musk como um insulto à lei brasileira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também declarou que, se o X quiser atuar no país, precisa cumprir a lei”, afirma a Eurasia.

Julgamento

Nesta sexta-feira, no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros da Primeira Turma da Corte começaram a julgar recursos apresentados pelas redes sociais X, Rumble e Discord contra decisões de Moraes que determinaram o bloqueio de contas em cada uma das plataformas.

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Primeiro a votar, Moraes se posicionou de forma contrária aos recursos. Segundo o ministro, não cabe às empresas pedirem a retomada das contas.

Em seu voto, Alexandre de Moraes citou o artigo 18 do Código de Processo Civil, segundo o qual “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.

“Na linha desse entendimento, não cabe ao provedor da rede social pleitear direito alheio em nome próprio, ainda que seja o destinatário da requisição dos bloqueios determinados por meio de decisão judicial para fins de investigação criminal, eis que não é parte no procedimento investigativo”, anotou o ministro.

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Ainda de acordo com Moraes, “a liberdade de expressão é consagrada constitucionalmente e balizada pelo binômio liberdade e responsabilidade, ou seja, o exercício desse direito não pode ser utilizado como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”. “Não se confunde liberdade de expressão com impunidade para agressão”, afirmou o magistrado.

Entenda o duelo Moraes x Musk

Na quinta-feira (29), Moraes foi chamado de “tirano” e “ditador” por Musk, em uma série de publicações feitas pelo empresário em sua conta oficial no X.

Musk criticou a decisão de Moraes de bloquear todos os recursos financeiros da Starlink Holding – grupo pertencente ao bilionário – no Brasil. A decisão do magistrado foi tomada no dia 18 de agosto.

Moraes decidiu bloquear os valores financeiros da companhia para garantir o pagamento das multas aplicadas pela Justiça brasileira ao X.

No mesmo dia 18, Musk informou que o X encerraria suas operações no Brasil por causa de uma série de decisões de Moraes que, segundo o bilionário, estariam censurando a plataforma.

O cerco do STF sobre Musk e o X aumentou desde a noite de quarta-feira (28), quando Moraes estipulou um prazo de 24 horas para que a empresa indicasse um representante legal no Brasil.

A intimação do Supremo, curiosamente, teve de ser feita justamente por meio da rede social. O X fechou seu escritório no país e, segundo o STF, não possui nenhum representante legal em território brasileiro.

Em publicação em sua conta oficial na plataforma, Elon Musk ironizou Alexandre de Moraes e exibiu uma imagem, produzida por inteligência artificial, que compara o ministro do STF a vilões dos filmes “Harry Potter” e “Star Wars”.

Na noite de quinta-feira, o X publicou uma nota em que afirma que não cumprirá as determinações de Moraes e aguarda uma decisão do Judiciário brasileiro bloqueando a plataforma. O prazo dado pelo ministro do STF para que a empresa indicasse o representante legal no país se encerrou às 20h07 de quinta.

Nesta sexta, Moraes decidiu suspender o X no Brasil.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”