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SÃO PAULO – O fim do carnaval marca a volta definitiva aos trabalhos no Congresso Nacional, com os parlamentares entrando em um mês com agenda cheia e na mira de ataques do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e aliados – desta vez, em função de uma briga pelo controle de parte significativa dos recursos do orçamento de 2020.
Em um ano com calendário mais curto em função das eleições municipais, os congressistas tentam avançar ainda no primeiro semestre com pautas como as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) dos Fundos e Emergencial, apresentadas pelo governo em novembro do ano passado, além da reforma tributária.
Também é esperado que o governo enfim encaminhe sua prometida proposta de reforma administrativa, que acabou adiada por quase quatro meses. O clima, porém, é de ceticismo com a possibilidade de avanços em algumas da matérias.
“Por uma questão de cronograma, há uma dificuldade em relação à agenda de reformas. Poderia ter avanço na PEC dos Fundos, o resto são temas muito complexos [para o tempo escasso]“, diz o analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice.
“Neste ano, julho é novembro”, observa Paulo Gama, analista político da XP Investimentos. Ele acredita que a disputa eleitoral de outubro, apesar de ser para cargos municipais, pode inviabilizar ou ao menos dificultar a tramitação de temas complexos no Congresso Nacional.
Para além dos desafios impostos pelo calendário, também há preocupação com a deterioração das relações entre o Palácio do Planalto e os congressistas, desta vez fruto dos debates sobre o Orçamento Impositivo de 2020.
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O risco de os parlamentares derrubarem um veto de Bolsonaro à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) pode deixar o parlamento com mais recursos para investimentos do que o próprio governo. O movimento poderia transferir para as mãos do relator, deputado Domingos Neto (PSC-CE), até R$ 30,1 bilhões em emendas, contemplando demandas de membros de diferentes partidos e bancadas do Congresso.
Um acordo chegou a ser costurado pelo ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretatia de Governo), garantindo ao Executivo o controle de R$ 11 bilhões para despesas discricionárias dos ministérios e eliminando a exigência de 90 dias para o emprenho de emendas parlamentares. Mas o próprio governo recuou e o entendimento foi desfeito, o que levou a votação sobre os vetos para depois do carnaval.
Sem um acordo, Bolsonaro corre riscos de ver seus vetos derrubados pelos congressistas e enfrentar uma situação que aliados têm chamado de “parlamentarismo branco”. Este seria o pano de fundo para o compartilhamento de vídeos de manifestações em defesa a seu governo e críticos ao parlamento. A pressão das ruas seria uma das apostas dos bolsonaristas para reverter o quadro adverso. O movimento é arriscado e já recebeu duras críticas no meio político.
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Leia também: Bolsonaro avança sobre Congresso, de olho em Orçamento engessado
“Esses percalços na tramitação de uma agenda ampla e complexa são até naturais. Não seriam, em si, motivo de muita preocupação. O problema é a barulheira ao redor. O razoável é prever que se dissipará. Mas cada um dos ruídos carrega risco não irrelevante de desandar em uma algazarra política capaz de afetar a governabilidade e acrescentar obstáculos adicionais à claudicante recuperação da economia”, observa Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.
O especialista destaca dois ruídos como os mais preocupantes para o andamento de pautas econômicas de interesse do governo no parlamento. O primeiro é fruto das declarações do general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que lançaram um novo capítulo na disputa entre governo e parlamento, em meio a acusações de chantagem, de um lado, e de impulsos autoritários, do outro.
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O segundo fator seriam os apuros de governo de Minas Gerais e do Ceará diante das demandas dos policiais militares. No primeiro caso, foi aprovado um aumento de 41% nos salários da categoria, mesmo com o estado apresentando uma das piores crises financeiras entre os entes subnacionais. No segundo, um motim da categoria trouxe uma onda de violência a diversos municípios.
“Uma eventual onda grevista de policiais em vários estados pode ser tão danosa à economia quanto a paralisação dos caminhoneiros em 2018”, avalia.
Os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group acreditam que há riscos de curto prazo, mas o cenário continua sendo favorável para a agenda de reformas no longo prazo. Para eles, seriam quatro as principais preocupações: 1) os atos anti-Congresso de 15 de março; 2) crescimento econômico menor, afetado pela propagação do novo coronavírus; 3) risco de contágio da crise envolvendo policiais militares nos estados; 4) investigações envolvendo a morte do ex-policial Adriano da Nóbrega e possíveis conexões com a família do presidente.
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Os especialistas acreditam que a agenda de reformas tem o apoio de líderes partidários, que a veem como favorável aos seus próprios interesses, mas ataques de Bolsonaro podem minar os trabalhos legislativos nos próximos dias.
“Líderes partidários provavelmente continuarão fazendo fortes declarações condenando o fato de a base de Bolsonaro manter campanha contra eles. Não há como fugir de um aumento de tensões que provavelmente minará o trabalho legislativo nas próximas semanas. Isso importa, tendo em vista o quão curto é o calendário antes das eleições locais. Mas acreditamos que essa situação será provavelmente contornada”, pontuam.
Eis a lista de pautas econômicas que devem figurar entre as prioridades do mês:
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1. PEC dos Fundos
Ficou para a próxima quarta-feira (4) a votação, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal, da chamada PEC dos Fundos (PEC 187/2019). O texto, encaminhado pelo governo em novembro, faz parte do “Pacote Mais Brasil”, que veio após a aprovação da reforma da Previdência. O relator do texto no colegiado é o senador Otto Alencar (PSD-BA)
A PEC propõe a extinção de fundos infraconstitucionais existentes no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O prazo para a recriação dessas estruturas será o fim do segundo ano seguinte à promulgação da emenda. Para isso, será necessária a aprovação lei complementar específica pelo Congresso, uma para cada fundo.
O dinheiro que a PEC pretende liberar está nos fundos públicos infraconstitucionais, ou seja, criados por leis e não previstos pela Constituição. Os fundos concentram recursos em atividades ou projetos de áreas específicas, o que significa “amarrar” receitas a determinadas finalidades. Com isso, segundo o governo, o dinheiro fica “engessado” e muitas vezes acaba parado nos fundos enquanto outras áreas sofrem com a falta de recursos.
Os Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o Fundo Nacional de Saúde são exemplos de reservas que não serão extintas com a PEC porque são constitucionais.
O relatório do senador Otto traz várias mudanças com relação ao texto original. Ele restringe a medida aos fundos que tenham sido criados até o fim de 2016. Outra alteração busca resguardar fundos que foram criados por lei, mas que têm obrigações constitucionais, ou seja: que foram criados para operacionalizar vinculações de receitas estabelecidas pelas Constituições ou pelas Leis Orgânicas dos Entes Federativos.
Um exemplo é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado ao custeio do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial, que poderia ser extinto sem a mudança feita pelo relator. Também estão na mesma situação os fundos de financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro Oeste (FCO), criados por lei.
O parecer do relator também prevê que os recursos de 248 fundos públicos a serem extintos poderão ficar livres do teto de gastos, gerando despesas com crescimento acima da inflação. A projeção inicial do governo era que a proposta original poderia liberar R$ 219 bilhões, em grande parte destinados para amortização da dívida pública da União.
Depois de tramitar na CCJ, o texto deverá seguir para o plenário do Senado, onde precisa ser votado em dois turnos, com apoio de 3/5 dos membros da casa (ou seja, pelo menos 49 votos). Na sequência, a proposta é encaminhada para a Câmara, onde precisa passar pela CCJ, por comissão especial e também por dois turnos de votação em plenário, com apoio de 3/5 (ou seja, 308 votos).
2. PEC Emergencial
Na carona da PEC dos Fundos, a CCJ pretende concluir as discussões sobre a PEC Emergencial (186/2019) e votar o texto ainda em março. A proposta estabelece regras para conter o aumento de despesas públicas, como a redução de salários e da jornada de servidores públicos em até 25%.
O corte de gastos com pessoal da administração pública pode, pela PEC, ser feito por meio de suspensão de admissão e concursos, de redução de jornada, de redução de vencimentos e de demissão de servidores não estáveis.
Um dos pontos polêmicos é a possibilidade de os efeitos das determinações da PEC retroagirem, já que o texto estabelece que, se até 13 meses antes da aprovação de PEC, as operações de crédito ultrapassarem o valor das despesas de capital previsto no Orçamento (o que viola a chamada “regra de ouro”), as medidas de corte de gastos com o funcionalismo já poderiam ser aplicadas no ano de aprovação da medida e pelos dois anos seguintes.
O texto guarda semelhanças com a chamada PEC da “Regra de Ouro”, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que tramita há mais tempo na Câmara. O plano de Rodrigo Maia é, uma vez cumprida a tramitação da PEC Emergencial no Senado, apensá-la à proposta da Câmara, que já foi aprovada na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) e hoje está em stand by em comissão especial.
Por se tratar de PEC iniciada no Senado, a tramitação do texto é a mesma da PEC dos Fundos.
3. Autonomia do Banco Central
Outro tema na ordem do dia do parlamento é a autonomia do Banco Central, que apesar das tentativas ao longo de diversas legislaturas, nunca prosperou. Desta vez, as duas casas legislativas tentam avançar com propostas similares sobre o assunto.
O plenário do Senado tenta votar, na próxima terça-feira, o PLP 19/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM). A proposição foi aprovado pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) da casa na semana passada e é a que mais longe chegou sobre o tema desde 1991, quando iniciativas parlamentares para fixar a atuação independente do BC começaram a ser apresentadas.
Ao mesmo tempo, os deputados analisam outro projeto, de autoria do Poder Executivo (PLP 112/2019), sobre o assunto, o que preocupa apoiadores pela corrida provocada com os senadores. Nesse tipo de situação, analistas alertam para os riscos de cada casa aprovar um texto e engavetar o da outra, o que faz com que as mudanças não entrem em vigor, ainda que as propostas guardem muitas semelhanças.
A questão da autonomia do Banco Central gira principalmente em torno da estipulação de mandatos de duração determinada para os presidentes e diretores da instituição. Atualmente, esses cargos são de livre indicação do presidente da República, o que significa que a cúpula do BC pode ser dispensada a qualquer momento.
No modelo proposto pelos dois projetos, os mandatos seriam de quatro anos, e a dispensa só seria possível em casos de condenação judicial ou desempenho insuficiente. Nesta última hipótese, o Senado precisaria concordar com a decisão.
Além disso, o timing dos mandatos é desenhado para transcender o calendário político. O presidente do BC tomaria posse no início do terceiro ano de mandato do presidente da República, de modo que a sua gestão não coincida totalmente com a do presidente que indicou. Os oito diretores também teriam mandatos distribuídos no tempo: a cada ano, dois tomariam posse.
A principal diferença entre os textos é que a proposta do governo transfere algumas competências normativas sobre política monetária (como a regulamentação da negociação de títulos da dívida pública) do Conselho Monetário Nacional para o BC. O projeto do Senado não toca nesse ponto.
O governo garante que há espaço para que os dois textos sejam prestigiados, mas senadores lamentam que as atenções estejam divididas.
4. Reforma tributária
Após ser formalmente instalada no Congresso Nacional, a comissão mista que analisará as propostas de reforma tributária em tramitação nas duas casas legislativas tem sua primeira reunião marcada para a próxima terça-feira (3).
O colegiado, composto por 25 deputados e 25 senadores, busca construir um consenso entre os legisladores em torno de um texto para avançar no parlamento. Regimentalmente, PECs não tramitam por comissões mistas, mas o recurso foi usado pelos congressistas em uma tentativa de aparar as arestas.
A comissão é presidida pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e conta com a relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e terá o prazo de 45 dias para consolidar as propostas.
“Embora a comissão apenas dê recomendações [sobre a proposição], sua criação é uma boa indicação para que as duas casas concordarem com uma proposta conjunta”, observam os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group.
A existência de duas propostas e os esforços de cada casa em fazer avançar seu texto reflete uma disputa por protagonismo, que se arrastou pelo ano passado.
De um lado, a PEC 45/2019, assinada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), propõe a unificação de 5 impostos – PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). No lugar deles, seria criado um IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços), em um movimento de simplificação do sistema, mas sem modificação da carga tributária. A proposta é baseada em sugestões feitas pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal).
Do outro lado, os senadores se debruçavam sobre uma antiga proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. O texto, resgatado por Alcolumbre, propõe extinguir IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS, criando no lugar um chamado “IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) dual”: um destinado aos tributos federais e outro aos impostos dos entes subnacionais.
Além dos dois caminhos, os parlamentares cobram postura mais ativa do governo federal no debate. A equipe econômica chegou a sinalizar o envio de uma proposta própria, incluindo a recriação de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF, para viabilizar uma desoneração da folha de pagamentos. A ideia perdeu forças e o plano do governo de enviar um texto próprio ficou em banho maria.
Passado o prazo de 45 dias da comissão mista informal, o texto segue para apreciação de comissão especial seguida de dois turnos de votação no plenário da Câmara dos Deputados, com quórum exigido de 3/5 (o equivalente a 308 deputados) em cada.
Caso aprovado, o texto segue para o Senado Federal, onde precisa passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e outros dois turnos de votação em plenário, com o mesmo quórum de 3/5 (o equivalente a 49 senadores) em cada.
Desde o início do ano, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem afirmado que a reforma tributária deve ser aprovada no plenário da casa até abril. O prazo é apertado, já que o cumprimento dos 45 dias para a comissão mista já joga a proposta para esse mês, com todo o restante da tramitação na casa pendente.
Com as eleições municipais, o objetivo é aprovar a PEC nas duas casas antes do recesso de julho. Analistas políticos observam com ceticismo o cumprimento da meta.
“A comissão mista da reforma tributária, anunciada em dezembro do ano passado, foi enfim criada. Mas a demora deixou muito apertado o cronograma propagandeado por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Para piorar, o risco de a reforma novamente naufragar aumentou após empresários com conexões políticas relevantes, ligados ao setor de serviços, declararem abertamente que trabalharão contra as propostas em discussão na Câmara e no Senado”, pontua Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.
Leia também: Tropeços do governo são o maior obstáculo para a reforma tributária, dizem analistas políticos
5. Reforma administrativa
Antes do carnaval, o presidente Jair Bolsonaro assinou a proposta de reforma administrativa que ainda será enviada ao Congresso Nacional.
O texto era prometido pelo governo desde novembro do ano passado, juntamente com as três PECs do pacote “Mais Brasil”, e sofreu uma série de adiamentos por decisão política.
O governo esperava um timing mais adequado para a discussão da carreira do funcionalismo público – tema espinhoso na política, sobretudo em um ano de eleições municipais.
O primeiro fator de adiamento foram as crises que estouraram em diversos países latino-americanos. Mais recentemente, declarações ruidosas do ministro Paulo Guedes (Economia) interditaram o debate.
Com a crise recente entre Bolsonaro e o parlamento, há uma preocupação no governo de que a aprovação da reforma administrativa esteja comprometida neste ano, mesmo que a promessa seja de que as modificações apenas valham para quem ingressar no funcionalismo após as mudanças.
O receio da equipe econômica é que os atritos gerem retaliações e culminem em atraso de matérias que ainda não começaram a tramitar no Legislativo. Má notícia para Guedes, que tem sido pressionado por resultados na economia.
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(com Agência Senado)
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