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SÃO PAULO – Quinta testemunha a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado Federal, o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten adotou uma linha de discurso em defesa ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e às condutas adotadas pelo governo federal no enfrentamento à Covid-19.
Em depoimento nesta quarta-feira (12), Wajngarten deu declarações que vão de encontro com entrevista concedida à revista Veja no fim de abril ‒ o que provocou irritação de membros do colegiado, que cogitaram pedir prisão em flagrante da testemunha. A publicação é tida como principal motivo para sua convocação para a oitiva que já dura mais de 6 horas.
Aos membros da CPI, o ex-secretário elogiou a “coragem” do general Eduardo Pazuello, que por mais tempo esteve à frente do Ministério da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus, negou que tenha participado de negociações com representantes da Pfizer sobre a compra de vacinas contra a Covid-19 pelo governo brasileiro e disse que as tratativas iniciais envolveram uma quantia “irrisória” de imunizantes.
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A reportagem, por outro lado, dizia que Wajngaten travava uma disputa com Pazuello em torno da aquisição da vacina e que este teria sido um dos motivos para a sua saída da Secom, em março. O texto também fala em uma oferta de 70 milhões de doses por parte da farmacêutica americanas ‒ o que o ex-secretário negou à CPI.
“O número de vacinas não está correto. Nunca tive acesso a esse número. Nunca partiu de mim, em nenhuma reunião com a Pfizer, o volume de 70 milhões. Oxalá tivéssemos as 70 milhões. Infelizmente, nunca foram disponibilizadas 70 milhões. As propostas da Pfizer, no começo da conversa, falavam em irrisórias 500 mil vacinas”, disse durante o depoimento à comissão.
Na entrevista concedida em abril à revista, Wajngarten afirmou ter “aberto as portas do Palácio do Planalto” à farmacêutica e fez uma “peregrinação por todos os Poderes” – citando nominalmente figuras como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o procurador-geral da República, Augusto Aras –, mas que “incompetência” e “ineficiência” da “equipe que gerenciava o Ministério da Saúde” impediram o avanço das tratativas.
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Segundo ele, “se o contrato com a Pfizer tivesse sido assinado em setembro, outubro, as primeiras doses da vacina teriam chegado no fim do ano passado”. O áudio foi disponibilizado pela publicação após solicitação dos parlamentares.
À CPI, o ex-secretário disse que sua atuação nas tratativas com a Pfizer se resumiu a contatos iniciais, em razão de a farmacêutica não ter obtido resposta por carta enviada a Bolsonaro, com cópia ao vice-presidente Hamilton Mourão, aos ministros Eduardo Pazuello (à época, Saúde), Walter Braga Netto (à época, Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia) e ao embaixador Nestor Foster, após quase dois meses.
“O senhor pode imaginar qual era a pressão da imprensa em atacar o governo dizendo que não tinha vacina, e a quantidade de mortos e contaminados aumentando toda hora”, argumentou quando questionado sobre suposto desvio de função ou ingerência sobre competências de outras pastas.
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“Eu não tratei de negociação. Meu intuito foi de ajudar, criar atalhos e encurtar o caminho para que a população brasileira tivesse a melhor vacina”, complementou.
Na avaliação de integrantes do G7, o grupo de parlamentares independentes e de oposição que integram a comissão como membros titulares, a carta não respondida evidencia indiferença do governo federal na busca pela aquisição de vacinas contra a Covid-19.
“A CPI hoje obteve uma informação que não tínhamos. Que metade da cúpula do governo sabia, desde 12 de setembro, que a Pfizer estava oferecendo vacina para a gente. Talvez tenha sido a informação mais importante de toda a CPI”, afirmou o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM).
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O clima é tenso durante toda a sessão. Em um dos momentos mais críticos, após Wajngarten afirmar desconhecer um “aconselhamento paralelo” no governo federal para o enfrentamento à Covid-19, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), ameaçou pedir a prisão do ex-secretário caso ficasse comprovado que mentiu à comissão, à qual se comprometeu sob juramento a dizer a verdade.
“Ele disse desconhecer a existência [de um assessoramento paralelo no governo], mas é o contrário: vossa excelência é a prova da existência dessa consultoria, é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República, porque iniciou uma negociação em nome do Ministério da Saúde, como Secretário de Comunicação e se dizendo em nome do presidente; é a prova da existência disso”, disse.
“Eu queria dizer que vou cobrar a revista Veja: se ele não mentiu, que ela se retrate a ele; e, se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer, na forma da legislação processual, a prisão do depoente, apenas para dizer isso e para não dizerem que nós não estamos tratando a coisa com a seriedade que essa investigação requer”, completou.
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Mais tarde, Calheiros foi mais enfático quanto à possibilidade de prisão do depoente. “Diante da repetição inacreditável de mentiras comprovadas com os fatos contrários, em desprestígio a este Congresso, à representação política e a esta comissão parlamentar de inquérito… O Brasil espera que nós apuremos se houve genocídio ou não. Nós já perdemos esse número de brasileiros que vamos lembrar aqui e este senhor vem a esta comissão descaradamente e repetidamente mentir. Nós vamos, na forma da comissão, requisitar de V. Excelência, diante do flagrante evidente, uma ordem de prisão”, disse.
A decisão sobre prisão do depoente cabe ao presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM). Neste caso, o preso seria conduzido até a delegacia da Polícia Legislativa no próprio Senado Federal, onde seria elaborado mandado de prisão, entregue à Polícia Federal.
Aziz, no entanto, disse que não faria o pedido – o que provocou um desgaste entre membros do G7. “Se depender de mim, eu não vou mandar prender o senhor Fabio Wajngarten. (…) Eu não tomarei essa decisão. Eu não sou carcereiro de ninguém. Sou um democrata. Se ele mentiu, temos no relatório como pedir o indiciamento dele, mandar para o Ministério Público para ele ser preso, mas não por mim”, disse.
“Vocês não vão diminuir a CPI. Não é porque uma pessoa vem aqui e, desde a manhã, se contradiz toda hora, que vamos acabar com a CPI, diminuir a CPI. Eu não posso aceitar isso”, afirmou.
“Nós temos que ter muita cautela para que não pareça que aqui somos um tribunal que já estamos ouvindo e condenando. Nós sempre reclamamos deste tipo de comportamento. Nós não prejulgamos as pessoas. E não é impondo a prisão de alguém que a CPI não vai dar resultado”, complementou.
O presidente do colegiado também pontuou que, à sua revelia, a voz de prisão poderia ser feita por outros membros da comissão. A alternativa chegou a ser citada por Calheiros, que depois declinou da possibilidade sem antes manifestar incômodo. “Se este depoente sair daqui ileso diante das mentiras, vamos escancarar uma porta que depois vamos ter muita dificuldade de fechar. Na medida em que a gente não toma decisões diante do flagrante evidente, é óbvio que isso vai enfraquecendo a comissão”, disse.
Juntamente com Calheiros, a possibilidade de prisão do depoente havia sido ventilada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES).
A sessão foi suspensa após a abertura da ordem do dia no plenário da casa legislativa. Antes da paralisação dos trabalhos no colegiado, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, foi à comissão para defender Wajngarten e, ao assumir a palavra, chamou Calheiros de “vagabundo”.
“Vamos tentar colocar vacina nos braços dos brasileiros e não tentar fazer palanque, como o senador Renan Calheiros tenta fazer. A todo momento, querendo aparecer… Imagina um cidadão honesto sendo preso por vagabundo, que é o senador Renan Calheiros?!”, disse.
“Entendo isso como elogio. Vagabundo é você que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete”, rebateu o relator.
Na retomada dos trabalhos, Aziz comunicou que a CPI acatou pedido feito pelo senador Humberto Costa (PT-PE) para enviar o depoimento de Wajngarten ao procurador-chefe da Procuradoria Geral da República no Distrito Federal.
No despacho, o parlamentar petista pede averiguação se o depoente infringiu o Código Penal e prestou falso testemunho à comissão. “A CPI não pode ser objeto de uma desmoralização”, afirmou.