CPI da Pandemia: Quais crimes juristas imputam a Bolsonaro durante o enfrentamento à Covid-19?

Grupo de especialistas aponta uma série de irregularidades em documento que deve embasar relatório de Renan Calheiros; veja os destaques

Marcos Mortari

O presidente da República, Jair Bolsonaro (Crédito: Fotos Públicas)
O presidente da República, Jair Bolsonaro (Crédito: Fotos Públicas)

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SÃO PAULO – Um grupo de juristas liderados pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior apresentou, na última terça-feira (14), um parecer aos integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia com imputações penais potencialmente cabíveis a agentes públicos e privados responsáveis por ações e omissões no enfrentamento ao novo coronavírus.

Ao longo de seis capítulos distribuídos em 226 páginas, os juristas apontam uma série de tipos penais que podem ter sido cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outros membros do governo durante a crise sanitária. O material deverá embasar o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que deverá ser apresentado na próxima semana.

Na avaliação dos especialistas, há “fartos elementos probatórios” a demonstrar a existência de crime de responsabilidade (art. 7º, número 9, da Lei 1.079/50); crimes contra saúde pública, como os crimes de epidemia (art. 267 do Código Penal) e de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal), além da figura do charlatanismo (art. 283 do Código Penal); de crime contra a paz pública, na modalidade de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal); de crimes contra a Administração Pública, representados pelos crimes de falso (arts. 298 e 304 do Código Penal) e de estelionato (art. 171, §3º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal), de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), de advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal) e de prevaricação (art. 319 do Código Penal). No âmbito internacional, eles também apontam condutas que configuram crimes contra humanidade (art. 7º do Estatuto de Roma).

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Os juristas destacam que Bolsonaro “colocou a garantia da continuidade da plena atividade econômica acima da adoção das medidas preconizadas pelos especialistas e pela OMS [Organização Mundial da Saúde]“. Para eles, o presidente tomou medidas para minimizar a prevenção, obstaculizando o uso de máscaras, ampliando o rol de atividades essenciais não sujeitas a restrições, participando de aglomerações, propagando adoção de formas de tratamento precoce sem comprovação científica e conspirando contra vacinas, seja ao não as adquirir, seja promovendo desconfiança sobre a eficácia dos imunizantes.

“Por todo o exposto, é possível opinar pela existência de farto material probatório produzido pela CPI, capaz de ensejar a necessária responsabilidade criminal dos gestores públicos e dos agentes privados no tratamento da política estatal de combate à pandemia do Covid-19”, afirmam os juristas na conclusão do estudo.

“O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização. Não se trata, apenas, de descumprimento de deveres por parte dos gestores públicos, mas, também, da recusa constante do conhecimento científico produzido ao longo do enfrentamento da pandemia do Covid-19”, complementam.

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O estudo, elaborado a pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), contou com a coordenação de Miguel Reale Júnior e também levou as assinaturas de Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich.

Os crimes de responsabilidade apontados pelos juristas poderiam levar ao impeachment de Bolsonaro. No entanto, a decisão de abrir ou não um processo cabe ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que tem em mãos mais de 130 pedidos, mas já indicou que não pretende levar adiante nenhum deles.

Uma das sugestões que devem constar do relatório é o de mudanças na lei de impedimento de presidentes, incluindo um prazo para que seja dada resposta ao pedidos apresentados, mas os detalhes ainda não foram trabalhados pelos senadores e o movimento já encontra resistências entre deputados governistas e do chamado “centrão”.

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Veja as principais linhas de argumentação dos juristas:

1) Crime de responsabilidade

Os especialistas listam uma série de eventos em que Bolsonaro teria cometido crime de responsabilidade, como ao promover aglomerações, incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente e pregar contra o uso de máscaras. A postura crítica às medidas recomendadas por autoridades sanitárias e o argumento de que a maior parte da população seria infectada evidenciaram a defesa da chamada tese da “imunidade de rebanho” no Palácio do Planalto.

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“É importante ressaltar ter sido esta política pensada e aplicada sob a égide da ideia mestra da imunização de rebanho, à qual aderira o Presidente, ao colocar a preservação da economia acima da preservação da vida e da saúde, reforçando esta postura pela opinião colhida com assessores informais, um ministério sombra, em reuniões no Palácio do Planalto. Por via desta orientação, construiu-se um desastre na saúde pública brasileira, que se apresenta de forma coerente e estruturada”, afirmam os juristas.

“Em sentido diametralmente contrário aos posicionamentos dos principais centros de pesquisa e de saúde nacionais e internacionais e da OMS, que rechaçam veementemente a utilização desses medicamentos para o tratamento da Covid-19 e ainda alertam para os graves riscos dos seus efeitos colaterais, a incluir arritmias e outros problemas cardíacos, o Presidente conclama a população, a todo tempo, a utilizar substâncias sem eficácia comprovada”, pontuam.

“Dessa forma, coloca em risco a saúde de todos os brasileiros, agindo com total indiferença em relação ao possível resultado danoso que pode advir da utilização desses medicamentos pela população, que, além de estar sujeita ao desenvolvimento de efeitos colaterais sérios, pode apresentar um agravamento do quadro da Covid-19 por ineficácia do tratamento recebido”, complementam.

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“Também a revelar o desprezo pela saúde dos brasileiros, o Presidente, ao promover a cloroquina como suposta cura para a Covid-19, desincentiva a população a tomar as devidas medidas de prevenção, como o isolamento social e o uso de máscaras, pois bastaria, pelo seu discurso ilusório, a utilização do medicamento para combater a doença”, concluem.

Ao longo do documento, eles listam 25 situações em que Bolsonaro desrespeitou alguma medida sanitária preconizada pelas autoridades para conter a disseminação da Covid-19. “Não é preciso dizer que ser contrário às medidas estabelecidas por lei não afasta a configuração da prática de crime. Tampouco é necessário afirmar que o fato de o agente ser Presidente da República em nada altera o dever de obediência às normas preventivas, independentemente da esfera federativa da qual emanaram. Pelo contrário: o fato de se tratar de uma autoridade pública aumenta a reprovabilidade da conduta, pois o sujeito ativo tem a obrigação de resguardar e promover a saúde dos brasileiros, mas prefere adotar conduta diametralmente oposta a seus deveres”, afirmam.

Os juristas também dão atenção especial ao colapso do sistema de saúde de Manaus (AM), primeiro palco da onda provocada pela variante gama (P1) no Brasil. Eles alegam que a combinação da defesa da tese da “imunidade de rebanho” e a promoção de medicamentos sem eficácia comprovada foram determinantes para a tragédia registrada no início do ano.

“Verificou-se em Manaus uma elevada taxa de contaminação e internação da população com Covid-19, propulsionada, entre outros fatores, pela defesa da tese da imunidade de rebanho. Outrossim, promoveu-se ampla e indiscriminadamente o tratamento precoce com medicamentos sem eficácia comprovada, como suposta forma de evitar o colapso de saúde na cidade. Ambas as políticas, imunidade de rebanho e tratamento precoce, como se examinou anteriormente, foram insistentemente defendidas pelo Presidente Bolsonaro ao longo da pandemia”, afirmam.

“O desprezo pela saúde e pela vida dos brasileiros amazonenses está claramente caracterizado. A adoção de um tratamento precoce ineficaz como política de saúde pública pelo Governo Federal, em detrimento da implementação de medidas de prevenção e da garantia de fornecimento de equipamentos e insumos necessários à assistência dos doentes, contribuiu para o colapso do sistema de saúde presenciado no estado”, complementam.

Por fim, o documento também ressalta a postura do governo federal em negociações para a aquisição de vacinas – seja de forma desinteressada com ofertas da farmacêutica americana Pfizer ou com o imunizante produzido em parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac.

2) Crimes contra a vida e a saúde pública

Os juristas alegam que o comportamento reiterado de Bolsonaro durante a pandemia revela uma sobreposição da atividade econômica em relação à vida e à preservação da saúde dos brasileiros.

“A estrutura inicialmente montada no plano jurídico e operacional, de conjugação de esforços com Estados e Municípios, foi sendo conscientemente solapada, para incentivar o desrespeito às normas de isolamento social, pelo exemplo de se aglomerar, por atos normativos tornando dispensável o fornecimento de máscara, ao ampliar os setores considerados essenciais, não sujeitos, portanto, a limitações de funcionamento; ao conspirar contra as autoridades estaduais e municipais, inclusive indo contra suas determinações de precaução por via de ações judiciais no Supremo Tribunal Federal; ao aplicar diminuta percentagem do orçamento destinado ao enfrentamento da Covid-19; ao incentivar a população a denunciar governadores invadindo hospitais para tentar comprovar não ser verdade a elevada ocupação de UTIs; ao incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada; ao não comprar vacinas; ao ridicularizar as vacinas, criando clima de desconfiança em relação às mesmas; ao festejar eventual insucesso em teste da vacina do Butantan, que se verdade só prejudicaria a população”, afirmam.

Para eles, tal postura representa uma afronta a valores fundamentais postos na Constituição Federal, como a inviolabilidade da vida, e a consagração da saúde como um direito do cidadão e dever do Estado.

“A Lei 1.079/50, relativa aos crimes de responsabilidade, dispõe no seu art. 7º, número 9, que constitui crime ‘violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no art. 157 da Constituição’. (A lei referia-se a artigos da Constituição de 1.946, correspondentes aos arts. 5 e 6 da Constituição atual)”, pontuam.

“Assim, a afronta aos direitos fundamentais como a vida e a saúde, que são conexos, e vêm a ser pressupostos para a satisfação mínima da dignidade da pessoa humana, não poderia deixar de se constituir, tal como é, em crime de responsabilidade, pois o Presidente, por meio de condutas comissivas e omissivas, atinge tais direitos e revela desumanidade incompatível com a ordem democrática consagrada na Constituição”, argumentam.

Eles também alegam que Bolsonaro deixa de cumprir com seus deveres ao dizer equivocadamente que decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) retirou poderes para enfrentar a pandemia e delegou tais responsabilidades a Estados e Municípios.

“Na forma comissiva por omissão, o resultado pode ser imputado a quem tem o dever de agir e pode agir, mas, no entanto, deixa de fazer, dando livre curso ao processo causal em desenvolvimento, quando se tivesse agido, se tivesse tido a conduta devida teria evitado o resultado ‘con una probabilità vicina alla certeza’“, dizem.

“Deixar o vírus se espalhar, como política de saúde pública, para alcançar, como projeto, a imunização de rebanho, dando acolhida a reclamos de empresários, revela uma posição valorativa negativa desumana, podendo-se concluir que a afronta ao direito à vida e à saúde deu-se seja na forma comissiva, como na comissiva por omissão, ao de descumprir com o dever de agir”, complementam.

“A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado da inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então Ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de Ação por Crime de Responsabilidade”, concluíram.

3) Crime de epidemia

Os autores do estudo alegam que esta tipificação penal consiste em “causar epidemia”. “No que se refere ao verbo “causar”, é preciso afastar interpretações equivocadas no sentido de que apenas quem deu origem à epidemia estaria abarcado pelo tipo penal. Causar epidemia significa, aqui, contribuir de forma relevante para o resultado verificado in concreto“, afirmam.

“O meio empregado foi, de fato, idôneo para a propagação da epidemia – basta verificar os cálculos apresentados pelo epidemiologista Prof. Dr. Pedro Hallal quando de seu depoimento perante esta CPI, demonstrando que aproximadamente 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas e que, dentre essas, 145 mil mortes decorreram diretamente da demora na aquisição da vacina, conduta praticada pessoalmente pelo Presidente, em conjunto com outras autoridades”, escrevem.

“O crime de epidemia pode ser praticado tanto dolosa quanto culposamente. No que se refere às condutas aqui analisadas, verifica-se sua prática intencional. Tal constatação decorre da plena ciência dos fatos e das relações causais, às quais tanto o Presidente da República, o Ministério da Saúde e demais autoridades federais envolvidas tiveram, bem como da busca pela propagação da epidemia de modo deliberado, como foi inclusive afirmado publicamente de forma reiterada pelos agentes”, argumentam.

Neste caso, eles defendem a aplicação do dobro da pena por entender que as condutas das autoridades culminaram em mortes e/ou lesões corporais. “Por último, conforme será exposto adiante, não há que se falar em exclusão da ilicitude decorrente da escolha pelo suposto atingimento de objetivos econômicos em detrimento da saúde e da vida das pessoas, já que a ordem valorativa constitucional não autoriza tal opção, além de que, no caso concreto, ambos os bens jurídicos foram prejudicados pela conduta criminosa”, escrevem.

“Vida e saúde têm prevalência axiológica e são pressupostos da própria existência da ordem econômica, razão pela qual a escolha desta em detrimento daquelas não é autorizada por nosso ordenamento e, assim, não afasta a ilicitude das condutas praticadas”, reforçam.

4) Crimes de charlatanismo

A propagação do uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, como a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina, com uma falsa propaganda de tratamento infalível, podem configurar crime de charlatanismo, segundo os juristas. Na avaliação deles, essa postura consistiu em “um braço da política de estímulo à propagação da doença”.

“Houve, portanto, um contexto de prática dessas condutas pelo Presidente da República e outras autoridades, bem como uma reiteração de manifestações. Tais expressões do Presidente, em razão de sua reiteração pública, e de estar apoiada em políticas de saúde, desenvolvidas por si e pelos coautores, que buscavam facilitar o uso, disseminar e incentivar a prescrição de tais substâncias, faziam com que os destinatários das mensagens acreditassem que se tratava de método infalível de cura da Covid-19, desde que aplicado preventivamente ou em estágios iniciais da doença”, afirmam.

Os especialistas explicam que, nesta tipificação criminal, “a conduta proibida consiste em inculcar (indicar ou apregoar) ou anunciar (fazer público) a cura de uma doença por meio secreto ou infalível”, desde que aplicada a humanos.

“Quanto aos fatos examinados, houve até reiteração delitiva – o que pode ser tido como crime continuado – o que leva, inclusive, ao aumento de pena. A idoneidade para o abandono das medidas preventivas é evidente, já que o destinatário da mensagem acredita que pode relaxar quanto à adoção do uso de máscara e distanciamento social, pois, caso adoeça, bastará tomar os medicamentos. E, embora não fosse necessário para a configuração, fato é que muitos brasileiros se convenceram do argumento e adotaram o ‘tratamento precoce’, muitos dos quais sofrendo efeitos colaterais graves”, escrevem.

Para eles, há dolo quando se verifica posição contrária da OMS e outras autoridades sanitárias à conduta. “Além disso, o próprio Presidente externou o conhecimento da ilicitude de sua conduta, ao afirmar, por exemplo, que ‘Eu não vou falar aquilo que eu tomei lá no Brasil se não vão me cortar o sinal da internet, mas vocês sabem o que eu tomei. (..) aquele que eu mostrei para a ema e toma para a malária’”, reforçam.

5) Crimes contra a paz pública

Os juristas também acreditam que a conduta de Bolsonaro poderia se enquadrar em incitação pública à prática de crime. Eles também lembram que o próprio presidente incentivou apoiadores a entrar em hospitais e filmarem instalações para supostamente comprovar ser mentira a alta ocupação de leitos de UTI por casos de Covid-19.

“As medidas de precaução, como isolamento social, não aglomeração, uso de máscaras e vacinação foram determinadas pelo Poder Público no âmbito de suas competências, como medidas preventivas essenciais à não proliferação da Covid19, sujeitas as infrações a estas determinações, inclusive, a sanções administrativas. O Presidente reiteradamente incitou as pessoas a não cumprirem com estas obrigações, até mesmo delas fazendo chacota e as apodando de limitadoras da liberdade de ir e vir e não protetivas da saúde e da vida como efetivamente são”, pontuam.

“Igualmente, o Presidente da República também praticou o crime de incitação ao incentivar populares a invadirem hospitais e filmarem para demonstrar estarem seus leitos vazios, em profunda violação à intimidade dos doentes que lá estavam. Incitou, deste modo, à prática de invasão de domicílio (art. 150 do Código Penal) e de colocação de pessoas em perigo de vida (art. 132 do Código Penal)”, complementam.

“Ademais, presente está o elemento essencial do tipo consistente na publicidade: a incitação praticada por Bolsonaro foi dirigida a um número indeterminado de pessoas, de vez que, no primeiro caso, foi reiterada em inúmeras manifestações públicas, nas ruas e em “lives” nas redes sociais, e, no segundo caso, foi realizada em transmissão ao vivo no Facebook“, argumentam.

6) Crimes contra a Administração Pública

Diversas situações de possíveis crimes contra a administração pública de integrantes do governo são destacadas pelos autores dos estudos. Bolsonaro poderia ser enquadrado em possível prevaricação (ou seja, quando um funcionário público dificulta ou atrasa alguma obrigação de seu cargo) no caso envolvendo a compra da vacina produzida pelo laboratório indiano Covaxin, denunciado pelos irmãos Miranda.

“No caso em tela, temos que há justa causa para afirmar que o Presidente da República, sr. Jair Messias Bolsonaro e o então Ministro da Saúde, sr. Eduardo Pazuello, foram devidamente alertados acerca das irregularidades e, ainda assim, permaneceram inertes”, afirmam.

“Diante dos fatos, conclui-se que as omissões dos Srs. Presidente da República e Ministro da Saúde estão previstas na lei penal sob a forma de delito de prevaricação, tipificado no Código Penal”, complementam.

“Igualmente, há fortes indícios de que a omissão ocorreu no intuito de satisfazer interesses pessoais do Presidente da República e do Ministro da Saúde, a saber, a manutenção da base a aliada do Governo Federal no Congresso Nacional, mediante não interferência em negócios escusos patrocinados dentro do Ministério da Saúde por parlamentares que compõe referida base parlamentar. A propósito disso, o depoimento prestado pelo Deputado Federal Luis Claudio Miranda, perante os integrantes da CPI, é extremamente elucidativo quanto ao motivo da inação da cúpula do Governo Federal”, destacam.

No mesmo caso Covaxin, os juristas imputam a outros agentes crimes de corrupção passiva, falso e estelionato, além de advocacia administrativa. Há também o entendimento de que houve crime de corrupção no caso envolvendo a empresa Davati Medical Supply, que apareceu como intermediária de uma suposta oferta de 400 milhões de doses da vacina produzida pelo laboratório AstraZeneca.

Por fim, eles observam fatos atípicos em episódio de negociação de doses da Coronavac pelo Ministério da Saúde, à época comandada por Eduardo Pazuello, com a atravessadora World Brands por valor acima do cobrado no mercado – e quando o processo deveria se dar com o Instituto Butantan, única instituição formalmente habilitada para representar farmacêutica chinesa Sinovac no Brasil.

7) Crimes contra a humanidade

Os juristas também destacam a desassistência dos povos indígenas – o que eles entendem como “parte de toda uma política de ataque àquelas populações com o intuito de removê-las das terras por elas tradicionalmente ocupadas, ou forçá-las à aculturação, ou simplesmente exterminá-las a fim de promover a entrega da Amazônia aos interesses privados”.

“A especial vulnerabilidade dos povos indígenas foi, e continua sendo deliberadamente ignorada pelo sr. Presidente da República e órgãos de governo a ele subordinados e obedientes, através de uma sequência de atos normativos – como a autorização de ingresso de missionários, garimpeiros e outras pessoas em aldeias de povos semi-isolados, combinados com o desmonte dos órgãos especializados de proteção aos indígenas. A exemplo, e apenas como exemplo, vale mencionar que Presidente Jair Messias Bolsonaro sancionou a Lei 14.021/20 para permitir a entrada de missões de cunho religioso nas terras indígenas habitadas por povos isolados”, afirmam.

“Resta claro, portanto, que o Presidente da República, pessoalmente e por meio da estrutura organizada e hierárquica de poder, através de diversos Ministérios e órgãos de controle ligados à proteção constitucional dos povos originários, na forma prevista do artigo 231 da Constituição Federal, deliberadamente planejou, incentivou, autorizou e permitiu que a epidemia invadisse e se alastrasse nas comunidades indígenas, em especial nos territórios do Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Ceará e Pernambuco, causando um número inaceitável de mortes, lesões graves, desnutrição, deslocamentos forçados, ataques por grupos armados, contaminação por mercúrio, entre outros atos desumanos de igual gravidade”, complementam.

Os especialistas também chamam atenção para o colapso do sistema de saúde no Amazonas como evidência de possível crime contra a humanidade. Eles alegam que evidências levantadas pela própria CPI da Pandemia demonstram que o estado serviu de “projeto político de implementação de um ‘experimento científico’ para comprovação da tese desprovida de fundamento da ‘imunidade de rebanho’, bem como para a confirmação da eficácia de medicamentos cuja ineficácia para o uso no combate da Covid-19 já havia sido reiterada em inúmeros estudos internacionais”.

“A insistência da defesa pelo Presidente da República e seus subordinados, médicos colaboracionistas e parte da estrutura não técnica do Ministério da Saúde em relação à utilização do chamado “kit covid” só se explica pela necessidade de criação de um conflito com Governadores e Prefeitos com o único objetivo de movimentar suas bases eleitorais, em completo prejuízo ao país e a seus cidadãos”, avaliam. Para eles, há indícios razoáveis para crer em ataque deliberado contra a população civil amazonense.

(com Reuters)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.