Cortes no Orçamento superam R$ 15 bilhões em 2022 e afetam diversos setores

PEC da Transição permite liberação de recursos e pode ajudar Bolsonaro a fechar as contas no fim do ano

Anderson Figo Marcos Mortari

Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Experimentando Ciência - PETQuímica
(Foto: Marcos Solivan, SUCOM)
Universidade Federal do Paraná (UFPR) Experimentando Ciência - PETQuímica (Foto: Marcos Solivan, SUCOM)

Anunciado nesta semana, o novo bloqueio de gastos no Orçamento de 2022, no valor de R$ 5,7 bilhões, complicou a já delicada situação financeira de diversos setores da economia. Foi o quinto anúncio do tipo neste ano, ampliando os recursos contingenciados a R$ 15,4 bilhões.

Os cortes são feitos para que o governo consiga cumprir a regra do teto de gastos, pela qual a maior parte das despesas públicas não pode crescer acima da inflação do ano anterior. É um ajuste: quando aumentam as despesas obrigatórias, como salários de servidores, gastos previdenciários e com assistência social, por exemplo, o ministério da Economia reduz os custos não obrigatórios.

Mesmo não sendo obrigatórios, esses gastos são muito importantes para a manutenção dos serviços públicos. Os recursos são usados para pagamento das contas de luz e água dos prédios oficiais e os contratos de serviços terceirizados, entre outras coisas.

Os setores de educação e saúde foram os mais afetados, mas outras áreas também foram prejudicadas por falta de verbas, como a emissão de passaportes pela Polícia Federal e a manutenção de carros da Polícia Rodoviária Federal.

Cronologia de cortes

O primeiro anúncio de corte no Orçamento de 2022 foi feito em março, no valor de R$ 1,7 bilhão. Na época, a justificativa foi preservar o funcionamento dos ministérios em um momento de crescente insatisfação dos servidores diante da restrição de recursos para manter suas atividades.

Em 20 de maio, o governo anunciou um corte extra de R$ 8,2 bilhões. O bloqueio seria para acomodar os 5% de reajuste nos salários de todos os servidores federais a partir do mês de junho, que começaria a ser pago no contracheque de julho.

Em 22 de julho, foi anunciado o terceiro corte: de R$ 6,7 bilhões. Na época, o governo alegou que o bloqueio era necessário por causa de gastos adicionais com o pagamento do piso de agentes comunitários de saúde e para cobrir as perdas do setor da cultura com a pandemia.

Em 22 de setembro, o governo anunciou um bloqueio adicional de R$ 2,6 bilhões. O então secretário de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, afirmou que o governo foi surpreendido, principalmente, pelo aumento das despesas com Previdência e com o benefício de prestação continuada.

Nesta semana, no dia 7 de dezembro, o ministério da Economia anunciou um corte adicional de R$ 5,7 bilhões. Ele servirá, principalmente, para o governo encaixar no Orçamento os custos da Lei Paulo Gustavo, que destina R$ 3,8 bilhões a estados e municípios com o objetivo de mitigar efeitos da pandemia no setor cultural.

Como em alguns casos os bloqueios tornaram inviável a situação de alguns órgãos públicos, principalmente de universidades e institutos federais, o governo voltou atrás em situações pontuais, liberando parte dos recursos que havia retido. Por isso, a conta total dos recursos contingenciados em 2022 atualmente está em R$ 15,4 bilhões.

Setores mais afetados

As universidades e institutos federais foram bastante prejudicadas pelos bloqueios no Orçamento de 2022. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) afirma que até mesmo pagamentos que as universidades já haviam se comprometido a fazer não serão cumpridos.

A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a UnB (Universidade de Brasília), a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a UFabc (Universidade Federal do ABC), a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a UFU (Universidade Federal de Uberlândia), a UFS (Universidade Federal de Sergipe) e a Ufal (Universidade Federal de Alagoas) são apenas algumas das universidades federais que anunciaram não ter dinheiro suficiente para arcar com todas as suas despesas, que incluem o pagamento de bolsistas. Os casos vão de Norte ao Sul do país.

O MEC também está sem recursos para pagar o salário de 14 mil residentes de medicina, e os bolsistas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) devem ficar sem receber. O órgão informou que não terá dinheiro para pagar as mais de 200 mil bolsas destinadas a alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Há dificuldade também de honrar custos administrativos da entidade.

Antes do último bloqueio no Orçamento, a Polícia Federal já havia anunciado a suspensão da confecção de passaporte devido à falta de verbas, alegando “insuficiência” também para atividades de controle migratório. “O agendamento online do serviço e o atendimento nos postos da PF continuarão funcionando normalmente. No entanto, não há previsão para entrega do passaporte solicitado enquanto não for normalizada a situação orçamentária”, disse em nota.

A área da saúde teve corte de R$ 3,7 bilhões, com impacto direto em no fornecimento de medicamentos. Em setembro, a proposta de Orçamento para 2023 indicava uma redução dos recursos destinados ao programa Farmácia Popular, que distribui remédios para população carente, de R$ 2 bilhões para R$ 804 milhões. Mas a repercussão negativa fez o presidente Jair Bolsonaro (PL) reverter o corte.

Mas outros segmentos foram prejudicados: os recursos destinados a investimentos para prevenção e controle do câncer foram reduzidos em 45%, passando de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões, em 2023. A verba também ficou menor para incrementar a estrutura de hospitais e ambulatórios focados em gestantes e bebês; dependentes de drogas e portadores de transtornos mentais; e pessoas com deficiência. O dinheiro gasto com tratamento do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis também diminuiu.

Também antes do último anúncio de bloqueio do Orçamento, a Direção-Geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) já havia informado que os serviços de manutenção de viaturas seria limitado devido às falta de verba. Assim, todo serviço de manutenção considerado não essencial em qualquer veículo da PRF passou a ter que ser aprovado pela Direção-Geral antes de ser feito.

PEC da Transição

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição aprovado na quarta-feira (7) pelo plenário do Senado Federal em dois turnos abre a possibilidade para que os R$ 7,8 bilhões atualmente bloqueados das emendas de relator do Orçamento de 2022 sejam liberados até o fim do ano e pode ajudar o governo Bolsonaro a fechar as contas.

O movimento seria viabilizado por trecho que permite o gasto de valores obtidos a partir de “excesso de arrecadação”, fora do teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à inflação acumulada no ano anterior −, em investimentos públicos.

O cálculo é feito com base na comparação do resultado das receitas do governo federal em um exercício e o que havia sido projetado na peça orçamentária.

O saldo, se positivo, poderia ser gasto até o limite de R$ 23 bilhões – teto definido a partir da marca de 6,5% do excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício de 2021. Caso a norma seja aprovada pela Câmara dos Deputados e promulgada pelo Congresso Nacional, este seria o valor adicional destravado ainda no Orçamento deste ano.

Com isso, o próprio governo Bolsonaro poderia ser beneficiado, contando com mais recursos para aliviar a pressão para cumprir despesas de custeio já programadas, recentemente bloqueadas em áreas fundamentais, como saúde e educação.

ACESSO GRATUITO

CARTEIRA DE BONDS

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.