Congresso tem esforço concentrado com tributária, desoneração e olho em emendas Pix

Temas de interesse do governo dominam pauta das duas casas legislativas, mas imbróglio envolvendo emendas individuais pode contaminar humor dos parlamentares

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

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O Congresso Nacional inicia, nesta segunda-feira (12), uma semana de “esforço concentrado” para analisar algumas pautas prioritárias do segundo semestre às vésperas do início do período de campanhas para as eleições municipais − período que costuma mobilizar parlamentares e desacelerar a produção legislativa.

Pelo calendário estabelecido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a casa legislativa terá duas semanas de esforço concentrado em agosto (12,13 e 14 e 26,27 e 28) e uma em setembro (9, 10 e 11). Hoje, a sessão plenária está prevista para as 17h (horário de Brasília), com a reforma tributária entre os destaques da pauta.

No fim do primeiro semestre, os deputados federais aprovaram o primeiro projeto de lei complementar (PLP 86/2024) que trata da regulamentação da reforma tributária dos impostos sobre o consumo. Aquele texto, que agora tramita no Senado Federal, se debruça sobre a construção da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além do Imposto Seletivo (IS), que substituirão um conjunto de 3 tributos federais (PIS, Cofins e IPI) e de outros 2 subnacionais (ICMS e ISS).

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Ele também aborda os regimes específicos de tributação, regras para alíquotas, normas de incidência, o sistema de créditos e devolução de tributos recolhidos e a aplicação do princípio da não cumulatividade. Além de setores favorecidos por alíquotas reduzidas, da criação da Cesta Básica Nacional, dos incentivos à Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio e das regras de transição e constituição dos fundos de compensação.

Agora, os deputados se preparam para votar outro projeto de lei complementar (PLP 108/2024), que trata do funcionamento do Comitê Gestor do IBS − tributo que será gerido de forma compartilhada por Estados e Municípios. O relator da matéria é o deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que também é vice-líder do governo. Ele tem manifestado otimismo com a construção de consenso no assunto. “O nosso texto está tão redondo que eu até desconfio que a votação será mais fácil que a do primeiro projeto da reforma”, disse à Agência Câmara.

Por se tratar de projeto de lei complementar, o texto precisa do apoio da maioria absoluta dos integrantes da Câmara dos Deputados − ou seja, ao menos 257 dos 513 deputados federais. Depois disso, o texto precisará seguir para o Senado Federal, onde é necessário o mesmo quórum proporcional − 41 dos 81 integrantes da casa legislativa.

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Para além do próprio comitê gestor, o texto também aborda regras para cobrança de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e de Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos (ITBI).

Um dos pontos com maior potencial de divergência trata da cobrança de imposto sobre herança nos casos de planos de previdência complementar. A expectativa é que haja forte lobby de parte do setor financeiro contra a medida, além de reação negativa na própria classe média, em contraste com o endosso de governadores e de parte da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Do lado do comitê gestor, a divisão de poder no órgão deve ser ponto fundamental para governadores e prefeitos, assim como a participação de representações de contribuintes em instâncias de uniformização de jurisprudência.

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MPVs e pautas polêmicas

A pauta da Câmara dos Deputados também tem uma série de medidas provisórias. Há sobre a mesa 25 proposições desta natureza focadas no enfrentamento aos reflexos da tragédia de inundações no Rio Grande do Sul ocorridas nos meses de abril e maio. A maioria delas (11) tratam da abertura de crédito extraordinário ao estado. Outras 8 dão apoio financeiro às vítimas.

O Plenário ainda analisa, em regime de urgência, quatro projetos de lei de socorro aos gaúchos, segundo o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), coordenador da comissão externa que acompanha as tragédias climáticas no estado. Medidas provisórias de combate aos incêndios florestais no Pantanal e de estímulo à energia elétrica limpa e renovável entrarão, em breve, na pauta de votação dos deputados.

Também há polêmicas remanescentes do semestre passado, como a regulamentação do trabalho dos motoristas por aplicativo (PLP 12/24), a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga (PEC 45/23) e a equiparação à homicídio dos casos de aborto de gestação acima de 22 semanas (PL 1904/24).

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Esse último tema foi alvo de muitas controvérsias. Defensores da proposta dizem tratar-se de reação à decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender a resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia o procedimento de assistolia fetal, ou seja, o uso de medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto. Os contrários usaram o slogan “criança não é mãe; e estuprador não é pai” para argumentar que a medida criminaliza meninas crianças e adolescentes vítimas de estupro.

Desoneração e dívida dos Estados

Já no Senado Federal, existe uma expectativa para o avanço das negociações sobre dois assuntos de grande interesse do governo federal: 1) as medidas de compensação para as desonerações da folha de 17 setores e milhares de municípios (tema sensível às vésperas das eleições para as prefeituras); e 2) a renegociação da dívida dos Estados.

Ambos são assuntos remanescentes do primeiro semestre e têm prazos apertados estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a construção de consenso. No primeiro caso, alternativas já têm sido discutidas, mas cálculos da equipe econômica do governo consideram as iniciativas ventiladas pelos parlamentares insuficientes para gerar os R$ 18 bilhões necessários em receitas.

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Entre as medidas estão: 1) Atualização de bens no Imposto de Renda; 2) Repatriação de recursos do exterior; 3) Regularização de bens e ativos com desconto na tributação; 4) Receitas de apostas esportivas; 5) Receita da taxação sobre importações até US$ 50,00; 6) Depósitos judiciais sem titularidade; 7) Dinheiro “esquecido” em contas bancárias; e 8) Programa de equacionamento de multas de empresas em agências reguladoras.

Diante da percepção de necessidade de complemento às fontes de receita, integrantes do governo defendem que seja incluído dispositivo que permitiria a elevação da alíquota cobrada de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Mas o caminho tem forte rejeição entre os senadores. O prazo para a construção de um entendimento, que ia até 18 de agosto, foi prorrogado para 11 de setembro. Se nada for feito até lá, os setores beneficiados serão reonerados de forma integral.

O Palácio do Planalto também tenta avançar com a renegociação de dívidas dos Estados. Uma proposta inicial foi encaminhada pela equipe econômica quatro meses atrás. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, costurou ajustes com representantes das unidades federativas e agora tenta chegar a um entendimento como o Executivo Federal. Hoje, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás lideram a lista dos maiores devedores. Juntos, todos os entes acumulam um passivo de R$ 764,9 bilhões com a União. A dívida de Minas Gerais está suspensa até 28 de agosto, conforme decisão por nova prorrogação tomada pelo ministro Kássio Nunes Marques, do STF.

“A discussão em torno da dívida dos estados tem colocado no debate nacional os principais pré-candidatos à Presidência da República. Por comandarem as regiões mais endividadas, os governadores Eduardo Leite (PSDB-RS), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Romeu Zema (Novo-MG) disputam não só pela renegociação dos débitos, mas também pelo fortalecimento de suas imagens públicas e de suas candidaturas como representantes da direita em 2026”, observam os analistas da consultoria Arko Advice. Trata-se de um claro efeito de contágio do debate pela política.

Para o analista político Ricardo Ribeiro, das consultorias MCM e LCA, o avanço das pautas da dívida dos Estados e das desonerações no Congresso Nacional depende invariavelmente de um entendimento com o Palácio do Planalto.

“Nos dois casos, há negociações pendentes entre a área econômica do governo e as lideranças do Senado. Dificilmente serão votados se não houver acordo”, pontua.

“O acordo parece mais próximo no caso do projeto de compensação da desoneração. Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e as principais lideranças do Senado parecem estar dispostas a aceitar a proposta da Fazenda de instituir um gatilho de aumento de até um ponto percentual da CSLL em 2025 no caso de as medidas de compensação propostas pelo Senado não forem suficientes para compensar a desoneração”, observa.

Emendas PIX no radar

A tramitação das pautas prioritárias para o governo no Congresso Nacional ocorrem em um momento de acirramento no clima institucional, após a Procuradoria-Geral da República (PGR) ingressar com uma ação no STF questionando a constitucionalidade das chamadas “emendas PIX”, que consistem em transferência especial direta de recursos a municípios de forma individual.

A PGR argumenta que tal modalidade, que responde por cerca de R$ 8 bilhões no Orçamento de 2024, pode comprometer o controle social sobre o uso do dinheiro público, em razão da falta de transparência do dispositivo.

No início do mês, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, já havia determinado que as emendas devem atender “aos requisitos constitucionais da transparência e da rastreabilidade”. Ele decidiu liminarmente, respondendo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que os recursos só poderiam ser liberados se houvesse transparência sobre a destinação e objetivos.

Em paralelo, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) a suspensão liminar do pagamento dessa modalidade de emenda orçamentária até que se decida sobre o mérito e haja uma posição formada do Supremo acerca do caso.

A sucessão de episódios provocou forte desconforto no Congresso Nacional. O presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Julio Arcoverde (PP-PI), decidiu adiar a leitura do relatório preliminar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 até que fosse estabelecida uma diretriz sobre as emendas PIX. Há uma preocupação de que o imbróglio contamine pautas de interesse do governo no parlamento.

“Nesse caso, resta ao Congresso discutir e tentar fazer valer seu ponto de vista no Judiciário. Por outro lado, no caso da relação com o Executivo, o mais provável é que a questão acabe gerando desgaste político, visto que a presidência da Câmara deverá entrar na discussão, onde a articulação política do governo tem sido mais frágil”, pontuam os especialistas da Arko Advice.

Para Ricardo Ribeiro, a semana de esforço concentrado do Congresso Nacional permitirá um olhar mais acurado sobre os impactos dos episódios sobre o comportamento dos parlamentares. “Se a reação for muito forte, pode colocar em risco as votações desta semana”, avalia.

(com Agências Câmara e Senado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.