Congelamento de R$ 15 bi gera reação positiva, mas meta fiscal exigirá novos cortes

Para especialistas, movimento facilita cumprimento de limite de despesas, mas meta de déficit zero ainda exigirá novos cortes à frente

Marcos Mortari

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), durante audiência na sede da pasta (Foto: Washington Costa/MF)
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), durante audiência na sede da pasta (Foto: Washington Costa/MF)

Publicidade

O anúncio de congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024, feito ontem (18) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), às vésperas da divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do terceiro bimestre, veio dentro das expectativas de economistas do mercado financeiro, mas não deixou de ser visto como notícia positiva, do lado da política fiscal, pelos agentes financeiros.

Baixe uma lista de 11 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de crescimento para os próximos meses e anos

Segundo o ministro, a maior parte do montante (R$ 11,2 bilhões) será objeto de bloqueio orçamentário − movimento que visa garantir o cumprimento da regra de limite de despesas públicas para 2024. Pelo novo marco fiscal, os gastos de um ano devem apresentar crescimento real entre 0,6% e 2,5% em relação às despesas do exercício anterior. O fator exato de correção depende da evolução das receitas naquele período.

Já o montante restante da contenção anunciada (R$ 3,8 bilhões) será feito como contingenciamento, para que a projeção de resultado primário do ano fique dentro da banda de tolerância da meta fiscal. Conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, a meta de resultado primário para o exercício é de déficit zero − com uma banda de tolerância de 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para cima ou para baixo, previsto no arcabouço fiscal.

Para Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, no caso do “teto de despesas”, o bloqueio mais robusto facilita o manejo dos próximos relatórios bimestrais de avaliação de receitas e despesas − que podem ser vistos como politicamente mais sensíveis para o anúncio de cortes expressivos, por conta do timing próximo das eleições municipais.

“Com boa parte do bloqueio implementado, ajustes adicionais serão de menor magnitude, o que é mais fácil de gerenciar. Além disso, se o governo conseguir implementar medidas medidas para conter gastos, como a revisão de benefícios, o bloqueio adicional poderia ser menor ou até próximo a zero”, diz.

Continua depois da publicidade

O especialista em contas públicas vê uma subestimação de R$ 15,5 bilhões do governo em despesas relacionadas à Seguridade Social, ao passo que os repasses para assistência social no Benefício de Prestação Continuada (BPC), previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), estariam R$ 5,5 bilhões abaixo das estimativas da casa.

Na outra ponta, ele diz que os cálculos do governo para pessoal e outras despesas superam em R$ 2,7 bilhões suas contas. Considerando crédito adicional de R$ 2,5 bilhões, ele estima uma necessidade de bloqueio total de R$ 15,8 bilhões neste ano − ou seja, R$ 4,6 bilhões a mais do que o montante anunciado pelo governo.

Para Sbardelotto, as despesas com Seguridade Social e programas de assistência são os maiores riscos para o cumprimento da regra de limite de despesas em 2024. No cenário da XP, o número de novos benefícios concedidos deve desacelerar a partir de agosto, tendo em vista a diminuição dos incentivos para reduzir filas. Mas se isso não ocorrer, a estimativa de bloqueio precisaria saltar para algo mais próximo de R$ 28 bilhões.

Continua depois da publicidade

Já do lado da meta de resultado primário, o quadro é mais desafiador. Nos cálculos do especialista, o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões estaria R$ 17,9 bilhões abaixo do montante necessário para garantir o cumprimento da banda inferior da meta − isto é, um déficit de R$ 28,8 bilhões (ou 0,25% do PIB).

Sbardelotto tem avaliação mais pessimista do que a equipe econômica do governo para os impactos de medidas de recomposição de receitas, como com a mudança nas regras para subvenções do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para tributos federais e o chamado “voto de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), além de ganhos esperados com a renegociação de contratos ferroviários − ainda objeto de ceticismo no mercado, sobretudo em razão do timing.

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, do lado do “teto” de despesas, o bloqueio de R$ 11,2 bilhões aponta para uma revisão do governo que também considerou uma “sobra’ de R$ 2,5 bilhões estimada no último RARDP. Já para a meta de resultado primário, ele lembra que a última projeção da equipe econômica já apontava para um desequilíbrio de R$ 14,5 bilhões e o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões agora anunciado deve ter consumido a folga existente em relação à banda inferior do objetivo permitida pelo novo marco fiscal.

Continua depois da publicidade

“Sendo assim, o uso do espaço na meta fiscal, de R$ 14,3 bilhões (R$ 28,8 – R$ 14,5 bilhões), se divide em duas partes: R$ 2,5 bilhões de aumento de gastos (uso da folga existente) e R$ 11,8 bilhões em redução na projeção de receita líquida”, observa.

“Como o contingenciamento anunciado pelo Ministro da Fazenda é de R$ 3,8 bilhões, então a revisão de receita líquida projetada deve ter sido de R$ 15,6 bilhões (R$ 11,8 + R$ 3,8 bilhões)”, prossegue.

Caso a leitura se confirme na divulgação do relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas na próxima segunda-feira (22), o economista sustenta que a receita líquida projetada pelo governo passaria a ser de R$ 2,165 trilhões − alta real de cerca de 9,5%, e não mais de 10,5%.

Continua depois da publicidade

“Do ponto de vista prático, o anúncio é positivo, porque, mesmo que ainda remanesça uma necessidade de corte de R$ 12 bilhões, dado que estimamos um corte total necessário de R$ 27 bilhões, o congelamento anunciado (bloqueio + contingenciamento) já resolve parte relevante do problema”, observa.

“Ao longo dos próximos meses, a própria dinâmica de despesas obrigatórias que são ligadas à evolução da receita poderá colaborar para o ajuste remanescente. Entendemos que, ainda assim, será preciso uma segunda tranche de contingenciamento”, conclui.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.