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O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a decisão do Banco Central de manter a taxa básica de juros (Selic) a 13,75% ao ano deflagrou um novo capítulo nas tensões entre, de um lado, o mundo político − especialmente figuras do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aliados − e parte do setor produtivo, e, de outro, a autoridade monetária.
Embora a manutenção da taxa atual fosse a aposta majoritária para a reunião de março do comitê também entre lideranças políticas, o tom adotado pelo BC surpreendeu, já que muitos acreditavam que poderia haver alguma sinalização para antecipação de corte nos juros em maio, em razão de uma combinação entre o cenário internacional e expectativas com o novo arcabouço fiscal.
No comunicado da decisão, o Copom manifestou preocupação com a deterioração de expectativas de inflação em prazos mais longos e sinalizou que os juros devem permanecer altos por um período prolongado, contrariando expectativas do governo. No texto, o colegiado também salientou que “não hesitará” em retomar o ciclo de aperto monetário caso os preços não se comportem conforme esperado.
“A interpretação do Comitê é de que apesar da pressão do Executivo, ainda é cedo para dar início à redução da Selic. Embora não tenha sido surpreendido pela decisão do Copom, Lula deve manter a conduta de críticas diretas ao Banco Central, sob argumento de que o país não enfrenta inflação de demanda que justifique os altos juros, bem como a avaliação de que a atual Selic freia o avanço da atividade econômica. Da mesma forma, os ministros da área econômica corroboram o discurso de Lula e devem manter, cada um à sua maneira, as críticas às decisões do Copom”, avalia Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados.
E as críticas não demoraram a aparecer. Poucas horas após a divulgação do comunicado, na noite de quarta-feira (22), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse que considerou o documento “muito preocupante”. Segundo ele, dependendo do caminho seguido, futuras decisões do BC podem, inclusive, “comprometer o resultado fiscal”.
No dia seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse mais uma vez não haver explicação para a manutenção da Selic a 13,75% ao ano na atual conjuntura do país. “Como presidente da república, não posso ficar discutindo cada relatório do Copom. Eu não posso. Eles paguem o preço pelo que eles estão fazendo. A história julgará cada um de nós. A única coisa que eu sei é que a economia brasileira precisa crescer”, disse. Veja uma compilação das reações de alguns dos principais atores políticos e econômicos ao comunicado do Copom ao final desta reportagem.
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Na avaliação de especialistas, a hostilidade de integrantes do atual governo ao Banco Central deve continuar nas próximas semanas. De um lado, há forte desconfiança de Lula e aliados em Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro (PL) para o comando da autoridade monetária e que algumas vezes teria mostrado proximidade acima do recomendável em relação ao ex-presidente e ministros.
De outro, existe uma compreensão de que a missão de garantir uma retomada vigorosa da economia ficaria comprometida com a manutenção da taxa básica de juros em 13,75% por período prolongado. Os reflexos seriam sentidos no emprego e na possibilidade de implementação de uma agenda de políticas públicas desejada pelo novo governo.
“As previsões de crescimento para este ano são pouco animadoras e o último indicador de desemprego também apontou uma elevação. Tudo isso gera preocupação política no governo, no sentido de que a economia não andando, ou apresentando indicadores tímidos de crescimento, pode impactar até mesmo a popularidade de Lula”, observa Carlos Eduardo Borenstein, analista político da Arko Advice.
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“A tendência é que Lula recrudesça a carga sobre o Banco Central, assim como as alas mais ideológicas do PT”, pontuam os analistas da XP Política.
“Devemos ver reavivada a discussão sobre aumento da meta de inflação e nomes mais heterodoxos para as diretorias do BC — ainda não houve indicação formal e o presidente pode mudar a qualquer momento sua escolha antes de enviá-la para a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos)” do Senado Federal, complementam.
Nesta semana, fontes do governo informaram que Lula teria batido o martelo sobre as indicações de dois diretores do Banco Central. O mandatário escolheu Rodolfo Fróes para assumir a diretoria de Política Monetária e Rodrigo Monteiro como titular da área de Fiscalização.
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O primeiro vem do mercado financeiro, com passagem no Bank of America e no conselho do Banco Fator − instituição que foi presidida por Gabriel Galípolo, atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Ele substitui Bruno Serra Fernandes, cujo mandato encerrou em 28 de fevereiro.
O segundo é servidor de carreira do BC e assumirá o posto atualmente ocupado por Paulo Souza, com mandato encerrado na mesma data do colega. As duas indicações, porém, ainda não foram formalizadas ao Senado Federal, o que em tese não impediria Lula de rever a decisão.
Para Borenstein, embora Lula tenha sido enfático em valorizar as relações políticas na condução de seu terceiro mandato, há elementos que reduzem incentivos para ações mais drásticas em relação ao Banco Central, seja por uma reavaliação dos nomes escolhidos como novos diretores, seja para uma verdadeira ofensiva contra a autonomia da instituição.
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“Politicamente, ele pode rever essas indicações, mas vejo como cenário menos provável hoje. Já há uma incerteza quanto à regra fiscal e existe essa tensão na relação entre governo e Banco Central”, observa.
Um dos caminhos para a manutenção da pressão sobre o comando da autoridade monetária, no entanto, deve ser através de convites e convocações para participar de sessões em comissões temáticas do Congresso Nacional para prestar esclarecimentos.
A estreia de Roberto Campos Neto na nova legislatura está marcada para 4 de abril, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. O plenário da casa legislativa também já aprovou convites para ele participar junto com Haddad de sessão temática sobre “juros, inflação e crescimento”.
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Críticas ao BC
Além de Lula e Haddad, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse que “não tem razão econômica que explique” a decisão do Copom. Ao criticar a manutenção da taxa básica de juros em 13,75%, o ministro destacou que “não tem país no mundo que pratique juros tão altos como o Brasil”.
“O que o povo brasileiro, os empresários, a indústria e todos desejam é a redução da taxa de juros. Não dá pra compreender essa decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 13,75%, já que este percentual foi adotado quando a inflação chegou no patamar de 10%. Hoje a inflação já caiu à metade, que é 5%”, justificou.
O ministro argumentou que, para além dos aspectos econômicos, a política monetária atual prejudica principalmente a parcela da população que está desempregada, já que dificulta a atração de novos investimentos para o país.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), afirmou que a manutenção da taxa em 13,75% era algo esperado, apesar de representar um cenário longe do ideal. Ela criticou o tom do comunicado do Copom, que indica que a taxa de juros poderá subir caso a inflação não convirja aos objetivos estabelecidos.
A ministra, contudo, acredita que um bom andamento de medidas econômicas em discussão entre integrantes do governo, como o arcabouço fiscal, podem refletir em um movimento favorável após a próxima reunião, prevista para o início de maio.
“Vamos aguardar a ata porque também como foi da outra vez o comunicado saiu muito mais apertado. Que essa ata venha de forma imparcial e justa com o Brasil, trazendo fatores externos que levaram o Banco Central a manter a taxa, mas também reconhecendo todo esforço que o governo federal está fazendo. Confio na equipe econômica e que estamos no caminho certo. Nós temos condições de mostrar que o ambiente interno está melhorando”, disse.
No Congresso Nacional, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu a entender que o início da tramitação para que seja aprovado o projeto de lei complementar que prevê um novo arcabouço fiscal deve trazer uma nova perspectiva para o cenário econômico.
“O Copom não pode ficar longe da meta da inflação. Se a meta da inflação está longe, está distante, e ele baixa o juros, a gente corre o risco de ter um processo inflacionário, que custa mais caro do que o efeito danoso do excesso de juros. O Copom não pode fazer uma análise em cima da perspectiva de um texto [arcabouço] que sequer foi apresentado. Depois que o texto for votado, o Copom vai ter instrumento para fazer indicação da baixa de juros responsável”, destacou.
Pelo Twitter, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, criticou o comandante do BC. “Roberto Campos, explica: como empresários podem captar recursos com os maiores juros do mundo? Como investir se o dinheiro aplicado rende 8%? Você não entendeu seu compromisso com o Brasil? Seus juros só beneficiam o rentismo e quem não produz. Sua política monetária já foi derrotada”, criticou.
Posição similar foi apresentada pelo líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “A decisão do Banco Central é frustrante, injustificável e incompatível com os esforços fiscais e sinalizações que o governo tem feito. Parece mais uma decisão política. Manter essa taxa de juros sacrifica e sabota não o governo, mas o povo brasileiro!”, frisou.
Entidades que representam trabalhadores e classe empresarial também se posicionaram publicamente a respeito da manutenção da taxa de juros em 13,75% pelo Copom.
Por meio de comunicado em que diz compreender a necessidade de redução das incertezas das contas públicas e da importância de manter a inflação perto da meta, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) afirmou que “o elevado patamar da taxa de juros tem imposto severos sacrifícios à atividade econômica e representado entrave para as condições de crédito, prejudicando os investimentos das empresas e o consumo das famílias”.
Na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o patamar se encontra em nível acima do necessário para garantir a manutenção da trajetória de desaceleração da inflação, e uma mudança no cenário passa essencialmente por uma postura de cautela do governo em relação aos gastos públicos.
“A taxa básica de juros no patamar atual foi um dos fatores determinantes para a desaceleração da atividade econômica no final de 2022, com destaque para a retração de 0,2% no PIB do último trimestre. E seguirá sendo um limitador significativo para o crescimento da atividade em 2023, quando as previsões para o PIB indicam alta de apenas 0,88%, segundo o Boletim Focus do BC”, diz o comunicado.
Pelo Twitter, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, engrossou o coro das críticas a Roberto Campos Neto e disse que as centrais sindicais seguirão organizando protestos contra a atual política monetária do Banco Central.
“É uma irresponsabilidade do Banco Central nesse momento que o Brasil precisa voltar a ter investimento e a se desenvolver. Precisamos de juros que sejam razoáveis para que possamos voltar a crescer e a se desenvolver. Foi uma decisão contra o Brasil”.
No mesmo sentido, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirmou que, com a decisão, o presidente do BC vai na contramão do esforço dos que trabalham pelo desenvolvimento do país. A CUT também ponderou que falta sintonia da autoridade monetária com o governo federal, e questionou a autonomia da instituição prevista em lei.
“A redução da taxa básica de juros reduziria as despesas do governo com juros da dívida, o que lhe possibilitaria investir na retomada e na realização de novas obras, gerando emprego, melhoria na logística e melhor qualidade de vida. Ao reduzir o custo do dinheiro, melhoraria a oferta de crédito a juros menores, o que reduziria o endividamento das famílias e propiciaria uma retomada mais forte do consumo e, em decorrência, do crescimento e dos empregos”.