Comissão aprova MP “desidratada” de Haddad, sobre compensações tributárias

Texto sofreu uma série de modificações antes de começar a tributar, mas manteve limite anual para compensações de créditos tributários oriundos de decisões judiciais que ultrapassem R$ 10 milhões

Marcos Mortari

(DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO)
(DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO)

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A comissão mista do Congresso Nacional que analisa a medida provisória (MPV 1202/2023) que estabelece um limite para a compensação anual de créditos tributários aprovou, em votação simbólica, nesta terça-feira (16), o parecer do relator, o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA).

O texto sofreu uma série de desidratações até começar a tramitar no parlamento. Originalmente, ele continha dispositivos que mudavam a regra e reoneravam a folha de pagamentos para 17 setores econômicos, revogava o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e desfazia redução de alíquota sobre a folha de previdência de diversos municípios.

Mas as resistências de parlamentares às iniciativas fizeram com que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aceitasse retirá-los do bojo da MPV e discutisse cada ponto separadamente em projetos de lei autônomos – alguns, inclusive, com requerimento de urgência já aprovado na Câmara dos Deputados.

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O trecho referente à reoneração foi retirado por outra medida provisória (MPV 1208/2024), editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no início do ano. Já os outros dois, referentes ao Perse e à reoneração dos municípios, foram devolvidos ao Poder Executivo sem deliberação de mérito, por decisão do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Permaneceram no texto votado pela comissão mista apenas dois artigos, que tratam da implementação de um limite mensal à compensação de débitos utilizando créditos oriundos de ações judiciais. Pela regra, o parcelamento poderá chegar até 60 meses (ou seja, 5 anos) – e, portanto, o limite estabelecido por mês não poderá ser inferior a 1/60 do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.

A MPV estabelece uma linha de corte de R$ 10 milhões, de modo que casos de créditos de menor valor (ou seja, que não superem tal marca) não seriam afetados pela regra. A partir desse montante, o Ministério da Fazenda ficou autorizado a editar portaria para regulamentação, com possibilidade de o valor ser escalonado – o que ocorreu, conforme indica a tabela a seguir.

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Valor total dos créditosNúmero mínimo de parcelas mensais
até R$ 10 milhões
de R$ 10 milhões a R$ 99,99 milhões12 parcelas
de R$ 100 milhões a R$ 199,99 milhões20 parcelas
de R$ 200 milhões a R$ 299,99 milhões30 parcelas
de R$ 300 milhões a R$ 399,99 milhões40 parcelas
de R$ 400 milhões a R$ 499,99 milhões50 meses
R$ 500 milhões ou mais60 meses
Fonte: Portaria normativa nº 14, de 05 de janeiro de 2024 | Ministério da Fazenda

Além disso, a MPV prevê que, uma vez superado o limite de compensação mensal, o excesso será tipificado como “não declarado” – o que significa que, se em alguma situação deste tipo houver divergência entre o contribuinte e o Fisco sobre o cálculo do limite, o primeiro não mais terá à sua disposição o instrumento do contencioso administrativo fiscal para resolver a questão, e precisará ingressar direto no Judiciário.

Na exposição de motivos da MPV, o governo federal aponta um incremento na compensação de créditos tributários a partir de 2019, especialmente em causas relacionadas a decisões judiciais quanto à exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (a chamada “tese do século”).

Nos cálculos do Ministério da Fazenda, em 5 anos, seria ultrapassada a marca de R$ 1 trilhão em débitos compensados, com um aumento nominal e 14,3% de janeiro a agosto do ano passado em comparação com o mesmo período em 2022. A pasta aponta, ainda, que os créditos judiciais representaram 38% do total utilizado em compensações por meio do programa Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP) em 2019, contra uma média de 5% de 2005 a 2018. E alega que as novas medidas têm como objetivo “resguardar a arrecadação federal”.

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Mais cedo, em audiência pública realizada na comissão mista, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, mostrou que de um universo de compensações tributárias que gira em torno de R$ 70 bilhões, metade (ou seja, R$ 35 bilhões) é afetada pela nova regra do Fisco. Dentro desse grupo, 87% das 495 empresas impactadas conseguirão abater o valor no menor prazo, de 12 meses – aplicado a quem tem créditos entre R$ 10 milhões a R$ 100 milhões.

O entendimento do relator é de que o universo amplo de contribuintes que continuarão podendo compensar seus créditos à vista ou num prazo de doze meses dá força para os valores propostos pela equipe econômica. “A compensação tributária entrará no orçamento, tal como precatório. Eu tenho convicção que o parcelamento veio para ficar. Ele garante a correção e a segurança jurídica”, disse Pereira Jr. ao divulgar seu parecer.

Ajuste fiscal

Apesar de desidratada, a medida provisória é tratada como fundamental pela equipe econômica do governo federal na busca do equilíbrio fiscal – objetivo previsto tanto para o Orçamento de 2024 quando no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, apresentado pelo Poder Executivo ontem (15).

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Durante a curta reunião da comissão mista, que durou apenas 20 minutos, o relator da matéria, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) disse que acatou pedido de parlamentares para retirar qualquer menção ao Perse do texto, sob alegação de que os dispositivos poderiam prejudicar as discussões sobre o assunto em projeto de lei.

O parlamentar também argumentou que a compensação tributária é um direito do contribuinte e que não foi mexido pela medida provisória, mas frisou que o parcelamento é um “dever do Estado”. “O Estado tem o dever de parcelar, para que haja uma previsibilidade, para ele estar preparado para cumprir as decisões judiciais”, disse.

E citou casos do ano passado em que uma única empresa teria compensado R$ 5 milhões. “Isso implode qualquer previsão sobre as contas públicas. Isso acaba [com] qualquer possibilidade e o governo cumprir o Orçamento votado por nós – deputados e senadores”, pontuou o relator.

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Na visão do deputado, não cabe à União o papel de “depositário judicial apenas”. “O Estado tem o compromisso de cumprir o Orçamento público, promover as políticas públicas, garantir a arrecadação e as despesas. E não há calote [com a medida], não há empréstimo forçado, não há prejuízo para a empresa, porque esse crédito parcelado vai ser corrigido. E se o contribuinte não desejar parcelar, ele tem o direito de inscrever aquela dívida em precatório e receber integralmente no ano que vem”, disse.

Tal entendimento, contudo, é controverso, já que o caminho até a conquista do precatório pode levar tempo e alguns advogados sustentam que não é permitido ao contribuinte que já optou pelo caminho do crédito tributário agora migrar para o recebimento por essa outra via.

Próximos passos

Depois de aprovada pela comissão mista, o projeto de lei de conversão (proposição que tramita no lugar da MPV, que teve o texto modificado pelos parlamentares) segue para análise do plenário da Câmara dos Deputados.

A matéria também precisa ser aprovada pelo plenário do Senado Federal até 31 de maio, quando completa o prazo de 120 dias. Caso isso não aconteça, ela “caduca” (o que, no jargão do processo legislativo, significa que ela perde a validade).

(com Agência Estado)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.