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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou pelo menos duas vezes os comandantes das Forças Armadas para avalizar uma tentativa de golpe de Estado e teve várias reuniões para tratar do assunto, mostram depoimentos dos envolvidos no caso, que foram liberados nesta sexta-feira (15) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os depoimentos do tenente-brigadeiro-do-ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-chefe da Aeronáutica, e do general Marco Antonio Freire Gomes, do Exército, colocam o ex-presidente no centro da articulação para um golpe de Estado nas semanas seguintes ao segundo turno das eleições presidenciais de 2022.
Os dois coincidem na garantia de que ambos teriam dito a Bolsonaro que não havia respaldo jurídico, em nenhum caso, e que não apoiariam uma tentativa de golpe — que incluía a decretação de estado de sítio e uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
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Baptista Júnior afirma que, em uma das reuniões, o comandante do Exército chegou a dizer a Bolsonaro que seria obrigado a lhe dar voz de prisão se seguisse com seu intuito. Já Freire Gomes, ao depor, não deixou explícita a ameaça, mas afirmou que deixou claro ao ex-presidente as possíveis “consequências penais” de suas ações.
Baptista Júnior e Freire Gomes coincidem também em implicar o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, na tentativa de golpe. Ambos disseram à Polícia Federal (PF) que, em mais de uma reunião, Garnier colocou a força à disposição de Bolsonaro.
Garnier, que depôs como investigado, ficou em silêncio.
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Segundo uma fonte a par das investigações, a PF tem ao menos cinco depoimentos, incluindo os dos comandantes, que implicam diretamente Bolsonaro como cabeça da tentativa de golpe, além de provas documentais, quebras de sigilo e outros elementos. Falta apenas o relatório final do inquérito, que será apresentado à Justiça, e não deve haver novas operações.
Cronologia do golpe
O relatório deve mostrar a cronologia da tentativa de Bolsonaro em organizar um golpe de Estado, com a participação de membros de seu governo e de militares da ativa e da reserva.
Segundo os dois comandantes, várias reuniões foram feitas no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, a partir do dia seguinte ao segundo turno, e a primeira versão da “minuta do golpe” foi apresentada aos comandantes em 7 de dezembro de 2022.
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Em seu depoimento, Freire Gomes revela que nesse dia Bolsonaro apresentou uma minuta de decretação de estado de sítio, seguida de uma operação de GLO, lida por Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro. O então presidente teria dito aos comandantes que o documento “estava em estudo”.
Freire Gomes confirmou à PF que o texto é o mesmo encontrado com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fechou um acordo de delação premiada. O general disse também que, em outra reunião — da qual não se recorda a data —, Bolsonaro apresentou uma outra versão da minuta, com a decretação de um estado de defesa e a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” para “apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral”.
Os comandantes foram chamados para tratar da minuta do golpe em uma terceira reunião, desta vez convocados pelo então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
Baptista Júnior disse no depoimento que Nogueira ficou em silêncio, ao ser questionado ele e Freire Gomes, se a minuta previa que o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não assumiria o cargo. Diante do silêncio, ele e o comandante do Exército se recusaram a analisar o texto.
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Nogueira também se manteve calado durante seu depoimento.
“Movimento de ruptura democrática”
Baptista Júnior revela ainda que uma última reunião teria sido feita no Alvorada, em 17 de dezembro, para a qual ele não foi chamado. O comandante da Aeronáutica contou que, no dia anterior, estava em São José dos Campos, na formatura do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), onde também estava o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general da reserva Augusto Heleno.
Heleno o procurou para dizer que teria de voltar a Brasília, porque havia sido convocado para uma reunião de emergência com Bolsonaro (o dia seguinte era um sábado). Baptista Júnior disse à PF que, em uma conversa reservada, pediu a Heleno para reafirmar ao então presidente que a Aeronáutica não “anuiria com qualquer movimento de ruptura democrática”.
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Segundo as investigações da PF, o dia 18 de dezembro era dado como a data-limite para a tentativa de golpe.
Citados pelos comandantes, Bolsonaro e Heleno se mantiveram calados durante seus depoimentos. Procurada pela Reuters, a assessoria do ex-presidente não respondeu de imediato a pedido de comentário.
Baptista Júnior também implicou, na tentativa de golpe, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. (foi na casa de Torres que a PF encontrou a primeira versão da minuta). Segundo o tenente-brigadeiro, o ex-ministro participou de algumas reuniões e sua participação era dar um suposto embasamento jurídico ao golpe.
O ex-ministro, no entanto, nega ter participado. Ele afirma que a minuta encontrada na sua casa não lhe foi passada por Bolsonaro e que, na época, vários textos do tipo circulavam por Brasília. Disse ainda que não concorda que havia base jurídica para o que Bolsonaro queria fazer e que nunca defendeu isso.