Publicidade
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, vê plenas condições de o novo arcabouço fiscal resolver o desequilíbrio das contas públicas brasileiras e controlar a evolução da dívida federal dentro de um horizonte de até dez anos, sem provocar solavancos para a sociedade.
Com o texto já finalizado e a poucos dias do aguardado envio do projeto de lei complementar ao Congresso Nacional, Ceron, recebeu, na última quinta-feira (15), a reportagem do InfoMoney na sede do Ministério da Fazenda, em Brasília.
Durante 1 hora de conversa, ele explicou que a ideia da equipe econômica foi construir um marco fiscal flexível e perene, que sobreviva aos ciclos econômicos e políticos e seja blindado pela sociedade de tentações por rupturas, para que possa produzir todos os seus efeitos esperados.
O novo arcabouço tem como pilar o controle da dinâmica dos gastos públicos em uma relação direta com a evolução das receitas. Pela regra, as despesas terão sempre crescimento real, dentro de um intervalo de 0,6% a 2,5% descontada a inflação.
Respeitando os limites da banda, o fator de ajuste das despesas de um ano para outro será de 70% do crescimento das receitas no exercício anterior. Ele pode cair para 50% caso o governo não atinja os objetivos de resultado primário previamente estabelecidos por ele.
O marco fiscal determina que o governo, logo no início do ciclo, fixe objetivos de resultado primário para seus quatro anos de gestão, em uma tentativa de conferir previsibilidade aos agentes econômicos e planejamento fiscal aos próprios gestores públicos.
Continua depois da publicidade
No anúncio da nova regra, há duas semanas, o governo apresentou metas audaciosas para o resultado primário, que têm gerado ceticismo entre investidores. A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleceu como compromisso um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, equilíbrio no ano seguinte e superávit de 0,5% e 1% em 2025 e 2026, respectivamente.
Ao InfoMoney, Ceron disse que um esforço adicional de arrecadação entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões em receitas recorrentes apontado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) seria suficiente para garantir o alcance das metas. Mesmo assim, ele argumenta que o simples cumprimento da regra de limitação das despesas públicas já bastaria para equacionar o problema fiscal do país.
“A questão da trajetória do [resultado] primário é mais um compromisso deste governo de querer fazer um processo de recuperar logo esse equilíbrio entre receitas e despesas do que de fato tem a ver com o arcabouço. Porque se cumprir o arcabouço, as coisas vão se resolver”, afirmou o secretário.
Continua depois da publicidade
“É só não mexer, que, em 10 anos, a gente não está falando mais de problema fiscal no Brasil. E ninguém nem vai ver o ajuste, porque é um ajuste gradual. Se formos bem-sucedidos, fazemos o ajuste mais célere, e em 2026 já entregamos estabilizando a trajetória da dívida. Se não, é 2029 ou 2030, com simulações que o mercado está fazendo”, prosseguiu.
Na conversa, Ceron explicou que o governo mudou de ideia sobre o tipo de receita utilizado como referência para a evolução das despesas, afastando ganhos extraordinários do cálculo para evitar um desequilíbrio pelo risco de geração de novos gastos permanentes.
O secretário também disse que o governo aplicará um teto sobre o “bônus” de investimento em caso de superação da banda de meta de resultado primário em um exercício. A ideia é que tal incremento não supere 1/3 dos investimentos previstos para 2023, de R$ 71 bilhões.
Continua depois da publicidade
Outra novidade no arcabouço é a possibilidade de o governo modificar a meta de resultado primário ao longo do mandato, desde que respeitadas condições específicas − que serão detalhadas apenas com o envio do texto ao parlamento, previsto para segunda (17) ou terça-feira (18).
Para críticos, a proposta do governo tem como efeito colateral um “engessamento” maior do Orçamento, por restabelecer os mínimos constitucionais para Saúde e Educação, garantir um piso para investimentos públicos e sinalizar para uma política de valorização do salário mínimo. Há uma avaliação de que, com a regra, as despesas obrigatórias poderiam crescer acima dos limites, forçando ajustes a partir das despesas discricionárias − o que seria um desafio ainda maior com mais gastos carimbados.
Ceron reconhece os riscos envolvendo o comportamento das despesas obrigatórias, mas acredita que a regra tem os mecanismos necessários para acomodar eventuais pressões ao longo do tempo a partir da construção de um horizonte mais favorável para o crescimento econômico.
Continua depois da publicidade
“A banda de 0,6% a 2,5% [de crescimento real para as despesas a cada ano] permite termos essas políticas de forma sustentada. O crescimento econômico médio brasileiro nos últimos 30 anos é exatamente 2,5%. Sabemos que há períodos de maior baixa, mas a médio prazo é possível pensar que, se o país voltar a ter estabilidade, retomamos a um patamar parecido com esse, e, com 2% de crescimento real, já conseguimos conduzir esses movimentos para frente sem precisar ter um achatamento contínuo da despesa discricionária, que leva a um rompimento da regra ao longo do tempo”, explicou.
“Pensando em um horizonte de médio e longo prazo, o objetivo é criar condições para que o crescimento econômico volte a um patamar histórico, e, com isso, conduzir adequadamente [a evolução das despesas]. Em um primeiro momento, o que estamos fazendo é subir a régua da receita. Recuperando a base fiscal, as renúncias, é possível gerar um resultado fiscal, equilibrar novamente as contas e ter um percentual de crescimento de despesa limitado a essa banda, que mantenha o eixo de despesas obrigatórias com alguma política de valorização, mas que sejam sustentáveis”, pontuou.
Durante a entrevista, Ceron também falou sobre a revisão de incentivos fiscais, a correção de distorções no sistema tributário, o imbróglio dos precatórios, a situação fiscal de estados e municípios e o novo marco das PPPs (Parcerias Público-Privadas), que também será anunciado na próxima semana. Veja os destaques a seguir:
Continua depois da publicidade
InfoMoney: O governo já fechou o texto do arcabouço fiscal? Quando o projeto de lei complementar será encaminhado ao Congresso Nacional?
Rogério Ceron: O texto está fechado, formalmente já com tramitação nos sistemas eletrônicos da Casa Civil para assinatura do presidente [Luiz Inácio Lula da Silva]. Provavelmente será submetido ao Congresso na segunda (17) ou na terça-feira (18), com a volta do presidente e do ministro [da Fazenda, Fernando Haddad, da viagem à China].
IM: Há desconfiança de agentes econômicos em relação à possibilidade de cumprimento da meta de resultado primário estabelecida. Haddad já indicou o esforço adicional necessário entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões para este ano. Quanto será preciso de arrecadação adicional em 2024, 2025 e 2026 para que o centro da meta seja alcançado?
RC: Os R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões que ele comenta são receitas perenes, não pontuais em um ano só. Um pacote mais ou menos desta dimensão, somado ao crescimento econômico que esperamos, já seria suficiente para trilhar o caminho do centro da meta.
IM: Não seriam necessários novos pacotes?
RC: Não.
IM: O projeto do novo arcabouço fiscal terá alguma diferenciação entre receitas recorrentes e não recorrentes?
RC: Tem. Este foi um aprimoramento feito. Quando divulgamos [o marco fiscal], não estávamos considerando dessa forma, mas uma linha de receita total. Mas houve uma preocupação grande de alguns agentes e especialistas, e [foram feitas] ponderações no sentido construtivo. Estamos buscando construir um arcabouço com menos flutuações, que garanta que a despesa não cresça muito no ciclo econômico de alta e também não caia muito no ciclo de baixa, evitando volatilidade. Ele tem banda justamente para evitar solavancos.
O incentivo ao investimento é bom, mas tem que ter um limite quando há uma receita extraordinária muito elevada − do contrário, cria-se um grande bônus, que pode ser do tamanho do investimento de um ano, gerando um problema para frente, uma pressão de demanda agregada.
O crescimento da receita retira a discussão de projeções superestimadas, mas há riscos. Em um ano forte, valida um percentual de crescimento da despesa para o exercício seguinte, permitindo contratar despesa permanente. É preciso tomar cuidado se o objetivo é ter algo mais estável.
IM: Ainda há incentivo para a busca por receitas extraordinárias após a mudança?
RC: Ele continua existindo. Conseguir receita extraordinária permite ter um resultado fiscal melhor, o que estimula o governo a ter um bônus de investimento. O que fizemos foi limitar esse bônus para que não seja algo que gere problemas. Ele vai ficar limitado a mais ou menos 1/3 do que é o investimento atual. É um bom estímulo, mas também não tem capacidade de provocar um superdesarranjo em termos de pressão de demanda agregada. Não desorganiza o sistema econômico.
IM: O ministro Haddad colocou a questão do fim das subvenções para custeio como uma das prioridades na busca por receitas adicionais para o atingimento da meta de resultado primário em 2023. Como o mecanismo vai funcionar?
RC: É um ajuste no arcabouço legal para deixar claro que o incentivo que o governo federal está concedendo é para estimular o investimento produtivo. Com a legislação como está, interpretações e teses jurídicas surgiram no sentido de que não apenas investimentos, mas qualquer redução de alíquota ou base de cálculo feita por um estado pode ser utilizada como se fosse o ICMS pago para abater CSLL.
Criou-se algo que não faz sentido nem do ponto de vista federativo, muito menos econômico. Não há porquê o governo federal estimular ou fazer essa compensação de uma desoneração dos estados. As compensações relacionadas ao assunto somam algo em torno de R$ 120 bilhões a R$ 130 bilhões. A estimativa é que cerca de R$ 30 bilhões são investimentos. Há um efeito importante, e vamos expurgar.
IM: É simples fazer a diferenciação na cobrança?
RC: Sim.
IM: O arcabouço fiscal também estabelece que, logo no início do mandato, o governo defina as metas de primário de todos os anos de gestão. Existe alguma possibilidade de modificação da meta? Qual é o nível de flexibilidade para esse tipo de decisão?
RC: Ele existe com condicionantes, mas existe. Dependendo da conjuntura… Quatro anos é um horizonte longo. Ele é importante porque está induzindo planejamento fiscal de médio prazo, que não é uma prática nos governos [no Brasil], mas tem sido adotada no mundo. Isso dá previsibilidade, mostra para todos os agentes da sociedade qual é o plano de voo que será perseguido.
IM: E as metas estarão na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias)?
RC: Sim. Ele (o governo) vai buscar atingir aquilo que se comprometeu com a sociedade. Há situações que podem fazer com que desvie daquela meta. Lembrando que isso é para a meta de [resultado] primário, que tem um caminho próprio em relação à regra do arcabouço. A regra do arcabouço é continuar existindo limite para o gasto, que será sempre inferior à receita.
IM: A menos que a receita diminua de um ano para o outro.
RC: Isso. O outro [objetivo] é retomar a importância do [resultado] primário, mas para trazer um horizonte de planejamento fiscal de médio e longo prazo. Mais do que isso (quatro anos), fica muito fora; menos do que isso também fica curto o prazo. [A regra] sinaliza o que o ciclo de governo vai buscar, logo no primeiro ano. Mas ele pode ser adequado a depender do que acontecer. Há algumas condicionantes…
IM: Quais seriam as adequações?
RC: Isso é um pouco do detalhe do texto, que não posso abrir ainda.
IM: Mas o pedido para mudar a meta teria que passar pelo Congresso?
RC: Sim, precisa.
IM: Em entrevista recente, Haddad também mencionou um montante total de R$ 400 bilhões em isenções tributárias. Existe alguma estimativa da equipe econômica de quanto é possível reduzir o tamanho dessa linha do Orçamento?
RC: Não temos nada público sobre isso, mas o primeiro pacote significa algo em torno de R$ 100 bilhões. Há alguns [incentivos] que acho muito difícil. Por mais que do ponto de vista econômico haja distorções ou do ponto de vista distributivo existam aprimoramentos a serem feitos, ainda é muito difícil [estimar]. Alguns são óbvios de discutir, como essa à luz do sol [sobre subvenção para custeio]. Não há a menor racionalidade, é muito difícil encontrar um economista ou tributarista respeitado que vá defender que o que está acontecendo é bom para a economia ou para o sistema tributário. É o tipo de discussão fácil de fazer.
IM: O preço de transferência entra neste grupo?
RC: É outro assunto, que é a triangulação com paraísos fiscais, mas também entra.
IM: A evolução das despesas obrigatórias foi um dos problemas para a sustentabilidade do teto de gastos. E também não é atacado pelo arcabouço fiscal, que, inclusive, aumenta o nível de engessamento orçamentário, com a retomada dos mínimos constitucionais para Saúde e Educação, o piso para investimentos públicos e a esperada nova regra para o reajuste do salário mínimo. O que o governo pretende fazer? Essas despesas devem crescer mais do que outras e podem levar a desfecho similar ao da regra anterior.
RC: Pode haver momentos de um pouco mais de pressão, mas é um arcabouço que pensamos para ser perene como a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) foi e continua sendo. A LRF ficou 15 anos intocada. Nosso objetivo é criar algo assim: um arcabouço que tenha condições de permanecer e que seja flexível o suficiente para dar conta dos ciclos econômicos, dos ciclos políticos e poder resistir à tentação de quebrar a regra. Se formos bem-sucedidos nisso, o país está resolvido e seguimos em frente.
A banda de 0,6% a 2,5% [de crescimento real para as despesas a cada ano] permite termos essas políticas de forma sustentada. O crescimento econômico médio brasileiro nos últimos 30 anos é exatamente 2,5%. Sabemos que há períodos de maior baixa, mas a médio prazo é possível pensar que, se o país voltar a ter estabilidade, retomamos a um patamar parecido com esse, e, com 2% de crescimento real, já conseguimos conduzir esses movimentos para frente sem precisar ter um achatamento contínuo da despesa discricionária, que leva a um rompimento da regra ao longo do tempo.
Pensando em um horizonte de médio e longo prazo, o objetivo é criar condições para que o crescimento econômico volte a um patamar histórico − de preferência que ele suba, mas que pelo menos volte a um patamar histórico da economia brasileira, que não é nada excepcional − e com isso conduzir adequadamente [a evolução das despesas].
Em um primeiro momento, o que estamos fazendo é subir a régua da receita. Recuperando a base fiscal, as renúncias, é possível gerar um resultado fiscal, equilibrar novamente as contas e ter um percentual de crescimento de despesa limitado a essa banda, que mantenha o eixo de despesas obrigatórias com alguma política de valorização, mas que sejam sustentáveis no tempo.
Estamos discutindo qual vai ser a política de valorização do salário mínimo. A questão dos pisos [de Saúde e Educação], o próprio ministro sinalizou que a ideia é realmente restabelecer. Em 2024, elas sobem − isso é bom para as áreas. E depois vamos abrir uma discussão sobre a política de valorização, colocando algo que seja sustentável. Porque indexando desta forma, a receita flutua muito. Para a política educacional é ruim. Qualquer um que acompanha sabe que, quando chega no final do ano, de repente a receita performa bem, vira um desespero na educação para gastar dinheiro, há mais desperdício. E política educacional é de médio e longo prazo. Ninguém está falando de congelar o mínimo, o ministro é um supermilitante do setor, todo mundo sabe disso, mas criar algo que dê mais previsibilidade e de uma forma sustentável, para não haver retrocesso.
IM: Isso dialoga com o conceito de spending review (revisão de políticas públicas), em implementação no Ministério do Planejamento e Orçamento, sob o comando de Simone Tebet (MDB).
RC: Isso. E é um spending review não para reduzir o tamanho do Estado. Ter uma visão de que há uma sociedade desigual, em que uma camada importante precisa de apoio do Estado, não é incompatível com o Estado ser eficiente. O Estado ser eficiente não tem ideologia. A política pública tem que ser eficiente, adequada. Quando somos eficientes, sobra mais recursos para atender mais pessoas.
IM: O arcabouço fiscal parece ter um nível de flexibilidade capaz de acomodar governos de posições políticas antagônicas em relação à participação do Estado. Mas há críticas em relação à ausência de sinalizações de cortes de gastos. A apresentação da proposta também sublinhou que o atual governo tem uma posição mais favorável à presença do Estado na economia do que na gestão anterior. Portanto, sobre o quadro geral, não haveria corte − o que não impede revisões em busca de ganhos de eficiência em termos de alocação de recursos. Esta seria a filosofia?
RC: Essa distinção é importante, porque às vezes as pessoas misturam as coisas. Esse governo planeja reduzir o tamanho do Estado, o suporte à sociedade, em especial às classes mais baixas que precisam? Não. Ao contrário. É um governo que pretende fazer a reparação social, seja na política educacional, na saúde, no salário mínimo, na assistência social, em eliminar a extrema pobreza do Brasil. O Bolsa Família como está estruturado agora, com a manutenção dos R$ 600, o incremento de R$ 150 por criança até 7 anos, e depois o adicional de R$ 50, corrige um problema que existia até então, que eram famílias grandes com várias crianças tendo um valor per capita baixo. Isso já muda, cria condições para eliminar a extrema pobreza do Brasil − o que seria fantástico.
IM: Há uma perspectiva de aumento do tamanho do Estado…
RC: Aumento do Estado em relação ao PIB, não necessariamente, mas não redução do tamanho do Estado − ou algo bem na margem. Por outro lado, o Ministério do Planejamento constituiu uma secretaria específica para cuidar de análise e aprimoramento de política pública, com Sérgio Firpo, que é um um acadêmico sério, super respeitado, que está com uma equipe boa para trabalhar estruturalmente as despesas públicas e abrir espaço para mais investimento público e mais políticas.
O arcabouço não se trata disso. Não há como eu colocar a secretaria do Firpo dentro dele. Agora, a lógica do arcabouço é que ele é compatível com diferentes ciclos políticos, com diferentes visões de mundo. Se você quer reduzir o tamanho do Estado na economia, você consegue com essa regra, mas gradativamente. O que evitamos? Não dá nem para ir para frente, nem para trás, com movimentos muito fortes. Isso é feito gradualmente. No nosso entendimento, isso é bom, porque a sociedade tem tempo para ir validando, para isso ser socialmente compreendido.
Em 4 anos, é possível fazer alguma expansão ou redução, e a sociedade vai validar. Em 8 anos, você faz um ajuste forte, mas vai ter um ciclo de validação disso, para evitar que a sociedade não tenha tempo hábil de entender o que decidiu e tenha uma redução ou expansão muito brutal do Estado que desarranje. O que queremos é manter as coisas com um pouco mais de estabilidade e previsibilidade.
Quer aumentar? É possível, mas dentro de determinado limite. Quer reduzir? Pode reduzir, o 0,6% [de piso para o crescimento real das despesas] vai permitir isso. A economia brasileira em média cresce mais do que isso. Se você quer reduzir 0,5% da presença do Estado sobre o PIB por ano, você consegue. Agora, reduzir 3% não é possível com essa regra. E está tudo bem, acho que isso é bom. Do ponto de vista de sociedade, será positivo. Se conseguirmos que ela funciona bem nos primeiros anos, ela vai ganhando blindagem social, como a LRF.
Quando as pessoas discutem a questão da trajetória do primário, ela é mais um compromisso deste governo de querer fazer um processo de recuperar logo esse equilíbrio entre receitas e despesas do que de fato tem a ver com o arcabouço. Porque se cumprir o arcabouço, as coisas vão se resolver.
IM: Mas em um horizonte mais longo.
RC: Isso. É só não mexer, que, em 10 anos, a gente não está falando mais de problema fiscal no Brasil. E ninguém nem vai ver o ajuste, porque é um ajuste gradual. Se formos bem-sucedidos, fazemos o ajuste mais célere, e em 2026 já entregamos estabilizando a trajetória da dívida. Se não, é 2029 ou 2030, com simulações que o mercado está fazendo.
E, sinceramente, discutir a intensidade, mas mostrar que vamos resolver o problema com esse conjunto de regras, que dá para acomodar as coisas, eu acho que está em um bom equilíbrio. É óbvio que há quem gostaria de [um marco fiscal] mais apertado ou mais gradual, mas não tem como agradar em tudo. Pelo menos o desenho garante um caminho, e isso já é suficiente para destravar investimentos novamente, para os investidores conseguirem entender que não vai haver um desarranjo da economia, um processo inflacionário, um desarranjo de preços relativos. Isso já é suficiente para voltarmos a uma normalidade.
IM: As medidas para garantir os R$ 100 bilhões adicionais a partir da tributação de sites de apostas, das subvenções para custeio e da taxação do comércio eletrônico ilegal saem quando?
RC: Na semana que vem devem sair. Pelo menos a da subvenção e das apostas esportivas. Talvez saiam mais coisas junto, mas pelo menos essas.
IM: No anúncio do novo arcabouço fiscal, a equipe econômica não apresentou detalhes do que seria feito com a questão dos precatórios. Não seria o melhor encaminhamento reconhecer essas obrigações como despesas financeiras? Qual é a solução para isso?
RC: Eu sou tecnicamente contrário ao que foi feito, porque o governo federal tem um canal de financiamento, que é a emissão de título público. Não há o menor sentido forçar um financiamento por parte de credores que talvez não queiram financiar, que precisam da liquidez. Isso está gerando um imbróglio operacional que ninguém consegue resolver, é muito ruim. Está muito na agenda do ministro e na minha como sair disso, mas não dá para resolver tudo em 100 dias. Estamos endereçando coisas muito estruturais em um período curto, que entendemos que são as mais importantes para o país voltar à normalidade e retomar o investimento, mas esse [assunto] precisa ser enfrentado. Queremos muito resolvê-lo até o final deste governo.
IM: Reconhecer como despesa financeira não seria uma solução? Quais seriam os problemas disso?
RC: Não sei se é o melhor caminho. É preciso discutir tecnicamente. Tenho dúvidas de qual seria um bom caminho sustentável para trazer isso de volta para dentro, mas precisamos resolver isso. Nós não quisemos misturar isso agora, porque seria muita coisa ao mesmo tempo.
IM: Na prática, é uma dívida também.
RC: É uma dívida. Eu concordo com você nesse aspecto. Lato sensu, é uma dívida como qualquer outra. Mas precisamos construir um pouco mais. Preciso de um pouco mais de tempo para apresentar algo. Estamos discutindo, trabalhando soluções. Mas é um objetivo resolver, é importante para o país. Ficou uma mancha ruim. Para o Tesouro, incomoda muito.
IM: No Congresso, mesmo antes de o texto chegar, há parlamentares preparando a apresentação de emendas. Um dos pontos que ouvimos é a possibilidade de inclusão de meta de endividamento público, com uma margem de tolerância. O deputado Pedro Paulo é defensor da ideia e questiona por que o arcabouço não trabalha com esse marcador.
RC: Em poucos lugares no mundo funcionaram limites para a dívida − quantitativos, trajetória − por uma simples razão: tem uma variável não tão simplesmente controlável, que é a política monetária. Não estou fazendo nenhuma crítica, mas a condução da política monetária afeta [a dinâmica da dívida pública] em alguns momentos. Seria misturar o que você não controla. O resultado é estourar a regra.
IM: A ideia foi utilizar apenas variáveis sobre as quais a equipe econômica tem controle…
RC: Exato. Eu consigo mostrar que isso gera um caminho de solvência para a frente, que é o que importa. Senão ficamos muito no curto prazo. O governo sempre vai ter seu ciclo de de restrição monetária e depois de relaxamento. Um ciclo de restrição põe 3 pontos percentuais na dívida que acontece e não está no controle. O governo pode estar gerando um [resultado] primário, e, de repente, ter que triplicar para poder isolar… Isso vai criar mais volatilidade na economia do que o contrário. Potencializa o caráter pró-cíclico das medidas.
Foi criado um sistema de independência do Banco Central, descasado do ciclo de governo e conceitualmente pensado justamente para que o governo não tenha o controle completo dos dois braços econômicos (políticas fiscal e monetária). [Colocando-se metas de endividamento], tira-se a responsabilidade pelo atingimento dos objetivos que não dependem do governo. É a mesma coisa que colocar meta de crescimento econômico.
O mundo todo caminha para isso (não ter metas de dívida). Olhando as gerações de regras fiscais, você vai ver que elas estão muito mais compatíveis com o que montamos. O que deu errado nas primeiras gerações? Regras fixas, que não comportam ciclos econômicos. Os ciclos econômicos existem e não há nada que você possa fazer em relação a isso. É possível tentar atenuar a intensidade dessas curvas não sendo tão pró-cíclico. Fora isso, é inevitável, é da natureza do sistema econômico capitalista.
IM: Mas a natureza pró-cíclica é uma das críticas feitas ao novo arcabouço fiscal. Há quem diga isso e ressalte que o mecanismo anticíclico escolhido pelo governo foi receita, e não PIB. Por quê? Por que não se pensou em algo teoricamente mais anticíclico?
RC: Eu fui um defensor de que não se amarrasse com o PIB. Por quê? O PIB estar crescendo não quer dizer que a receita vai crescer. É só olhar para o nosso passado recente.
Nessa regra, tentamos evitar que a despesa tivesse grandes flutuações, voltar a olhar o resultado fiscal e criar um estímulo para não renunciar receita, que é um problema brasileiro de tempos. Quando não é possível crescer despesa, faz-se bondade com a base fiscal, que cria um problema depois.
No ano passado, a economia cresceu 2,9%, com uma série de estímulos econômicos. [Aplicando uma regra relacionada ao PIB,] elevaríamos a despesa em 2%, mas renunciando 1,5% do PIB de receita. Precisamos olhar para a receita. Sem isso, vamos ter problemas. Acho que é mais saudável usar os canais diretos, que são controláveis. A receita garante aquilo que realmente está na mão do Estado.
IM: O ministro Haddad chamou muita atenção para a busca por boas práticas internacionais na construção do novo marco fiscal. Como foi esse processo? Quais foram os modelos que mais agradaram e mais influenciaram a decisão?
RC: A SPE (Secretaria de Política Econômica) fez um levantamento bem completo de todos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e outros também relevantes. Há regras para a dívida, despesa pública, resultado [primário]. Uma boa parte tem regras de limite de despesas, com flexibilidade. Hoje todos [os países] que aperfeiçoaram suas regras fiscais estão caminhando para a flexibilização para comportar ciclos econômicos, porque tiveram problemas com os critérios fixos. A flexibilidade depende de cada caso, mas todos têm.
O objetivo que a SPE buscou foi ancorar o processo decisório. Conceitualmente, o primeiro estágio foi tentar realmente fazer uma regra que garanta o médio e longo prazo, mas que consiga lidar com ciclos econômicos e com ciclos políticos. A questão de trabalhar bandas foi inserida com esse espírito.
IM: O governo está perto de apresentar um novo marco para as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Qual é a importância do novo modelo? Do ponto de vista fiscal, pode compatibilizar um aumento de investimentos com as restrições da atual conjuntura. Por outro lado, há riscos envolvendo as garantias que o Tesouro deverá assumir para contratos de estados e municípios. Como isso está sendo gerenciado?
RC: O governo todo aposta muito no modelo de concessões e PPPs para alavancar investimentos em infraestrutura econômica, infraestrutura social, disponibilizar serviço. Há uma carência muito grande, acho que é um caminho muito bom, e o modelo consideramos adequado. Todos aqui têm bastante experiência na área.
O investimento público é ótimo, mas, muitas vezes, você pavimenta uma rodovia, e depois não vem junto um modelo de gestão; três anos depois, perde-se a rodovia porque não houve manutenção ou gasta-se quase o valor da construção, porque não houve um modelo moderno de gestão junto com o investimento.
As concessões e, principalmente, PPPs trazem esse modelo de gestão do equipamento sustentado no tempo. Entendemos que é o que há de mais moderno em termos de governança e funciona bem. Uma forma de impulsionar nos estados e municípios é via aval do Tesouro Nacional, como acontece em uma operação de crédito. Isso traz risco soberano e muda o patamar de atratividade para os entes, porque muitos grupos, principalmente externos, olham, sabem que de vez em quando tem problema de inadimplência, risco político, e acabam não entrando nos projetos.
O ponto principal, que vamos detalhar na segunda-feira é que não estamos assumindo mais risco do que temos hoje. É que hoje assumimos risco para fazer um recapeamento, uma estrada que, depois de três anos, fazemos novamente. Vamos direcionar uma parte desse espaço para poder garantir investimento de interesse público, mas em um modelo mais moderno. Não precisamos mudar os limites. Em um primeiro momento, não é a intenção mudar, dentro do arcabouço que existe.
No aval do Tesouro, a contragarantia funciona bem descontando FPE (Fundo de Participação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Houve uma exceção mais recente que não funcionou tão bem, mas foi algo mais atípico por conta da discussão sobre os combustíveis com os estados. Foi um processo de extremo conflito federativo no qual a União reduziu os tributos estaduais, prometeu a compensação e não fez. O STF (Supremo Tribunal Federal) foi e validou a compensação com as dívidas e a União não poderia acionar as contragarantias.
Em regra, tirando um caso extremo como esse, as contragarantias funcionam muito bem há anos. Se [o ente subnacional] não pagou, no dia seguinte o Tesouro banca, aciona a contragarantia e está resolvido.
A forma como estamos fazendo é muito parecida com uma operação de crédito tradicional − exceto que não vai ter o desembolso. Os estados e municípios sabem fazer isso tranquilamente. A União sabe fazer isso. Uma operação com aval da União interna leva menos de 90 dias, que é tranquilo para o ciclo de estruturação de um projeto desse, geralmente de 6 meses a 1 ano. Se for uma operação com aval da União mas externa − e já sabemos que haverá bancos internacionais que vão oferecer linhas − está inferior a 6 meses, também compatível com o ciclo de estruturação.
IM: O governo vai precisar se expor a um limite para garantia.
RC: Isso, [um limite] que já existe. Vai ter que continuar respeitando o limite de endividamento dos estados e o limite de garantias da União. Tudo vai ser o mesmo. A sofisticação e a simplicidade do mecanismo estão juntas nesse aspecto. O que estamos fazendo é algo que já é consolidado, em termos da burocracia dos entes subnacionais, do governo federal e das instituições financeiras. Tende a fluir muito rápido. Do ponto de vista de pauta estrutural, para alavancar investimento, retomar crescimento econômico, essa, sem dúvida, vai dar uma boa mexida no setor, vai atrair grandes grupos externos, e olhando o horizonte de médio e longo prazo, subir de novo o sarrafo da formação bruta de capital fixo.
IM: Como o senhor está olhando a situação fiscal dos estados e municípios? Em termos gerais, há capacidade dos entes subnacionais de “andar com as próprias pernas” ao longo dos próximos anos?
RC: Sim. Em geral, os municípios estão muito bem. Os estados estão melhor [do que estavam], razoavelmente bem. Eles foram muito machucados no segundo semestre do ano passado. Estamos tentando resolver − e acho que encontramos um bom acordo. Para além disso, nossa postura de ter uma relação federativa de parceria, independentemente de quem está do outro lado, é importante. Isso vai ajudar os estados. Estamos junto com eles em pautas estruturais. Alguns estados têm mais dificuldade, principalmente os que estão em RRF (Regime de Recuperação Fiscal), mas mesmo ali dentro há caminhos de saída para todos. Como servidor de carreira, conheço a realidade dos estados e municípios e sei da importância que eles têm para a sociedade. É uma pauta do Tesouro ajudá-los a avançar de forma sustentável. As pautas estruturais que são legítimas vão contar com o apoio do Ministério da Fazenda para que eles andem com as próprias pernas.
O CAPAG (sistema de análise da capacidade de pagamento, para avaliar a situação fiscal dos entes subnacionais) foi uma grande evolução, induzindo comportamento. Sou muito defensor não da tutela, mas da indução a comportamentos − assim como a regra (do arcabouço) busca. A mera criminalização dos gestores não é o caminho para resolver o país. É muito melhor criar uma indução para um governo ir para um lado do que ficar tentando punir. O que o CAPAG não tem ainda é um estímulo para ser [nota] A. Estamos discutindo como induzir e premiar o comportamento, é o futuro do que se discute no mundo.
IM: Na reforma tributária, há quem defenda a possibilidade de o governo usar como carta na manga para atrair o apoio de estados e municípios a oferta de algum benefício relacionado à dívida dos entes. O Tesouro estaria preparado para esse tipo de medida?
RC: Eu não sei como surgiu isso, mas em geral não acho muito bom. Ele é paliativo e mistura coisas. Acho que dá para resolver isso (possíveis resistências dos entes à proposta) dentro do próprio sistema. A reforma precisa garantir que os entes subnacionais continuem tendo base fiscal para poder seguir com as próprias pernas. Qualquer coisa paliativa que se faça vai gerar problema lá na frente. Prefiro soluções estruturais para as coisas.
IM: Há alguma chance de o imposto sobre exportação de petróleo cru ser prorrogado por uma eventual não recomposição total dos impostos federais sobre os combustíveis?
RC: Não.
IM: Aquilo gerou uma preocupação grande. Um imposto regulatório usado para fins de arrecadação…
RC: Gerou, mas houve um drama. Fez-se uma comparação com nossa vizinha Argentina, que é injusta, e é compreensível. Nós temos uma linha muito importante [no Ministério da Fazenda], que é andar para a frente, sem retrocesso. Estamos em um caminho de recuperação fiscal, não dá para recuar. Isso era caro para a equipe econômica. Sinalizamos que teríamos R$ 28 bilhões [de arrecadação na discussão sobre reoneração dos combustíveis]. A questão da credibilidade é importante.
IM: Tecnicamente parece não ter sido a solução mais desejável…
RC: Mas o balanço para nós era mais relevante. Nós temos conseguido até aqui não prometer coisas mirabolantes − o que estamos prometendo estamos entregando. Quando anunciamos o primeiro pacote [de medidas, em janeiro], questionaram e ele veio. Diziam que não conseguiríamos terminar em março a regra fiscal… Nós vimos cumprindo. A credibilidade importa para nós. Se eu falei que vou fazer, agora precisamos fazer. [A taxação do petróleo] veio muito nesse espírito, e muito menos do instrumento. É temporário, 4 meses. Criou-se isso, mas não é motivo de preocupação. Acho que hoje já não é. Em um primeiro momento, houve um susto, mas agora já entenderam, muita gente já veio conversar e compreendeu o objetivo da medida.
IM: O setor também?
RC: O setor também. O setor que o horizonte de investimento é de longuíssimo prazo, não são 4 meses que vão afetar isso. Não há risco, está tudo bem.
IM: O governo acaba de completar 100 dias. Quais são os planos para o restante do ano?
RC: Agora entra a parte divertida. A gente coloca o fiscal em algum eixo − claro, continuar zelando, mas ele vai entrando em um eixo importante. Na semana que vem, temos anúncios importantes na área de PPPs, para a retomada de investimentos. Vamos olhar com carinho o CAPAG, para tentar apoiar, induzir os estados, criar coisas boas, inovadoras. Também tem mais desempenho fiscal, mais investimento.
No Tesouro Direto, que é um programa que enquanto eu estiver aqui vai ser superprioritário, vejo um potencial incrível… Tem o RendaMais, que é [voltado] para aposentadoria e estamos trabalhando em um instrumento para o ciclo universitário, ciclo educacional. Vai ser muito interessante, vai se popularizar muito nas famílias e dar um instrumento de planejamento para esse ciclo. Tem coisa boa vindo.