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O mecanismo do “cashback”, pelo qual os tributos de itens essenciais serão devolvidos às pessoas mais pobres, poderá beneficiar cerca de 72 milhões de brasileiros, sendo 72% negros e 57% mulheres.
A informação foi dada por Fernanda Santiago, assessora especial do Ministério da Fazenda, durante debate organizado nesta terça-feira (21) pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados sobre a reforma tributária sob a perspectiva de gênero. O evento faz parte da campanha Março Mulher, promovida pela secretaria.
A reforma tributária em análise na Câmara (PEC 45/19, da Câmara, e PEC 100/19, do Senado) cria um Imposto sobre Bens e Serviços, nos moldes do imposto sobre Valor Agregado (IVA) que existe em mais de 170 países. O novo imposto deve unificar cinco tributos sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) e será cobrado no destino final do bem ou serviço. No lugar da desoneração da cesta básica, a reforma tributária pode prever a devolução dos tributos à população mais pobre.
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A assessora especial do Ministério da Fazenda disse que 90% dos municípios, que representam 62% da população, aumentarão a sua participação no total da arrecadação com a reforma. Segundo dados levados por ela ao debate, a reforma gerará crescimento adicional na economia de 12% ou mais em 15 anos, o que significa R$ 1,2 trilhão a mais no PIB de 2022.
Com relação ao recorte de gênero, Fernanda Santiago ressaltou a redução na regressividade do sistema, que é quando o mais pobre paga mais imposto, proporcionalmente, que o mais rico. “A pobreza no Brasil é feminina e a cor é preta. Nós temos uma maioria de mulheres negras em famílias monoparentais que arcam com um percentual maior da sua renda para pagar tributação sobre consumo. É essencial que a gente também consiga ter um sistema que reduza a regressividade para que elas paguem cada vez menos tributos sobre o consumo”, defendeu.
Grupo de trabalho
O fato de o grupo de trabalho que analisa a reforma tributária na Câmara não ter nenhuma mulher em sua composição foi alvo de críticas durante o evento.
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A deputada Denise Pessoa (PT-RS), que mediou o debate, ressaltou a necessidade de um texto que faça o recorte de gênero. “Me chamou atenção o quanto as mulheres acabam sendo impactadas por uma reforma tributária que não olha, por falta de políticas econômicas e de orçamento, a questão de gênero. Quando a gente fala do preço da cesta básica, a gente acaba falando da tributação da cesta básica, que é algo que aumenta desigualdade entre homens e mulheres”, ponderou.
Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito de São Paulo, Tathiane Piscitelli destacou que a reforma em análise se debruça apenas sobre os tributos sobre o consumo, e que a tributação da renda também é regressiva. Segundo ela, isso acontece em grande parte por conta da isenção de dividendos, que beneficia, em sua maioria, homens brancos. O governo pretende enviar uma reforma do Imposto de Renda no segundo semestre.
Piscitelli disse não concordar com a tese de que a reforma está madura para ser votada, por uma série de motivos. Por exemplo, porque ainda não foi apresentado o projeto de lei complementar que vai regulamentar as mudanças constitucionais e detalhar, por exemplo, o pagamento do cashback.
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Ela também se disse muito preocupada com uma questão que pode ter impacto sobre a segurança das mulheres e que, segundo ela, não vem sendo falada. É o imposto seletivo, que vai sobretaxar, além do IVA, itens que tenham alguma periculosidade ou façam mal à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas. Mas ela teme que determinados lobbies consigam evitar esse imposto e baratear os produtos. “A aprovação de um IVA com uma alíquota única sobre todos os bens e serviços, sem um imposto seletivo associado, pode gerar redução bastante drástica da tributação sobre armas e munições e isso pode ter um impacto direto na violência de gênero já que, em tese, haverá um acesso mais facilitado.”
Ana Clara Ferrari, que representou o Ministério das Mulheres no debate, citou, entre outros pontos, a alta taxação de itens essenciais para as mulheres, como os absorventes – com alíquota total de IPI, PIS/Cofins e ICMS estimada em 27,25%. Ela também lembrou da chamada “taxa rosa” que faz com que produtos genéricos, como lâminas de barbear, custem mais quando voltados para o público feminino.
Discriminação tributária
Luiza Machado de Oliveira Menezes, integrante do grupo de estudos de Tributação e Gênero do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP, utilizou dados da pesquisa que vem realizando para seu mestrado na UFMG, para demonstrar que encontrou “vieses de gênero na tributação brasileira”.
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Entre eles, a regressividade total do sistema tributário. Enquanto os 10% mais pobres, compostos por 42% de mulheres negras e 11% de homens brancos, têm uma carga tributária total de 26,4%; os 10% mais ricos, com 10% de mulheres negras e 42% de homens brancos, têm uma carga tributária de 19,2%.
Outro viés é a discriminação indireta na tributação sobre produtos relativos ao trabalho de cuidado, uma vez que esse trabalho acaba sendo exercido mais por mulheres do que por homens. Levando em consideração a alíquota total estimada (IPI, PIS/Cofins, ICMS), pomadas preventivas de assaduras (37%), bico para mamadeira (33,75%) e bomba de amamentação (27,25%) têm taxa mais alta que bombas para encher pneu (9,25%), por exemplo.
Luiza Menezes também citou a discriminação direta na tributação sobre produtos de uso exclusivo ou predominantemente feminino. Absorventes menstruais e tampões (27,25%), coletores menstruais (33,75%), pílulas anticoncepcionais (30%) são mais taxados que fraldas geriátricas (9,25%), preservativos (9,25%) e Viagra (18%).