Campos Neto diz que mudança de meta da inflação pode gerar efeito ser oposto ao desejado

Presidente do BC diz que medida, caso tomada em momento de meta "desancorada", poderia causar "perda de flexibilidade" e não favorecer afrouxamento

Marcos Mortari

Germano Lüders/InfoMoney
Germano Lüders/InfoMoney

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Três dias antes da primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que não estuda uma mudança na meta de inflação, hoje fixada em 3,25% para 2023, com uma banda de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o economista disse que uma alteração no objetivo promovida em um momento de desconfiança de agentes econômicos poderia gerar o efeito oposto ao desejado pelo governo, não facilitando um afrouxamento da política monetário em prazo mais curto.

“Nós não estudamos mudança de meta. Nós não entendemos que a meta é um instrumento de política monetária”, afirmou.

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“Se você aumenta a meta em um momento como esse, em que a meta está um pouco desancorada, o que vai acontecer é o seguinte: os economistas e os analistas vão projetar uma meta que é igual à nova meta, mas como a meta foi aumentada em um momento em que você não está atingindo a meta, ela vai pedir um prêmio de risco maior ainda. Então, você não só não vai ganhar flexibilidade, como vai perder, disse.

“Se fizermos uma mudança agora, sem ter um ambiente de tranquilidade e um ambiente em que estejamos atingindo a meta com facilidade, o que vai acontecer é que você vai ter o efeito contrário ao desejado. Em vez de ganhar flexibilidade, você pode terminar perdendo flexibilidade”, prosseguiu.

Nas últimas semanas, Lula tem criticado a política monetária adotada pelo Banco Central e questionado o atual patamar da taxa básica de juros (a Selic), mantida a 13,75% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

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Aliados do presidente também têm feito diversas insinuações sobre vínculos de Roberto Campos Neto com o governo de Jair Bolsonaro (PL) – que foi responsável por sua indicação para o comando da autoridade monetária, com mandato que vai até o fim de 2024.

Na semana passada, ganhou força na política e no mercado a discussão sobre a possibilidade de o comando do Banco Central aceitar promover um leve aumento na meta de inflação de forma atípica – movimento que poderia, em tese, dar mais tranquilidade para a autoridade monetária acelerar um processo de cortes de juros.

Mesmo com a contrariedade manifesta por Campos Neto, teoricamente ainda é possível que o tema seja colocado em discussão na reunião do CMN desta quinta-feira (16). O órgão é composto pelo presidente do BC e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB).

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“Quem apresenta a proposta é o ministério. A gente pode contribuir tecnicamente dando sugestões, mas quem define a meta é o governo. O Banco Central segue a meta que é definida, ele tem um voto de três”, disse o presidente da autarquia na entrevista desta segunda-feira.

Durante o programa, Campos Neto também rebateu críticos que alegam que a atual meta de inflação seria inexequível. Ele lembra que, em dezembro de 2022, o cenário do mercado indicava para um IPCA sob controle e incorporava cortes na Selic a partir de junho.

“Nosso cenário de dezembro dizia que a meta era exequível e com uma curva onde já existiam cortes de juros a partir de junho”, alegou.

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Questionado sobre o que mudou de lá para cá, ele indicou uma mudança na percepção de agentes econômicos e no prêmio de risco cobrado pelo mercado e ressaltou um “ruído grande” recente, em grande parte sobre o futuro da meta para a inflação a ser perseguida pelo BC.

Apesar do cenário mais negativo, Campos Neto fez novo aceno ao governo ao dizer que vê “esforço grande na parte fiscal” por parte do ministro Fernando Haddad e uma “conversa muito boa” com a ministra Simone Tebet.

“Na medida em que os agentes econômicos entendam que a gente vai avançar com as reformas, vamos abrir espaço em algum momento para ter uma situação igual à de dezembro. Pode ser até que tenhamos uma situação melhor”, ponderou.

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Questionado se a percepção de risco fiscal parte de um pressuposto de mais gastos em um governo petista, Campos Neto disse que “a dificuldade de controlar despesas está nos diversos governos”. “Não é que a gente tenha, de nenhuma forma, tentado comunicar que este governo gasta mais que o outro”, disse.

“Estamos descrevendo um processo de aumento de gastos em que precisamos, em algum momento, comunicar que existe um plano para convergir a trajetória de dívida lá na frente. Como é muito difícil caírem os gastos e temos pouco espaço para simplesmente aumentar a arrecadação via impostos, então é preciso haver ganhos de eficiência, reformas”, prosseguiu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.