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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (3), em primeiro turno, o texto-base para a Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios (PEC 23/2021). Foram 312 votos favoráveis e 144 contrários ao substitutivo. Os parlamentares ainda precisam analisar dez destaques apresentados pelas bancadas com tentativas de modificar a versão votada.
A votação ocorreu após uma série de tentativas frustradas na semana anterior, quando o governo não conseguiu atingir quórum confortável em plenário e garantir o apoio necessário para aprovar a matéria. Por se tratar de PEC, é necessário apoio de pelo menos 3/5 (ou seja, 308 dos 513 votos) dos deputados em dois turnos de votação.
Para viabilizar a votação, o Palácio do Planalto trabalhou na liberação de emendas parlamentares junto a ministérios. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), também modificou o regimento interno na casa legislativa e editou ato para permitir que parlamentares em missão oficial fossem dispensados do registro biométrico de presença e pudessem votar remotamente.
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O movimento permitiu que deputados da comitiva enviada à COP26 em Glasgow, na Escócia, pudessem participar da sessão.
Em outro flanco, foi construído acordo para que o pagamento de precatórios relacionados ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) entrassem na lista de dívidas prioritárias a serem pagas pelo governo federal. Esta era uma demanda de parlamentares do Nordeste e integrantes da bancada de Educação.
Antes da sessão, Lira disse que conversou pessoalmente com os governadores da Bahia, de Pernambuco e do Ceará – três estados detentores dos maiores montantes a receber a título de precatórios na área da Educação – para a construção de uma emenda aglutinativa global. Pelo acordo, 40% dos precatórios do Fundef serão pagos em 2022; 30% em 2023 e 30% em 2024.
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Além do Fundef, a PEC dará prioridade para o pagamento de requisições de pequeno valor (RPVs), precatórios alimentícios, pessoas idosas e com deficiência. Outros precatórios deverão ser pagos por ordem cronológica.
“Não tem nada absolutamente fora do teto. A PEC continua a mesma”, afirmou Lira. A manobra regimental foi necessária para a alteração do substitutivo aprovado em comissão especial, já que nenhuma emenda apresentada pelos deputados alcançou o mínimo de 171 assinaturas dentro do prazo determinado para o registro das sugestões.
A substituição do texto analisado pelo plenário foi votada antes do mérito da matéria, a partir de um destaque de preferência apresentado pelo Republicanos (sigla do relator da proposta), e aprovada por 307 votos favoráveis e 143 contrários – o que já indicava placar apertado para o debate de mérito.
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“[A emenda] inclui apenas o compromisso que fizemos com a Frente Nacional dos Professores, que debate o pagamento do FUNDEF. É o mesmo texto que saiu da Comissão, discutido na semana passada, com apenas a inclusão da prioridade dos recursos do FUNDEF dentro do teto que está sendo criado para os precatórios. As prioridades são requisições de pequeno valor, aquelas até 66 mil reais. Depois disso, idosos, pessoas com doenças graves e deficientes. Depois disso, recursos para a educação”, afirmou o relator Hugo Motta.
As manobras para garantir a participação de deputados em missão oficial na votação e para garantir alterações no substitutivo foram criticadas por parlamentares da oposição e objeto de questões de ordem em plenário – todas rejeitadas por decisão monocrática do presidente Arthur Lira.
“Essa emenda aglutinativa não existe, é uma emenda fraudulenta, porque ela se baseia na aglutinação de uma emenda que jamais foi apresentada. O art. 202 do regimento [interno da Câmara dos Deputados] é claro: só se pode apresentar emenda perante à comissão [especial]. A comissão se exauriu. Então, se finge que há uma emenda aglutinativa para tentar fingir uma solução para o Fundef”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição.
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“O PL recomenda a aprovação da emenda aglutinativa, entendendo que ela melhora, e muito, o projeto inicial”, disse em sentido contrário o deputado José Rocha (PL-BA) em orientação de bancada.
A inclusão do Fundef na lista prioritária para o pagamento de precatórios reduziu resistências entre alguns parlamentares da oposição – movimento fundamental para a aprovação em primeiro turno da matéria. O PDT, que conta com uma bancada de 24 parlamentares, entregou 14 votos favoráveis ao texto e foi decisivo na vitória do governo.
“Conseguimos o compromisso de V.Exa. [Arthur Lira] de pautar o Projeto de Lei nº 10.880, que é um sonho antigo dos professores do Brasil, que garante os 60% dos precatórios para os professores. V.Exa. já se comprometeu em pautar a urgência na semana que vem, e esse assunto vai ser votado, graças à intervenção do nosso partido, o PDT, que mediou esse acordo e é um ganho que garante, dá estabilidade, dá segurança jurídica aos professores, para que possam receber esses precatórios que lhes são de direito”, disse o deputado Wolney Queiroz (PE), líder do PDT.
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O clima antes da votação de mérito da matéria era tenso, com líderes partidários prevendo placar apertado. Na coletiva antes das discussões, Arthur Lira disse que não tinha “compromisso com o resultado da votação”. “Não tenho compromisso com o resultado, eu quero deixar isso bem claro. Agora, tenho compromisso em defender uma pauta que, aparentemente, não causa mal a ninguém, pelo contrário, só traz benefícios”, afirmou.
Licença para gastar
A PEC dos Precatórios pode liberar mais de R$ 90 bilhões de espaço fiscal no Orçamento de 2022 e é tida pelo governo federal como fundamental para viabilizar o pagamento do Auxílio Brasil – novo programa social que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta tirar do papel para substituir o Bolsa Família.
A ideia do governo é aplicar um reajuste de 20% sobre todas as faixas de famílias beneficiárias do programa permanente, que passarão de 14,6 milhões para cerca de 17 milhões até o fim do ano, e garantir que nenhuma delas receba menos de R$ 400,00 mensais até dezembro de 2022. Para isso, o programa será somado a uma espécie de “benefício transitório”.
O substitutivo, assinado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), de um lado, estabelece uma trava para o pagamento de dívidas judiciais sem possibilidade de recurso, baseada na própria regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior. Apenas esta mudança garantiria espaço estimado em R$ 44,6 bilhões pela equipe econômica do governo.
Do outro lado, o texto revoga dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e antecipa a revisão da metodologia do teto de gastos ‒ inicialmente prevista apenas para 2026, quando a regra fiscal completaria dez anos de vigência.
Hoje, o teto de gastos permite a atualização dos gastos públicos pela inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.
Ou seja, se a regra fosse mantida, a correção de 2022 levaria em conta a alta dos preços entre julho de 2020 e junho de 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador teve variação positiva de 8,35% no período. O que faria com que o limite para as despesas fosse para R$ 1,609 trilhão no ano que vem.
O novo texto em discussão, por sua vez, muda o período de aferição da inflação que ajusta a regra fiscal. Pela versão aprovada em comissão especial, a janela observada passaria a ser de 12 meses encerrados em dezembro do ano anterior ao exercício. E ainda: os novos valores seriam determinados por ajuste retroativo de toda a regra desde sua criação, em 2016.
Na prática, isso faria com que o teto de gastos saltasse de R$ 1,609 trilhão para cerca de R$ 1,644 trilhão (diferença de R$ 35 bilhões) em 2022, considerando as projeções mais recentes da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia para a inflação.
Conforme divulgado no Boletim Macrofiscal de setembro, a pasta estima que o IPCA encerre o ano com alta acumulada de 7,90%. O número, porém, é muito abaixo do que estimam casas de análise do mercado financeiro ‒ o que pode tornar a folga no Orçamento ainda maior.
Considerando as projeções que constam no último Relatório Focus divulgado pelo Banco Central, que indicaram IPCA a 9,17% ao final de 2021, o governo poderia ter um “fôlego” de R$ 54,147 bilhões no teto de gastos.
O novo “teto light” e as limitações para o pagamento de precatórios podem abrir um espaço fiscal superior a R$ 90 bilhões em 2022. O que pode garantir recursos não apenas para o Auxílio Brasil, mas para outras despesas solicitadas pelos parlamentares em ano eleitoral, como as emendas do relator da peça orçamentária, aumento do fundo eleitoral, vale gás e a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.
Embora a PEC dos Precatórios abrisse caminho para gastos demandados por diversos deputados federais, as estratégias adotadas pelas bancadas na votação desta quarta-feira também levavam em consideração o tabuleiro eleitoral de 2022 e os impactos potenciais de se oferecer ao governo munição para recuperação de popularidade a um ano do pleito.
Como ficam os precatórios?
Do lado dos precatórios, o substitutivo limita os pagamentos de determinado exercício a uma correção anual pela inflação do valor pago em 2016. Na prática, é a mesma lógica do teto de gastos, desta vez usada para restringir o pagamento de dívidas que a própria Justiça determina que o poder público deve pagar.
O limite para a expedição de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite estabelecido pela atualização da regra fiscal, reduzido da despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor, que terão prioridade no pagamento.
O texto determina que precatórios que não forem expedidos, em razão da restrição de despesas aplicada, tenham prioridade nos exercícios seguintes. O cálculo do limite não considera um possível “encontro de contas” entre os entes e atualização monetária.
Pelo substitutivo, os credores não contemplados poderiam optar pelo recebimento dos recursos em parcela única, até o final do exercício seguinte, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, desde que com renúncia de 40% dos valores. A norma seria regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Outra inovação introduzida é a possibilidade de o ente devedor utilizar empréstimos como instrumento específico de liquidação de precatórios, mediante acordo direto com os credores.
O novo substitutivo também torna possível a utilização dos precatórios para:
I) Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;
II) Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;
III) Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;
IV) Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;
V) Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.
A versão original encaminhada pela equipe econômica do governo federal apenas previa as situações de compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária.
O relator Hugo Motta manteve no texto a possibilidade do chamado “encontro de contas” entre a União e os entes federativos, inclusive com a possibilidade de dedução dos valores eventualmente devidos por estados de recursos estipulados para repasse pelos fundos de participação, tal qual previa a proposta original.
Também estão previstas novas rodadas de refinanciamento de dívidas previdenciárias dos municípios, com prazo máximo de 240 meses, mediante autorização em lei municipal específica, e desde que comprovem ter alterado a legislação do regime próprio de previdência social para atendimento de determinadas condições. A formalização dos parcelamentos será até 30 de junho de 2022 e fica condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para fins de adimplemento das prestações.
Entre as contrapartidas exigidas, o texto lista medidas de ajuste fiscal, como a adoção de regras de elegibilidade, cálculo e reajustamento dos benefícios que contemplem regras assemelhadas às aplicáveis aos servidores públicos do RPPS da União, a adequação da alíquota de contribuição devida pelos servidores e a instituição do regime de previdência complementar.